100 anos da Revolução Russa: Trostsky chega à Russia – parte 4

E vai juntar-se a Lênin no combate por “todo o poder aos sovietes

No artigo anterior desta série, vimos como Lênin, desde a sua chegada à Rússia em 3 de abril de 1917 (1), levou uma dura batalha contra a linha aplicada pela direção dos bolcheviques de apoio ao governo provisório, para ganhar o partido para as suas “Teses de Abril”.

Fato que desmente a lenda, construída dez anos depois com a ascensão de Stálin ao poder absoluto, de que os bolcheviques, de forma infalível, sempre guiaram as massas com a política justa. Nada mais longe da realidade.

Lênin obteve maioria na direção e depois na conferência dos bol­cheviques ajudado pela ação das massas nas “jornadas de abril”: O líder do partido “cadete”(2) e ministro Miliukov, ao final de abril, defendeu publicamente que a Rússia deveria continuar na guerra, inclusive com anexações de territórios “inimigos”.

Uma verdadeira provocação que foi respondida, nos dias 20 e 21 de abril, com enormes manifestações, puxadas por tropas estacionadas em Petrogrado e Moscou e engrossadas por operários, que foram marcadas pelos gritos de “abaixo Miliukov” e até mesmo, por influência bol­chevique, por “abaixo o governo provisório”.

Além de reforçar a linha de Lênin no debate interno em seu partido, as “jornadas de abril” provocaram a crise do primeiro governo provisório, saldada com a saída de Miliukov em 5 de maio e a formação de um novo governo com a entrada em seu seio dos socialistas “conciliadores” (mencheviques e Socialistas revolu­cionários – SR).

O regresso de Trotsky à Rússia

É nesse contexto que Leon Trotsky chega, em 4 de maio, em Petrogrado. O dirigente do primeiro soviete de 1905, depois de uma viagem acidentada desde seu exílio em Nova York, passando por uma detenção no Canadá e pela Escandinávia, vai juntar-se a Lênin na batalha por “todo o poder aos sovietes”.

Os dois homens, entre 1903 e 1912, divergiram muitas vezes. Trotsky ten­tara unificar as frações bolchevique e menchevique, pensando que a unidade do partido era necessária para a unidade da classe operária, enquanto Lênin era intransigente sobre a necessidade de um partido com fronteiras definidas. Mas, desde 1914, reaproximaram-se na luta con­tra a guerra imperialista, denuncian­do a falência da 2ª Internacional e tomando posição por uma nova In­ternacional.

Assim que chega à Rússia, Trotsky faz um discurso de ataque ao governo provisório e por “todo o poder aos sovietes”. Em 7 de maio, numa recep­ção organizada pe­los bolcheviques e a organização interdistritos da qual era membro, Trotsky declara ter rompido com seu sonho de unifica­ção de todos os so­cialistas e que uma nova Internacional só poderia nascer da ruptura com os “conciliadores”. No dia 10, encon­tra-se com Lênin, que se apressa em ganhá-lo e a seus camaradas para o partido bolchevique.

Assim, “o partido de Lênin e Trotsky”, como será conhecido po­pularmente na época, vai concretizar a concepção de um partido operário em que a fração bolchevique vai reagrupar outros revolucionários até então exteriores a ela (além dos ligados a Trotsky, incorporou tam­bém muitos mencheviques interna­cionalistas).

O segundo governo provisório

A entrada dos mencheviques e Socialistas Revolucionários (SR) – que eram maioria nos sovietes – no segundo governo provisório, no qual tinham seis ministros (ao lado de outros dez de partidos burgueses) se deu em 5 de maio. Uma coalizão entre o que restava dos representantes da burguesia e os “conciliadores”, para tentar esvaziar o poder dos sovietes e preservar o estado burguês. Ainda presidido pelo príncipe Lvov, esse governo vai ter em Kerensky (3) sua figura principal, como ministro da Guerra.

A composição do novo governo e seu programa foram aprovados pela maioria do soviete de Petrogrado e, em 11 de maio, Kerensky anuncia uma ofensiva militar no “front”, sob pressão dos países imperialistas aliados.

Os sovietes de soldados se divi­dem, alguns apoiam a continuação da “guerra democrática”, mas mui­tos se recordam da ordem nº 1 do soviete de Petrogrado, adotada em 1º de março, por uma “paz sem anexações”.

Tal tipo de “aliança” antinatural vai se tornar um recurso constante ao longo da história posterior da luta de classes mundial no século 20, sob a etiqueta de “frente popular”(4): onde a revolução ameaça, os imperialismos buscarão dirigentes de formações operárias e populares para fazê-los instrumentos da manutenção de seu poder, para, na sequência, liquidá-los de forma violenta.

Mas, na Rússia de 1917 havia so­vietes e o partido bolchevique, mi­noritário ainda, dirige suas baterias contra os socialistas “conciliadores” exigindo que “rompam com a bur­guesia” e tomem todo o poder para se obter a paz!

Como mencheviques e SR se nega­vam a abandonar o semi-cadáver po­lítico da burguesia e sua intenção de prosseguir na guerra imperialista, os bolcheviques vão aumentando cada vez mais a sua audiência e represen­tação nos sovietes e se colocam em condições de lutar pela sua maioria.

De 4 a 28 de maio realiza-se o primeiro Congresso de sovietes de camponeses. Dos seus mais de mil delegados, 571 se declaram SR e apenas 14 são bolcheviques. Sua reivindicação central é dar a terra aos camponeses, o que implicava expropriar os latifúndios.

O governo provisório prometera a reforma agrária, mas a sua realização era remetida à Assembleia Consti­tuinte que não tinha data marcada. A impaciência e a necessidade empur­raram os camponeses e assalariados rurais a ocuparem propriedades de forma crescente após esse congresso. À luta pela paz, junta-se a luta pela terra e pelo pão!

Julio Turra

Notas

  1. As datas mencionadas são todas do “antigo calendário” vigente então na Rússia, defasado em 13 dias a menos em relação ao calendário atual (assim, 3 de abril equivale a 16 de abril).
  2. Partido constitucional democrático (KD), principal formação burguesa e pró­-guerra imperialista na Rússia.
  3. Alexander Kerensky, deputado “trudo­vique” (trabalhista) na Duma Imperial, foi ministro da Justiça e ministro da Guerra nos governos provisórios, tornando-se seu presidente em julho de 1917.
  4. Política aplicada nos anos 30 do século 20 na França e Espanha, por exemplo, ou no Chile de 1971-73, que Trotsky definiu como “último recurso, ao lado do fascismo, contra o avanço da revolução”.

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