100 anos de Pierre Lambert: um debate com jovens negros no Rio

A explosão popular nos Estados Unidos contra o assassinato de George Floyd em Minneapolis em junho passado e sua onda de choque em vários países, inclusive no Brasil, deixou sua marca na situação mundial.

Uma vez mais se demonstrou que a violência contra a população negra e o racismo fazem parte do funcionamento do sistema capitalista, hoje mergulhado numa crise profunda acentuada pela pandemia da Covid-19.

Desde a sua formação, o sistema capitalista é inseparável da violência racial contra os negros, utilizados como mão de obra escrava na exploração das colônias nas Américas, enquanto o tráfico negreiro contribuía para o processo de acumulação primitiva do capital, que vai desembocar na industrialização em meados do século 18.

No Brasil, a violência policial contra os negros e negras é cotidiana, atingindo em particular a juventude nas favelas e periferias das grandes cidades e, como sabemos, ela não é de hoje.

Uma reunião há 22 anos
Por isso julgamos importante recordar uma reunião realizada em meados de 1998 pelo militante francês e dirigente da 4ª Internacional, Pierre Lambert, falecido em 16 de janeiro de 2008 e cujo centenário de nascimento ocorreu neste ano de 2020 (em 9 de junho), com jovens negros no Rio de Janeiro.

Lambert tinha vindo ao Brasil para participar do congresso da seção brasileira da 4ª Internacional, a corrente O Trabalho do PT, em São Paulo e fez questão de ir ao Rio para essa atividade.

Dentre os jovens negros presentes estava o estudante Anderson Luís Souza Santos, que após a reunião veio a aderir à Juventude Revolução e à corrente O Trabalho. Anderson foi assassinado em São João do Meriti em 10 de abril de 2006, quando era presidente do Sindicato dos Laticínios (Sintrafrio-RJ), crime que não foi punido até hoje, passados 14 anos.

Na discussão com Lambert, Anderson perguntou: “Eu não entendo. Porque os negros do Brasil, dos Estados Unidos, da África, depois de terem sofrido a escravidão, o deslocamento em massa na colonização, ainda estamos nesta situação? Estaríamos condenados à maldição só porque somos negros? ”.

Uma questão a qual permitiu todo um debate sobre a opressão racial que é intrínseca ao capitalismo e desdobrou-se em propostas práticas por parte de Lambert: que os jovens ali presentes organizassem um comitê para participar com testemunhos da situação dos negros no Brasil no Tribunal de julgamento dos crimes do imperialismo na África, iniciativa desenvolvida pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores e Povos naquele continente.

O comitê foi montado, os testemunhos foram enviados ao Tribunal e, dois anos depois, Anderson estava na delegação da Baixada Fluminense ao Encontro Internacional de Jovens pela Revolução, realizado em Ribeirão Pires (SP) no ano 2000.

Uma delegação representativa da luta pelo passe-livre, vitoriosa em São João do Meriti, e também da atividade do comitê África. Na ocasião, Anderson dirigiu-se aos participantes explicando que só com o fim do Imperialismo se poderia acabar com o racismo, apoiando-se no que escreveram militantes negros que admirava, como Malcolm X e Mumia Abu-Jamal.

Esse engajamento na luta contra a opressão e a violência racial contra o povo negro de Anderson Luís combinou-se com a sua participação no movimento sindical. Operário na Nestlé, ele ajudou a organizar a comissão de fábrica na luta contra o Banco de Horas e depois foi eleito para a diretoria do Sintrafrio, que viria a presidir no momento em que foi assassinado por disparos desferidos de um carro enquanto esperava o ônibus para ir ao trabalho.

Crimes contra negros e negras seguem impunes
Apesar de intensa campanha nacional e internacional pela apuração dos responsáveis pelo assassinato de Anderson que durou quatro anos, com delegações ao então governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e ao ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, pedindo a federalização da investigação diante do “corpo mole” da polícia estadual (cujo chefe recusou a ajuda federal), a responsabilidade por esse crime, até hoje, não foi apurada.

Anderson tinha apenas 31 anos quando foi baleado. Mais um jovem negro eliminado sem que os responsáveis tenham sido punidos. Talvez se o fossem, não teriam ocorrido outros assassinatos, como o da vereadora Marielle Franco (PSOL), que passados mais de dois anos também não está esclarecido.

Hoje, com a pandemia atingindo de forma mais aguda os setores populares mais pobres e discriminados socialmente, como a maioria negra, se verifica um aumento da violência policial contra os mesmos, sem qualquer punição aos responsáveis por agressões e assassinatos. O combate à opressão racial ao povo negro é, no fim das contas, inseparável do combate contra o capitalismo, que a criou.

Lauro Fagundes

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