100 anos da Revolução Russa – parte 6: as “jornadas de julho”

Tentativa de insurreição precipitada leva Kerensky à cabeça de governo da contra-revolução

Em 2 de julho (1), o ministro da Guerra do governo provisório, Kerensky, anuncia oficialmente o fracasso da ofensiva militar. Como vimos anteriormente, ela foi inviabilizada pela recusa dos soldados, apoiados pelo povo, de partir para o “front”. No mesmo dia, os quatro ministros cadetes (2) se demitem do governo, alegando falta de firmeza de Kerensky.

Em 3 de julho, o 1º regimento de metralhadoras, baseado no bairro operário de Vyborg, desfila armado com uma grande faixa estampando “Todo o poder aos sovietes”. Milhares de operários se juntam aos soldados e nova manifestação é convocada para o dia seguinte.

Os bolcheviques, que não haviam convocado tal manifestação, reúnem-se em conferência no mesmo dia 3. A posição de Lenin é que era prematura a tomada do poder, pois a influência dos bolcheviques, forte em Petrogrado e Moscou, devia ainda estender-se a todo o país. Muitos operários bolcheviques não compreendem e pensam que a direção hesita. Alguns chegam a sair do partido e juntar-se aos anarquistas.

A manifestação dirige-se ao Palácio Táuride, sede do soviete central. Trotsky vai a ela e fala aos manifestantes que o aclamam. A exigência de “Todo o poder aos sovietes” domina a multidão e uma delegação é nomeada para levá-la à direção do soviete.

Em 4 de julho, os marinheiros de Kronstadt (3) marcham por Petrogrado em direção ao palácio Táuride, acompanhados por colunas de operários. Mas, ao contrário do dia anterior, em que não houve confrontos, a manifestação é dissolvida numa grande confusão. O governo provisório envia tropas de cossacos que atiram contra os manifestantes. O balanço é de 40 mortos e mais de 100 feridos.

Em 5 de julho, a conferência dos bolcheviques decide usar a influência do partido para colocar um freio à insurreição em curso. Trotsky, tal como Lenin, insiste que se o poder fosse tomado, deveria o ser em nome dos sovietes, mas que isso ainda não era possível, pois seus dirigentes conciliadores não queriam exercê-lo.

No mesmo dia 5, milhares de operários de Petrogrado, dentre eles muitos bolcheviques, prosseguem as manifestações armadas junto com unidades sublevadas do Exército. A influência dos militantes mais só­lidos evitou o pior e permitiu uma retirada organizada.

Os dias 3, 4 e 5 (as “jornadas de julho”) deixam lições importantes. As manifestações começam contra a opinião da direção bolchevique, mas o partido orienta seus militantes a nelas participar, tanto para não abandonar operários e soldados à sua própria sorte, como para tentar freá-las e protegê-las do esmagamento.

Repressão aos bolcheviques

A violenta repressão de 4 de julho, levou Kerensky a tentar liquidar os bolcheviques. Uma violenta campanha de calúnias havia sido lançada desde o governo e meios contra-revolucionários: Lenin seria um agente da Alemanha, que teria financiado o seu retorno à Rússia em abril, e com ele todos os bolcheviques eram “agentes do inimigo”.

Uma provocação grosseira, mas que semeou dúvidas e desmoralização junto a operários e soldados. Em poucos dias os efetivos do partido bolchevique diminuíram e até mesmo, quando citado em algum comício, o nome de Lenin é vaiado.

Os locais dos bolcheviques são invadidos e saqueados, sua imprensa é proibida, as prisões se sucedem, como as de Trotsky e Kamenev (Le­nin havia se refugiado na Finlândia) e outros 150 quadros. Mas os bolcheviques estavam preparados, tinham locais clandestinos e a “Pravda” foi substituída por folhetos e depois por outro jornal “legal”. Muitos militantes passam à clandestinidade e utilizam as redes ilegais do partido preservadas desde fevereiro. Duramente golpeado, o partido prossegue sua atividade.

A repressão golpeia também os regimentos militares, com os oficiais levantando a cabeça e desafiando as decisões dos sovietes de soldados.

24 de julho: Kerensky à cabeça do governo

Em meados de julho, Kerensky provoca uma crise no governo provisório, apoiando-se na demissão dos quatro ministros burgueses. Ele quer reforçar o regime e manter a Rússia na guerra imperialista. Para tanto precisa do apoio dos socialistas conciliadores (mencheviques e socialistas revolucionários-SR).

No novo governo, que assume em 24 de julho, os “socialistas” são majoritários, com o menchevique Tseretelli como ministro do Interior (segurança do Estado). Kerensky é o presidente e acumula também o ministério da Guerra. Antes mesmo de sua formação, duas decisões do governo anterior já mostravam o caminho a ser seguido: em 12 de julho foi restabelecida a pena de morte no Exército e Marinha, no dia 18 foi nomeado o general monarquista Kornilov, que já havia proposto seus serviços em fevereiro e abril para esmagar a revolução, como chefe das forças armadas.

Assim, o novo governo provisório é organizado como instrumento da contra-revolução. Kerensky empurra o mais à direita possível esse governo, mas o movimento das massas se orienta para a esquerda.

Não só para os operários e soldados mais avançados, mas para as amplas massas do povo russo, fica claro que as reivindicações de “Paz, Terra e Pão” não serão atendidas por esse governo, que será preciso transferir todo o poder aos sovietes.

É exatamente o que dizem os bol­cheviques em toda a parte. Quatro meses depois da derrota das “jor­nadas de julho” virá a vitória de Outubro.

Notas:

  1. Esta parte 6 da série sobre a Revolução Russa está baseada na compilação feita por Serge Sebban e François Péricard para o jornal “Informations Ouvrières” n° 460. As datas são todas do “antigo calendário” da Rússia, defasado em 13 dias a menos em relação ao calendário atual.
  2. Cadetes, abreviação de Partido Cons­titucional Democrático (KD), principal formação burguesa na coalizão.
  3. Kronstad, fortaleza da marinha russa na ilha do mesmo nome no Mar Báltico, seus marinheiros eram muito populares entre os operários por suas posições destemidas.

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