A LIT 30 anos depois: qual é o verdadeiro conteúdo de sua política?

Artigo publicado na revista A Verdade – órgão teórico da 4ª. Internacional nº 77-78 – edição em português – setembro 2013.

Apresentação

A corrente morenista LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores) é uma das correntes originadas da crise da 4a Internacional de 1952-1953. Seu dirigente histórico foi o argentino Nahuel Moreno, até sua morte, em 1987. A LIT tem alguma presença em países da América Latina, sobretudo no Brasil, e uma influência muito limitada ou nula em outros continentes.

A LIT dedicou 2012 ao seu 30º aniversário. Textos e depoimentos apresentam-na como o último baluarte da “moral revolucionária” e do “trotsquismo ortodoxo”. Correspondem essas afirmações à realidade? Para responder a essa questão, o leitor encontrará neste artigo elementos de informação e de reflexão.

Para deixar claro o que está em jogo, acrescentamos ao texto original, escrito em janeiro de 2013, indicações sobre a disposição das forças políticas em relação às eleições de 14 de abril na Venezuela.

Está claro para todo mundo – e não apenas para os militantes operários – que o imperialismo estadunidense tentou utilizar a morte de Hugo Chávez, ocorrida em 5 de março de 2013, para desestabilizar a Venezuela.

Um cenário foi montado peça por peça para denunciar uma inexistente fraude. E desde que o voto popular de 14 de abril deu a vitória legítima e legal a Nicolas Maduro – o candidato do chavismo – por 50,75% de votos, contra 48,98% para Capriles, o lacaio do imperialismo, a operação de desestabilização foi desencadeada.

Num artigo de 19 de abril a LIT escreve:
“Capriles não reconhece os resultados anunciados oficialmente e exige a recontagem dos votos, pois esgrime mais de 3 mil acusações de irregularidades. Num primeiro momento, o líder opositor convocou uma manifestação diante do Conselho Nacional Eleitoral e, a partir daí, ocorreram uma série de protestos, alguns dos quais radicalizados e que chegaram a atacar sedes do PSVU (partido de Chávez, NdT), mercales (centros públicos de venda de alimentos a baixo preço), CDIs (centros de saúde públicos), inclusive habitações populares. Todas essas são conquistas dos trabalhadores e foram defendidas por setores populares (…). Maduro reprimiu alguns protestos que questionavam a legitimidade do resultado eleitoral. Até agora, essa crise já provocou oito mortes, 61 feridos e 250 prisões.”

A LIT dá a palavra a Capriles para falar de irregularidades, e esconde o fato de que ele não apresentou nenhuma prova, nem realizou qualquer contestação legal para as autoridades. A organização admite que os trabalhadores defenderam os estabelecimentos oficiais atacados pelos bandos de Capriles. Mas daí a LIT tira como conclusão que se tratou de uma “crise que provocou 8 mortes”. Uma “crise”, sem dizer que os mortos são pessoas do povo massacradas pelos bandos que Capriles jogou na rua para “liberar a raiva”, a pretexto do não-reconhecimento dos resultados.

Em seguida, a LIT dá seu aval a Capriles, afirmando que “o que se passa na Venezuela é a mobilização de um setor da população que exige a recontagem dos votos, pois existem acusações de irregularidades que poderiam constituir uma fraude eleitoral”. E conclui:
“Para cortar o caminho à frágil direita, é preciso exigir do governo que aceite a recontagem dos votos”.

Deixemos de lado, entre outras coisas, que Capriles não apresentou nenhuma demanda de recontagem! Observemos, simplesmente, a perfeita similaridade entre a posição da LIT e as declarações de Roberta Jacobson, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que, em 25 de março, pedia “eleições abertas, justas e transparentes”. Ou com a malta de políticos latino-americanos submetidos ao capital financeiro (tipo Vicente Fox e Fernando de la Rúa) que se pronunciavam por um processo “transparente, livre e justo”.

Ou com as do próprio Capriles, que fez das acusações antecipadas de “fraude” – sempre repercutidas amplamente pela imprensa pró imperialista – o eixo de sua campanha. Ou ainda com as de Barack Obama, que denunciou a existência de “informes que provam que a Venezuela não observa os princípios da democracia, da liberdade de imprensa e de reunião”.

É espantoso, para dizer o mínimo, que a LIT seja capaz de fazer “frente única” com Capriles-Obama para “exigir a recontagem de votos”. Isto nada tem a ver com a 4a Internacional que – independentemente de sua caracterização do chavismo – defende incondicionalmente a soberania do povo venezuelano contra qualquer ingerência imperialista, o que implica, hoje, no reconhecimento dos resultados proclamados pelo Conselho Nacional Eleitoral.

Mas, por incrível que possa parecer para uma corrente que se diz trotsquista e revolucionária, a posição da LIT sobre a Venezuela não é um caso isolado. Ela faz parte de um todo coerente que trataremos neste artigo e que remonta aos fatos ligados à origem da LIT, no fim da década de 1970 (1).

Pode parecer estranho voltar mais de 30 anos. Mas não se trata de história, e sim de travar um combate político em defesa da política da frente única e da democracia operária nas fileiras da 4a Internacional, como o leitor poderá verificar.

Uma unificação brutalmente interrompida

Em novembro de 1979, a partir da defesa da Revolução Nicaraguense e contra a repressão à Brigada Simon Bolívar, iniciou-se um processo de unificação entre o Comitê pela Reconstrução da 4ª Internacional (Corqui) e tendências internas do Secretariado Unificado (a Fração Bolchevique – do dirigente argentino Nahuel Moreno – e a TLT, Tendência Lênin-Trotsky), criando-se um Comitê Paritário (2).

Em dezembro de 1980, as organizações do Comitê Paritário reuniram-se numa Conferência Mundial, com mais de 150 delegados de 40 países. Foram aprovadas as “Teses pela Reorganização (Reconstrução) da 4ª Internacional” e constituída a 4ª Internacional-Centro Internacional (QI-CI), elegendo-se um Conselho Geral, com uma executiva integrada por Moreno e sediada em Paris.

Em 17 e 18 de maio de 1981, o Comitê Central da seção francesa, a Organização Comunista Internacionalista-unificada (OCI-u), adotou uma resolução desenvolvendo largamente sua política face ao futuro governo Miterrand. Seu primeiro ponto se intitulava “Combater as ilusões no terreno das ilusões” (3):
“Será indispensável que a política revolucionária seja conduzida com base no princípio ‘Combater as ilusões no terreno das ilusões’. Não pode haver dúvidas de que o governo Miterrand será um governo de colaboração de classes e será considerado pelas massas, durante um período, como o ‘seu’ governo. Será somente e antes de tudo com base em sua experiência prática que os trabalhadores e os jovens tirarão as consequências da política de colaboração de classes. Nós devemos, a cada passo, mostrar praticamente a ligação que existe entre a política de colaboração de classes e a ausência de medidas realmente anticapitalistas, indispensáveis para combater o desemprego e a deterioração das condições de vida, de trabalho e de estudo. ”

E a resolução alertava contra “uma aplicação de nossa política que seja, ao mesmo tempo, dogmática e sectária, o que, ademais, sempre se combina com um fundo oportunista”.

De 23 a 29 de maio de 1981, dispondo dessa resolução, o Conselho Geral reuniu-se, presidido em boa parte por Moreno. Entre as decisões, há uma resolução sobre a França. Moreno vota a favor dessa resolução e, ao fazer o balanço da reunião, escreve:
“Começarei por ressaltar o caso da OCI-u como partido fundamental para toda a Internacional, porque é na França que podemos, sem dúvida, alcançar os maiores sucessos, em virtude da combinação de fatores subjetivos e objetivos. ”

No início de junho de 1981, Moreno deixa Paris, pouco antes da conclusão do processo eleitoral (ocorrido no dia 21), que resulta na formação do governo PC-PS, governo de Frente Popular. Em 13 de julho, numa carta privada, Moreno sinaliza uma “impressão” negativa sobre a política da OCI-u em relação ao governo. Mas alguns dias depois, naquela que será sua última reunião com membros do Comitê Executivo – reunião realizada na América Latina – ele propõe que não seja discutido o ponto previsto sobre a França.

Por cartas de 4 e 12 de agosto, Moreno recebe o Projeto de Informe ao 26° Congresso da OCI-u, submetido ao Comitê Central marcado para 22 a 24 de agosto. Moreno declina do convite para participar dessa reunião. Outros dois dirigentes “morenistas”, membros da Executiva, também convidados, justificam a ausência por motivo de férias. O único “morenista” que participa é Roberto Ramirez, mas sem intervir. O Projeto de Informe ao 26º Congresso da OCI-u é adotado e remetido à Internacional.

Em fins de setembro, sem nenhum aviso prévio, Moreno envia a Paris as mais de cem páginas datilografadas do texto “O governo Miterrand, suas perspectivas e nossa política”, para publicação no jornal da QI-CI, Correspondência Internacional, nº 13, que estava praticamente fechado e teve de ser inteiramente refeito. Nesse texto, Moreno fazia virulentos ataques à OCI-u, acusada de “capitulação diante do governo de frente popular de François Miterrand”, mas ainda não tinha enveredado pela calúnia e falsificação, o que iria ocorrer numa carta recebida em 17 de outubro pelo POSI – Partido Operário Socialista Internacionalista, seção francesa da 4ª Internacional – QI-CI).

Daí em diante, Moreno e os demais recusaram terminantemente a discussão nas instâncias da QI-CI. Rejeitaram a convocação do Conselho Geral para organizar a discussão e também os reiterados convites – formulados a Moreno e a todas as seções da Internacional – para participar com plenos direitos do 26º Congresso da OCI-u, em dezembro de 1981. A LIT é fundada um mês depois, em janeiro de 1982 (4).

“Impedir o debate” ou “começar uma discussão”?

No site LIT-30 anos, um dos fundadores da LIT diz candidamente:
“O Corqui capitulava ao governo de frente popular. (…) quando se quis realizar o debate, (…) o Corqui negou que a direção do que depois se tornou a LIT, em particular Moreno, pudesse participar das discussões e fazer a discussão com a base da organização que acabávamos de fundar. Este foi o motivo central da ruptura. Não foi a discussão politica, que não chegou a se realizar, mas foi impedir o debate democrático no interior da organização” (5).

“Impedir o debate democrático”. Acusação grave, mas totalmente caluniosa quando confrontada aos fatos relembrados acima. Não poderia ser acusada de “impedir a discussão” a OCI-u, que assegurou a publicação do longo artigo de Moreno na edição nº 13 do jornal Correspondência Internacional, amplamente divulgado para toda a internacional.

Há mais, porém. Há um documento de outro morenista, também fundador da LIT, que desmascara a calúnia requentada 30 anos depois. Como responsável do jornal Correspondência Internacional, Roberto Ramirez (o mesmo que participou do CC da OCI-u de 23 de agosto sem tomar a palavra) assina a seguinte nota, publicada na página 2 da edição de número 13, de outubro de 1981:
“Um debate aberto (…) O problema da estratégia e da tática que devemos adotar face ao governo de frente popular instalado este ano na França constitui uma das questões políticas mais importantes às quais estamos confrontados.

Neste número de Correspondência Internacional começa uma discussão com a publicação de dois textos. O primeiro foi redigido pelo camarada Miguel Capa [pseudônimo de Moreno, NdR] e se intitula ‘O governo Miterrand, suas perspectivas e nossa política’. O segundo é uma resposta do camarada François Forgue.

Somente a “moral” da LIT é capaz de explicar que há um “debate aberto, começa uma discussão” e, ao mesmo tempo, se “impede a discussão democrática”. Com a mesma “moral”, a LIT recomenda a leitura do texto de Moreno (Miguel Capa), mas esconde cuidadosamente onde ele foi publicado e a resposta que recebeu.

Moreno nega o que havia escrito e aprovado nas Teses

Para justificar a cisão, Moreno substitui as definições e caracterizações precisas dos governos de frente popular por confusas generalidades. A serviço de quê? Da completa negação da tática da frente única, que é, justamente, a política preconizada por Trotksy para combater a frente popular, desenvolvendo a exigência que os partidos de base operária “rompam com a burguesia” (6).

É na “Carta ao Comitê Central do POSI” que Moreno leva mais longe uma linha de ruptura com o trotsquismo:
“Quando aparece um governo de frente popular, a tática da frente única operária termina, e é por isso que Trotsky a chama de tática, porque ela não se aplica a todos os momentos do movimento operário. Por exemplo, quando surge uma etapa superior da luta de classes, em que os partidos operários entram no governo, essa tática termina. A tática, então, é o enfrentamento total contra esses partidos, em todos os sindicatos, porque eles são os porta-bandeiras e os defensores diretos da burguesia. Se não for assim (…), quando Lênin avançou a frente única como linha geral, durante o ano de 1917? Quando a 4ª Internacional avançou a frente única em momentos nos quais os partidos operários traidores, agentes do capitalismo, estão no governo? E quando Trotsky avançou a frente única com os partidos operários traidores que formavam parte de um governo contrarrevolucionário?”

E, ainda:
“O que a burguesia fará com esse governo é apenas um elemento dessa análise, mas o elemento essencial é a denúncia desse governo e dos partidos operários que o compõem como contrarrevolucionários”.

Moreno ignora que, em 1917, a frente única foi, do início ao fim, a tática de Lênin para fazer o enfrentamento com o governo que mencheviques e socialistas-revolucionários formaram com a burguesia? E que, para Lênin, o principal, o que vinha “antes de tudo”, era a luta contra a guerra, a ruptura com o “defensismo revolucionário” (argumento dos mencheviques e socialistas-revolucionários para justificar a continuação da guerra, que, na verdade, era a defesa da “pátria” em aliança com a burguesia russa e os imperialismos opostos ao da Alemanha).

E por que era o principal? Porque a paz correspondia aos interesses das massas e sua unidade contra a burguesia. A guerra era a ruína das amplas massas e fonte de lucro para a burguesia. Foi para impor a paz que operários e camponeses fizeram a Revolução de Fevereiro e derrubaram o czarismo. A continuação da guerra era o ponto que ligava a burguesia aos mencheviques e socialistas-revolucionários, nos quais a maioria dos operários depositava sua confiança. Assim, a exigência de “ruptura com a burguesia” se materializava, em primeiro lugar, na luta contra a guerra. Longe de ser mero “instrumento de denúncia”, a palavra de ordem de “paz” (ao lado de “pão” e “terra”) era uma alavanca para o partido impulsionar a mobilização das massas, para arrancá-las da influência dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, para ganhar a maioria, reunindo as condições para a conquista do poder pela classe operária.

A simples leitura do Programa de Transição, programa da 4ª Internacional, responde à “indagação” de Moreno:
“De abril a setembro de 1917, os bolcheviques reclamaram dos socialistas revolucionários e dos mencheviques que rompessem com a burguesia liberal e tomassem o poder em suas próprias mãos. Com essa condição, os bolcheviques ofereciam aos mencheviques e aos socialistas-revolucionários, representantes pequenos burgueses dos operários e dos camponeses, a sua ajuda revolucionária contra a burguesia. Eles se recusaram categoricamente, entretanto, tanto a entrar no governo dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários como a carregar a responsabilidade política por sua atividade. Se os mencheviques e socialistas-revolucionários tivessem realmente rompido com os cadetes (liberais) e com o imperialismo estrangeiro, o ‘governo operário e camponês’ criado por eles só teria feito acelerar e facilitar a instauração da ditadura do proletariado. ”

O artigo de Moreno “esquece” o que dizem sobre 1917 as Teses que ele mesmo havia escrito e votado em comum pouco antes. A tese XXXV lembra que a política de frente única foi o que permitiu derrotar o golpe de estado que o general Kornilov tentou aplicar no governo de Kerenski, governo burguês, pró-imperialista, formado pela burguesia e pelos “representantes pequeno-burgueses dos operários e camponeses” (Trotsky). Se, naquele momento, os bolcheviques tivessem deixado esse governo entregue à própria sorte (“O que a burguesia fará com esse governo é apenas um elemento” não essencial” – diria Moreno), Kornilov teria liquidado a Revolução e imposto um regime de terror contra as massas.

Sectarismo e oportunismo: o stalinismo na década de 1930

Na Alemanha, a socialdemocracia (SPD) estava no governo, preservando a legalidade burguesa, e o fascismo se desenvolvia. Seguindo a política do “terceiro período” (7), o stalinismo inventou o “social-fascismo” e denunciava com extraordinária violência verbal o SPD como a “ala moderada do fascismo” e o inimigo principal. Dizia que, “se derrubar a socialdemocracia e tomar o poder, o fascismo vai durar pouco e logo chegará a vez dos comunistas”.

Trotsky, ao contrário, combateu encarniçadamente pela frente única do Partido Comunista com a socialdemocracia contra o fascismo, para suprimir o obstáculo representado pela socialdemocracia e abrir caminho para a tomada do poder pela classe operária:

“A política de frente única dos operários contra o fascismo decorre de toda a situação. (…) A radicalização das massas atuará sobre os operários socialdemocratas muito antes de eles deixarem de ser socialdemocratas. Será preciso, inevitavelmente, realizarmos acordos contra o fascismo com as diversas organizações e frações socialdemocratas, apresentando, diante das massas, condições precisas aos seus dirigentes” (Carta a operário comunista alemão do PCA).

“O Partido Comunista deve chamar à defesa das posições materiais e intelectuais que a classe operária já conquistou no Estado alemão. É a sorte de suas organizações políticas e sindicais, seus jornais e gráficas, seus clubes e bibliotecas, o que está em jogo. O operário comunista deve dizer ao operário socialdemocrata: ‘A política de nossos partidos é inconciliável; mas, se os fascistas vêm esta noite destruir a sede de sua organização, eu virei em sua ajuda com armas na mão. Você me promete, no caso de o mesmo perigo ameaçar a minha organização, vir em minha ajuda? ’” (A Virada da Internacional Comunista e a Situação na Alemanha).

Na história contada pela LIT, essa fase crucial é objeto das seguintes três linhas:
A 3a Internacional tornou-se um aparato a serviço da burocracia stalinista e da coexistência pacífica com a burguesia e o imperialismo. Essa política levou à derrota do proletariado alemão e à ascensão de Hitler ao poder.”

Sumariamente, a LIT esconde que a derrota do proletariado alemão resultou da criminosa política esquerdista e ultra-sectária do stalinismo, que negou a luta pela frente única operária (PC-PS) contra o nazismo e centrou sua atividade na aniquilação da socialdemocracia, dividindo a classe operária e permitindo a vitória de Hitler sem combate, em janeiro de 1933 e o esmagamento do PC, do SPD e dos sindicatos operários, no que Trotsky chamou de “a tragédia do proletariado alemão”.

Dessa derrota de alcance histórico, assistida sem reação pelos demais partidos comunistas, Trotsky concluiu que a 3a Internacional era irrecuperável para a revolução, e inicia a luta pela construção da nova Internacional. Negar a política de frente única não é negar, na origem, a luta pela 4a Internacional? (8).

É notável a semelhança entre a política do stalinismo nesse período e a atual orientação sectária das organizações da LIT em relação, por exemplo, a Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia e ao PT no Brasil (9).

Surgem as “frentes populares”

Em fevereiro de 1934, na França, diante de uma tentativa de levante fascista, o Partido Socialista e o Par-tido Comunista convocaram manifestações, mas em separado. Os trabalhadores tiravam as lições da recente derrota da Alemanha e impuseram aos dirigentes a realização de manifestações unitárias. A partir daí, foi assinado um pacto de unidade de ação PC/PS. Mas a direção do PC francês reagiu e manobrou com a aspiração pela unidade. Passou a dizer que, para vencer o fascismo, era preciso estender a unidade aos partidos da burguesia, no caso, o Partido Radical (representante do capital financeiro francês). Assim, depois de negar a frente única pela “esquerda”, com o argumento do “social-fascismo”, o stalinismo a negava pela “direita”, com as “frentes populares” (10).

Em 1936, foi eleito na França o governo de Frente Popular de Léon Blum. Ele irá desarmar a ofensiva revolucionária das massas e permitir à burguesia realizar uma contraofensiva. Situação semelhante ocorreu na Espanha, a partir do mesmo ano. Nos dois casos, a batalha tenaz de Trotsky está eixada na luta pela frente única, endereçando aos partidos socialdemocratas, stalinistas e centristas a exigência da “ruptura com a burguesia”. Contra a “teoria” de que os operários precisavam da “Frente Popular” (aliança com a burguesia) para “defender a democracia”, Trotsky afirma: “Nós podemos e devemos defender a democracia burguesa, mas não com os métodos da democracia burguesa, senão com os métodos da luta de classes, métodos que preparam a substituição da democracia burguesa pela ditadura do proletariado”.

Frente única para defender a URSS contra o imperialismo

A vitória do fascismo na Alemanha e na Espanha, ao lado da contenção contrarrevolucionária realizada pela Frente Popular na França, leva o mundo à 2ª Guerra Mundial. O estado operário governado e degenerado pelo stalinismo vai ser atacado. Nessas circunstâncias, como pensa Moreno, “a tática de frente única termina”? Não para a 4ª Internacional, que defende incondicionalmente a URSS:
“Se Hitler lançar amanhã seus exércitos ao assalto do Leste, a fim de restabelecer ‘a ordem’ na Europa Oriental, os trabalhadores de vanguarda defenderão contra Hitler essas novas formas de propriedade estabelecidas pela burocracia bonapartista” (A URSS na Guerra, 25/9/1939).

E novamente: “O que significa a expressão ‘defesa incondicional da URSS’? Significa que não colocamos nenhuma condição à burocracia. Significa que, independentemente dos motivos e causas da guerra, defendemos as bases sociais da URSS, se e quando estiverem ameaçadas pelo imperialismo” (Ainda Uma Vez Sobre a Natureza da URSS, 18/10/1939).

E mais uma vez: “Quaisquer que sejam os crimes de Stalin, não podemos permitir ao imperialismo mundial que esmague a URSS, que restabeleça o capitalismo, que transforme o país da Revolução de Outubro em colônia. Este é o fundamento de nossa defesa da URSS” (Trotsky, Balanço da Experiência Finlandesa, 25/4/1940).

Por que, apesar dos crimes da burocracia, Trotsky não hesitava em defender a URSS contra o imperialismo alemão? Novamente, porque se tratava do interesse das amplas massas, e não de uma disputa entre a burocracia stalinista e o imperialismo alemão. Tratava-se da luta de classes, entre a burguesia imperialista e o proletariado, pelas relações sociais construídas pela Revolução de Outubro, e que era uma questão de vida ou morte para milhões de trabalhadores soviéticos. Impedir que o imperialismo destruísse essas relações era uma condição para, mais à frente, suplantar a burocracia.

Para Trotsky, a defesa dessas “novas formas de propriedade estabelecidas pela burocracia bonapartista” não diminuiu em nada o combate a essa mesma burocracia.

E o que diz a LIT? Afirma que “após a guerra, uma onda revolucionária se espalhou por todo o mundo. Novos Estados operários surgiram no Leste da Europa e na Ásia, (…) a derrota do nazi-fascismo pelas mãos da URSS acabou fortalecendo o stalinismo, que acabou dirigindo a maior parte deste processo”.

A LIT transforma o stalinismo em “dirigente da maior parte do processo revolucionário” do fim da guerra, e não mais no principal freio contrarrevolucionário. Apaga o fato de o stalinismo ter tentado reerguer, sem sucesso, os estados burgueses destruídos com a derrota do nazismo no Leste Europeu. E, diante dos processos revolucionários que se abriram, ter imposto, pela presença do Exército Vermelho, o bloqueio da auto-organização das massas, o que levou à constituição de estados operários que já nasceram burocratizados – seria esse apenas um detalhe, dispensável para os redatores da LIT? E a “derrota do nazismo pelas mãos da URSS”? A LIT coloca no mesmo plano a burocracia stalinista, sua política desastrosa, inclusive no terreno militar, e o sacrifício de milhões de camponeses, operários, jovens, que venceram o nazismo apesar da burocracia.

A burocracia stalinista dirigindo… uma revolução!

A LIT prossegue: “Entre 1989 e 1991, [nos] grandes processos revolucionários que acabaram com os regimes totalitários da URSS e do Leste Europeu, (…) a ausência de uma alternativa de direção revolucionária possibilitou que estas revoluções fossem dirigidas por setores da própria burocracia”. Setores da burocracia stalinista, sem romper com o stalinismo, dirigindo uma revolução para acabar com.…“regimes totalitários da URSS e do Leste”! É a negação completa do combate da 4a Internacional pela revolução política, que parte da defesa da propriedade social, contra a burocracia, nos países nos quais o capitalismo havia sido expropriado.

E, mais, “amplos setores da vanguarda mundial veem a restauração [capitalista] como fruto da luta das massas”. No interior do movimento operário, é típico do stalinismo, e depois do pablismo, atribuir às massas a responsabilidade pelo atraso da revolução. A LIT, nos seus 30 anos, ignora a caracterização de Trotsky de que a burocracia soviética era restauracionista? Ignora o prognóstico alternativo do Programa de Transição: “Ou a burocracia, tornando-se cada vez mais o órgão da burguesia mundial no Estado operário, derrubará as novas formas de propriedade e lançará o país de volta ao capitalismo, ou a classe operária destruirá a burocracia e abrirá uma saída em direção ao socialismo”?

Ou seria essa uma das “lacunas dos prognósticos de Trotsky”, que, logo após a queda da URSS, em 1991, a LIT anunciava sem demonstrar?

“Restauração capitalista”! Então a alternativa deixou de ser “socialismo ou barbárie”? Longe de significar um novo desenvolvimento de forças produtivas, o desabamento da URSS viu os clãs da nomenclatura soviética decomporem-se em grupos mafiosos e disputarem o controle do desmantelamento da propriedade social, como afirmava um artigo de “A Verdade” nº 3 (dezembro de 1991):
“O caráter burguês da burocracia se manifesta hoje de forma quase caricatural na maneira como tenta voltar ao leito da burguesia mundial. A burocracia em decomposição não passa de uma camada auxiliar do imperialismo mundial, sem nenhuma natureza nacional, uma casta de agiotas, de atravessadores e de mafiosos, dispostos a se vender e a vender a propriedade do Estado ao melhor lance, mesmo aos que não oferecem nada por ela”.

Mas, para a LIT, está harmoniosamente concluída a “restauração do capitalismo nos países do Leste Europeu” [e também na China e em Cuba] (11).

Onde chegou e aonde vai a LIT

A recusa da frente única tem como consequência, para a LIT, a assimilação da ideia inculcada pelo stalinismo segundo a qual são admissíveis alianças com o imperialismo “democrático” (hoje seria “humanitário”) para combater um governo fascista (ou “ditatorial” ou “tirânico” ou, ainda, “totalitário”).

Na década de 1990, a LIT acompanhou a Otan (aliança militar imperialista, NdE) na defesa do envio de armas para a Bósnia-Herzegovina e, depois, para o grupo mafioso Exército de Libertação do Kosovo, no quadro da política do imperialismo de desagregar a ex-Iugoslávia (12).

A respeito da Líbia, a LIT qualifica a morte de Kadafi – por meio de “aviões franceses da Otan e de drones estadunidenses que não sabiam que o ditador estava lá” (sic!) – de “enorme vitória política e militar das massas líbias e um triunfo democrático que reforça e aprofunda todo o processo revolucionário árabe”.

Em relação à Síria, a LIT reconhece abertamente que “a principal direção da oposição a Assad é o Conselho Nacional Sírio (CNS), [e] a direção do ESL (Exército da Síria Livre). Ambos são pró-imperialistas: clamam por uma intervenção armada do imperialismo. ”

Mas não tem nenhum escrúpulo em concluir que “estamos pela mais ampla unidade de ação militar com todos os setores que estão lutando concretamente contra a ditadura síria, inclusive com os pró-imperialistas do CNS e do comando do ESL”.
Afirmação espantosa! O primeiro ato do combate contra o capitalismo é o combate contra o imperialismo. Mas a LIT afirma que o CNS e o ESL são “ambos pró-imperialistas”… para, imediatamente depois, concluir que é legítimo realizar alianças com os “pró-imperialistas”. Difícil de acreditar que tal afirmação tenha sido escrita por uma corrente que se apresenta como revolucionária, que pretende ser a “vanguarda que vai varrer o capitalismo”.

Aferrada ao conceito de “revolução democrática” (“árabe”), a LIT abandona o terreno da defesa das organizações construídas pela classe operária. Como pode ignorar que, na Tunísia, não existiu nenhuma “ampla unidade” com setores pró-imperialistas, mas, ao contrário, foi a classe operária que ocupou o lugar central numa verdadeira revolução, pois reapropriou-se de sua organização sindical, a UGTT (União Geral Tunisiana do Trabalho)? E que, no Egito, foi a mobilização revolucionária das massas que derrubou Mubarak?

Tanto na Tunísia quanto no Egito, a solução “democrática” encontrada pelo imperialismo para conter a revolução e manter os laços de subordinação foi o “islamismo moderado”, transformando antigos inimigos em novos aliados. Em ambos os casos, o processo revolucionário enfrenta esses novos defensores da ordem imperialista.

A situação na Síria é diferente, como afirma a Declaração do Secretariado Internacional da 4a Internacional de 1º/3/2102:
Na Síria, desde as primeiras manifestações, o imperialismo e seus agentes interviram para provocar a guerra civil. Assim, impediram, desde as primeiras manifestações, qualquer mobilização popular, ao constituir grupos militares que combatiam o exército do regime.

O desencadear de uma guerra civil significa que o povo, preso entre dois fogos, fica soterrado, submetido à violência e à barbárie por todos os lados. É exatamente a repetição do que aconteceu na Líbia. Os serviços secretos atuam deliberadamente para provocar a guerra civil e utilizam as imagens dos combates para justificar a intervenção militar imperialista. ”

A intervenção francesa no Mali, as ameaças que pairam sobre toda a região, em particular sobre a Argélia, testemunham as consequências da política de guerra e de intervenção do imperialismo, para o qual não se trata nem dos direitos humanos, nem da democracia, nem do direito dos povos e, sim, da necessidade – face à revolução – de preservar o seu controle e preservar os seus interesses econômicos.

A LIT indica, ela mesma, qual é o futuro que sua política coloca em perspectiva. Criticando os que consideram que, em Cuba, “o capitalismo ainda não foi restaurado, mas que subsiste um Estado operário burocratizado, portanto, não está colocada uma nova revolução social, mas sim uma revolução política”, a LIT faz um comentário premonitório:
“Que posição [adotariam] se, como na Líbia, estourasse em Cuba um levante popular com aspirações democráticas contra a ditadura dos Castro e, como provavelmente aconteceria, o imperialismo apoiasse esses protestos e impulsionasse direções burguesas e entreguistas? Com sua formulação teórica sobre o caráter do Estado cubano e com seus argumentos, é muito provável que, devido ao apoio imperialista, coloquem-se do lado da defesa dos Castro (e de um suposto ‘Estado operário’) contra as massas. ”

Disso que diz a LIT, podemos então concluir que, como na Líbia, a LIT aceitaria uma “aliança no terreno militar”, mesmo com a “presença de forças pró-imperialistas”, para realizar as “aspirações democráticas” contra a “ditadura dos Castro”? (13).

Um exemplo do Brasil

No Brasil – onde tem a sua maior seção – o PSTU – a LIT abandonou o Partido dos Trabalhadores, já depois da morte de Moreno (14). Em 2003, no início do primeiro mandato de Lula, o PSTU empreendeu uma ofensiva de divisão-destruição contra a CUT (Central Única dos Trabalhadores), principal central sindical do país, nascida em ruptura com o sindicalismo corporativista, no quadro das lutas que derrubaram a ditadura. Fundou a chamada Conlutas, que não é exatamente uma central sindical, pois filia indistintamente entidades sindicais, estudantis e “movimentos”. Vejamos seu papel.

País semicolonial, com um parque industrial complexo, mas dependente da exportação de produtos primários, uma questão vital no Brasil é como defender os trabalhadores e a nação frente à crise do capitalismo, aberta em 2007, e cujos efeitos aceleraram uma tendência à “desindustrialização”.

Em abril de 2012, a direção da CUT estava engajada numa “parceria” com outras centrais sindicais e patrões para realizar atos públicos de rua em defesa de concessões do governo às empresas. Contra essa política, um manifesto de sindicalistas da plataforma “CUT Independente e de Luta” explicava:
“Em 3 de abril, foi anunciado um [novo] ‘pacote de ajuda à indústria’, que custará mais de 60 bilhões de reais ao governo, em reduções de impostos e dinheiro do Tesouro para o BNDES [banco estatal] emprestar a juros mais baixos para empresas privadas. O governo ainda anunciou a desoneração da contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento para 15 setores da economia.

Ao anunciar essas medidas, a presidente Dilma falou em aumentar a ‘competitividade’, em ‘mercado interno sólido’ e até mesmo que as medidas ‘preservarão o emprego e o direito dos trabalhadores’. Mas nenhuma medida concreta de estabilidade no emprego ou que impeça os patrões de demitir foi anunciada!

É hora de romper com essa ‘união capital-trabalho’ e afirmar as propostas da CUT para defender empregos, salários e direitos diante dos efeitos da crise no Brasil e a desindustrialização.

Pela realização da unidade, “em defesa dos trabalhadores e da nação”, esses mesmos sindicalistas lutavam por uma marcha a Brasília com o conteúdo da frente única anti-imperialista:
– Pela redução da jornada semanal para 40 horas e pela reforma agrária, contra a precarização!
– Derrubada dos juros! Fim do superávit primário! Controle da remessa de lucros!
– Em defesa do parque industrial, estabilidade no emprego com centralização do câmbio!
– Mais serviço público, fim da terceirização e das Organizações Sociais! (15)
– Chega de concessões e parceria com os patrões!
– Soberania Nacional! Todo o petróleo para a Petrobras 100% estatal, anulação do leilão dos aeroportos! ”

Do lado de fora da CUT, controlando a Conlutas, o PSTU-LIT negava a existência de uma indústria nacional e, portanto, a necessidade de uma política de frente única para defender o parque industrial do Brasil dos efeitos da crise. Confortando a posição da direção da CUT, a LIT afirmava:
“O verdadeiro motivo que está revoltando os setores da indústria é que como não conseguem se equiparar aos ganhos da mineração e do agronegócio; pedem ‘compensações’ ao governo. Este setor da indústria em mobilização para pressionar o governo é basicamente multinacional. Não existem montadoras de capital nacional, tampouco autopeças. A privatização do parque industrial brasileiro por Collor e FHC se deu de forma simultânea com sua desnacionalização. A burguesia brasileira se rende ao capital internacional, e transita entre sócia menor e gerente de negócios multinacionais no Brasil”.

Ora, o Programa de Transição afirma que, “baseados no programa democrático e revolucionário, é necessário opor os operários à burguesia ‘nacional’”. As aspas em “nacional” realçam que, nos países semicoloniais, a burguesia, que existe, é associada ao imperialismo como “compradora”, e que, por isso, não pode mais realizar as tarefas burguesas de emancipação nacional face ao imperialismo.

Mas, para a LIT-PSTU, não há grande propriedade nacional dos meios de produção, “tampouco autopeças”, posição que, além de errada, chega a ser delirante e dá como encerrado um processo de desnacionalização que está em curso e que é, justamente, fonte de contradições. E tudo se reduziria a uma disputa entre multinacionais por maiores taxas de lucro.

E para responder ao que chama de “crise da indústria brasileira e sua desnacionalização”, a LIT coloca como condição uma “ruptura com o sistema imperialista e capitalista”.

A LIT se pronuncia pela ruptura com o capitalismo, mas, como vimos, não é pela ruptura com o imperialismo. Entretanto, o primeiro ato da ruptura com o capitalismo é a ruptura com o imperialismo. Nos países semicoloniais, essa é a condição para desenvolver uma política revolucionária.

Hoje, a ofensiva de destruição das forças produtivas asfixiadas nas relações de produção capitalista se concentra na ofensiva pela destruição das nações. Toda verborragia “radical” pela “revolução”, contra o “sistema capitalista”, não vale nada se é abandonada a defesa da soberania nacional, contra a ofensiva imperialista.

Mas a LIT se satisfaz com discursos pretensamente “radicais” pela ruptura com o capitalismo num futuro incerto, e enquanto esse dia não chega… permanece de mãos dadas com o imperialismo.

1944: “Unidad de acción de los aliados y los partisanos”

Compreende-se porque, do seu ato de Buenos Aires, em 1º de dezembro de 2012, a LIT realçou triunfalmente a intervenção de encerramento:
[o orador atacou] “A posição de grande parte da esquerda e do castro-chavismo de apoio ao ditador Assad na Síria. ‘Dizem que há uma unidade de ação entre os rebeldes e o imperialismo. Mas claro que houve. A mesma unidade de ação que houve no desembarque da Normandia entre os aliados e os ‘partisans’ contra Mussolini. ”

Isso não tem nada a ver com a política da 4a Internacional que, durante a 2ª Guerra Mundial, combateu sob a ocupação nazista na França com base numa linha de independência de classe, e recusou-se, sempre, a entrar no Conselho Nacional da Resistência do general de Gaulle (veja artigo em “A Verdade” nº 71). Já os stalinistas entraram nesse conselho e defenderam a aliança com a “burguesia democrática” para “vencer o fascismo”, posição que a LIT retoma hoje!

É verdade que a situação durante a 2ª Guerra Mundial era complexa, mas a 4a Internacional jamais aceitou se alinhar com a burguesia. Para a 4a Internacional, os trabalhadores alemães em uniforme continuavam sendo trabalhadores, e a tarefa dos trotsquistas era ajudá-los a se sublevar contra a sua própria burguesia.

Era todo o contrário do que fizeram os stalinistas que, no momento do desembarque dos aliados na Normandia, escreveram na primeira página do seu jornal na França, “L’Humanité”, de 22 de agosto de 1944, em letras garrafais, o vergonhoso título “Morte aos boches” e, dois dias depois, o não menos vergonhoso “A cada parisiense seu boche” (boche: forma pejorativa e preconceituosa para indicar a nacionalidade alemã, NdR), acrescido do subtítulo “Às armas! Às armas! Às armas! ” (esse ardor “patriótico” stalinista não deixa de lembrar a LIT, quando diz: “A luta de classes na Síria se traduz na linguagem dos fuzis, do trovejar dos canhões, do combate encarniçado de casa em casa para avançar sobre as posições do inimigo”. Quem seria o “inimigo”, em “casa por casa”? Os recortes étnicos e religiosos utilizados pelo imperialismo para desagregar e destruir não encontram aí uma sustentação?).

Durante a ocupação nazista, nas condições da clandestinidade, os trotsquistas franceses editavam “A Verdade” na forma de um folheto mimeografado. Uma Edição Especial, com o título “Que Fazer no Momento do Desembarque? ”, conclamava os trabalhadores a não “servir de empregados para Eisenhower e De Gaulle (16) para restabelecer a dominação imperial do patronato francês”. E lançava o apelo, diametralmente oposto à “guerra patriótica” pretendida pelo stalinismo:
“Confraternizem-se com os soldados alemães, ingleses e estadunidenses!

Para a 4a Internacional, essa é a tradição internacionalista a preservar.

Edison Cardoni

Clique aqui e leia o segundo texto sobre o monenismo


NOTAS

1 – Alinhar-se a campanhas imperialistas sob a etiqueta de “trotsquista” é a marca registrada do Secretariado Unificado pablista, que teve origem na crise de 1950-1953. Os dirigentes da época, Michel Pablo e Ernest Mandel procederam a uma revisão do marxismo. Substituíram a teoria da luta de classes pelo enfrentamento entre “campos” e afirmaram que o stalinismo iria “realizar o socialismo à sua maneira, em séculos de transição”. Mas o morenismo nem sempre foi assim e, ademais, a LIT se pretende “rompida” com o SU.

2 – Por resistir à política de Pablo-Mandel (veja a nota 1), a seção francesa da 4ª Internacional (na época chamada Partido Comunista Internacionalista) foi expulsa em novembro de 1952. Em 1953, constituiu-se um Comitê de Ligação em que ela participava com o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP), dos EUA, a Liga Socialista dos Trabalhadores (SLL), da Grã-Bretanha; o grupo de Nahuel Moreno, originado na Argentina na década de 1940 e que, em 1958, forma o Secretariado Latino-Americano do Trotsquismo Ortodoxo (SLATO). Em 1962, o SWP rompe com o Comitê de Ligação e aceita uma reunificação sem princípios com o pablismo (daí o nome Secretariado Unificado [SU]). Um ano depois, o grupo de Moreno ingressa no SU, “para não ficar isolado”. A seção francesa impulsiona então a constituição do Corqui: Comitê pela Reconstrução da Quarta Internacional, que agrupa a resistência ao pablismo até 1979, quando a brigada Símon Bolívar (formada por Moreno, que se mantinha no SU) foi reprimida pela Frente Sandinista, na Nicarágua.

3 – Carta de “Informations Ouvrières”, nº 7.

4 – A LIT nasce sob o signo do artigo de Moreno publicado em Correspondência Internacional nº 13 e da carta ao Comitê Central  do Partido Operário Socialista Internacionalista (POSI), que negam a frente única e utilizam o método da calúnia e da falsificação para bloquear a discussão. Pouco depois, fica claro que Moreno provocou a cisão para ter as mãos livres na América Latina – como mostrou sua aliança com o PC argentino na “Esquerda Unida” – e para evitar a discussão entre as organizações do Brasil (de um lado a “morenista” Convergência Socialista e, de outro, a Organização Socialista Internacionalista, antecessora da atual corrente O Trabalho do PT – seção brasileira da 4ª Internacional).

5 – Eduardo Barragan, http://litci.org/especial/index.php/espanol, todas as citações da LIT mencionadas neste artigo foram obtidas a partir do site da LIT e do PSTU do Brasil.

6 – Ver os boletins de discussão internacional de 1981, em particular o texto aprovado pela reunião do Conselho Geral de 21 de novembro de 1981, que diz: “O artigo do camarada Capa [Moreno, NdR] e a carta ao Comitê Central do POSI, contraditórios com o método do marxismo e com o programa de fundação da 4ª Internacional. Eles colocam em questão as aquisições da QI-CI, a resolução sobre a França votada na segunda sessão do Conselho Geral e as Teses”. É assim que os morenistas interrompem seu processo de ruptura com o pablismo e, retrocedendo, a LIT acompanha a crise de decomposição do movimento operário, notadamente depois da morte de Moreno, em 1987.

7 – Política do Terceiro Período: o stalinismo inventou um esquema monstruoso, segundo o qual houve um “primeiro período”, 1917-1924, de crise do capitalismo e ascensão revolucionária; um “segundo” de 1925-1928, de estabilização do capitalismo; e um “terceiro período”, em que seria inevitável o fim do capitalismo, momento no qual as direções dos Partidos Comunistas adotaram táticas ultra esquerdistas e aventureiras.

8 – No Brasil, em 7 de outubro de 1934, a política de frente única operária levada pelos militantes da oposição de esquerda, entre os quais Fúlvio Abramo, obteve uma importante vitória com a realização de uma contramanifestação unitária reunindo trotsquistas, militantes do PC, socialistas, anarquistas e operários sem partido, que dissolveu um comício-provocação dos fascistas na praça da Sé, em São Paulo. Como resultado dessa vitória da frente única, todo o Comitê Regional do PCB de São Paulo, dirigido por Hermínio Sachetta, rompeu posteriormente com o stalinismo e aderiu à 4a Internacional.

9 – Leia na revista “A Verdade” (AV) nº 89 o artigo sobre a batalha da seção brasileira da 4ª Internacional em defesa do PT e dos direitos democráticos e a posição da seção da LIT, o PSTU, que sustenta o “julgamento de exceção” por meio do qual o Supremo Tribunal Federal do Brasil condenou sem provas ex-dirigentes do PT.

10 – Sobre esse período e o lugar do combate pela frente única, Pierre Lambert, dirigente histórico da 4ª Internacional, morto em 2008, diz: “Penso que se trata de uma posição estratégica incluída no programa da luta pela revolução proletária. Contudo, deve-se fazer uma distinção por uma razão essencial: o problema da luta pela revolução proletária não se limita simplesmente à frente única, embora a inclua”.

11 – No início da década de 1990, a crise da burocracia stalinista foi também crise da LIT, com sua explosão na Argentina (país que sediava sua maior organização na época). Veja artigos em “A Verdade” números 6 e 30.

12 – Sobre a ação do imperialismo para desagregar a ex-Iugoslávia, leia os artigos “A Origem do Crime Organizado nos Balcãs” (A Verdade 65) e “A Instrumentalização do Massacre de Srebrenica para Continuar a Guerra da Iugoslávia por Meios ‘Pacíficos’” (AV 67).

13 – Algumas semanas após a conclusão deste artigo, a “blogueira” cubana Yoani Sánchez (paga pelo jornal pró-imperialista “El Pais”) esteve no Brasil. A LIT afirmou que ela “faz uma crítica correta”.

14 – A Convergência Socialista (CS), então seção da LIT, negociou com a direção do PT a sua “expulsão”. Ela se deu no encontro de maio de 1992. Nas eleições municipais de novembro do mesmo ano, seus candidatos tiveram assegurada a legenda do PT. Em 1993/94, a CS forma o PSTU (Partido Socialista Unificado dos Trabalhadores).

15 – As organizações sociais são formas de privatização do serviço público implantadas por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e não eliminadas pelos governos do PT.

16 – Dwight Eisenhower, general estadunidense, na época comandante das forças aliadas na Europa; Charles de Gaulle, militar e político burguês da França (NdT).


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