100 anos da Revolução Russa: As Teses de Abril de Lenin – parte 3

A importância decisiva das “Teses de Abril” de Lênin

A volta do líder dos bolcheviques do exílio muda o rumo da política do partido

O primeiro mês da revolução iniciada em 23 de fevereiro – 8 de março, no calendário atual (lembrando que as datas usadas aqui são do calendário vigente na época) – foi um período de hesitações para os bolcheviques.

Trotsky descreve esse momento:

“Sobre o conteúdo social da revolução e das perspectivas do seu desenvolvimento, a posição dos dirigentes bolcheviques não deixava de ser confusa. Chliapnikov (1) conta que: ‘Nós estávamos de acordo com os mencheviques sobre a questão da fase da demolição revolucionária das relações feudais e de servidão, que seriam substituídas pelas liberdades próprias aos regimes burgueses. ’ (…) O temor de passar as fronteiras da revolução democrática ditava uma política de contemporização, de adaptação e recuo efetivo diante dos conciliadores. ” (2)

No soviete de Petrogrado, em 2 de março, só 19 delegados, dos 400 presentes, votaram contra a transmissão do poder à burguesia. Os bolcheviques buscavam o consenso com mencheviques e socialistas-revolucionários, então majoritários.

Em meados de março, regressando da deportação, Kamenev e Stálin (3) assumem a redação do jornal Pravda (4), aprofundando a linha de apoio ao governo provisório “na medida em que este combate a reação e a contrarrevolução”. Sobre a questão da guerra, a Pravda chega a afirmar, em 15 de março, que: “Nós não adotamos a palavra de ordem inconsistente de ‘Abaixo a guerra! Nossa palavra de ordem é a de exercer uma pressão sobre o governo provisório para o obrigar a … dispor todos os países beligerantes a abrir imediatamente conversações…, mas, até lá, cada um fica no seu posto de combate! ”

Lênin luta para mudar a política do partido.

Em 3 de abril, Lênin, vindo de trem de seu exílio na Suíça, através de território alemão, chega a Petro­grado e inicia a luta para mudar a orientação política dos bolcheviques.

Milhares de manifestantes o esperavam na estação Finlândia, onde recebeu as boas-vindas do menchevique Tchkhedze, em nome do soviete de Petrogrado. Em resposta, Lênin se dirige aos bolcheviques criticando toda a tática anterior do partido.

No dia seguinte, Lênin apresentou à direção bolchevique as suas Teses de Abril (leia trechos abaixo), acolhidas com oposi­ção pela sua maioria, a tal ponto que foram publicadas apenas com o seu nome. Em 8 de abril, a jornal Pravda publica uma crítica aberta às posições de Le­nin que, então, pede uma conferência do partido para discuti-las. A Conferência é realizada as adota no final do mês de abril. Uma decisão que foi essencial para o desenvolvimento do processo revolucionário até a vitória de Outubro.

Julio Turra

Notas

  • (1)Alexandre Chliapnikov (1885-1937): metalúrgico tornou-se bolchevique em 1903. No início de 1917 liderou o Comitê Central em Petrogrado. Foi expulso por Stálin do partido em 1933, exilado, preso e executado em 1937, reabilitado em 1963.
  • (2) em “História da Revolução Russa”, L. Trotsky, tomo 1, “Os bolcheviques e Lenin”
  • (3) Lev Kamenev (1883-1936): membro do POSDR desde 1901, opôs-se à insurreição armada de Outubro de 1917, mas após sua vitória é presidente do Comité Executivo Central de Toda a Rússia; em 1927 é expulso do Partido e em 1936 é executado sob as ordens de Stálin. Joseph Stalin (1879-1953): após a vitória da Revolução em 1917, integra o Soviete dos Comissários do Povo como responsável pelas nacionalidades, em abril de 1922 é eleito Secretário Geral do Partido Comunista.
  • (4) Jornal Pravda (Verdade), em 1917 era o órgão do Comité Central do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), fração bolchevique.

    As Teses de Abril (Lenin)

Publicadas no Jornal Pravda de 7 de abril de 1917, com o nome de “Sobre as Tarefas do Proletariado na Presente Revolução” (trechos):

  1. Na nossa atitude diante da guerra, que por parte da Rússia continua a ser indiscutivelmente uma guerra imperialista, de rapina, também sob o novo governo de Lvov e Cia, em virtude do caráter capitalista deste governo, é intolerável a menor concessão ao «defen­sismo revolucionário». O proletariado consciente só pode dar o seu acordo a uma guerra revolucionária (…) nas seguintes condições:
  2. a) passagem do poder para as mãos do proletariado e dos setores pobres do campesinato que a ele aderem;
  3. b) renúncia de fato, e não em palavras, a todas as anexações;
  4. c) ruptura completa de fato com todos os interesses do capital.
  5. A peculiaridade do momento atual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da revolução, que deu o poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau necessário de consciência e organização, para a sua segunda etapa, que deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do campesinato.
  6. Nenhum apoio ao Governo Provisório, explicar a completa falsidade de todas as suas promessas, sobretudo a da renúncia às anexações. Desmascaramento, em vez da «exigência» inadmissível e semeadora de ilusões de que este governo, governo de capitalistas, deixe de ser imperialista.
  7. Reconhecer o fato de que, na maior parte dos Sovietes de deputados operários, o nosso partido está em minoria (…) diante do bloco de todos os elementos oportunistas pequeno-burgueses, sujeitos à influência da burguesia e que levam a sua influência para o seio do proletariado… Explicar às massas que os Sovietes são a única forma possível de governo revolucionário e que, por isso, enquanto este governo se deixar influenciar pela burguesia, a nossa tarefa só pode ser a de explicar os erros da sua táctica de modo paciente, sistemático, tenaz, e adaptado especialmente às necessidades práticas das massas.
  1. Não uma república parlamentar — regressar dos Sovietes a ela seria um passo atrás – mas sim uma república dos Sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas e camponeses em todo o país…
  2. No programa agrário, transferir o centro de gravidade para os Sovietes de deputados assalariados agrícolas. Confiscação de todas as terras dos latifundiários. Nacionalização de todas as terras do país, dispondo da terra os Sovietes locais de deputados assalariados agrícolas e camponeses…
  3. Fusão imediata de todos os bancos do país num banco nacional único e introdução do controle por parte dos Sovietes.
  4. Não «introdução» do socialismo como nossa tarefa imediata, mas apenas passar imediatamente ao controle da produção social e da distribuição dos produtos por parte dos Sovietes.
  5. Tarefas do partido:
  6. a) congresso imediato do partido;
  7. b) modificação do programa do partido, principalmente: sobre o imperialismo e a guerra imperialista; sobre a posição diante do Estado e a nossa reivindicação de um « Estado-Comuna »; emenda do programa mínimo, já antiquado;
  8. c) mudança de denominação do partido.
  9. Renovação da Internacional. Iniciativa de constituir uma Internacional revolucionária, uma Internacional contra os sociais-chauvinistas e contra o «centro».

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