Análise: eleições na Alemanha

Divulgamos abaixo uma análise dos resultados destas eleições alemãs realizadas em 24 de setembro, publicada num artigo do jornal Soziale Politik und Demokratie (SoPoDe – Política Social e Democracia) que é animado por militantes do Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha, em oposição à linha oficial da Direção deste Partido.


A entrada do Partido de extrema-direita (AFD – Alternativa para a Alemanha), com 12,6% e enquanto terceira força política no Parlamento alemão, foi considerada – por todos os círculos políticos e pelos responsáveis no poder, assim como por todos os órgãos da Comunicação social, e ainda pelas organizações oficiais e grupos da “esquerda crítica”, na Alemanha e no resto da Europa – como um corte histórico determinante nestas eleições de 24 de Setembro: a maior parte vê nele uma guinada para a direita, e alguns aplaudiram-na. Mas, acima de tudo, trata-se de uma evidente e gigantesca manobra diversionista.

O que é histórico é o desastre eleitoral dos dois partidos do Governo da Grande coligação, da União Cristã – CDU/CSU (1) e da sua chanceler Angela Merkel, assim como do SPD e do seu candidato à chancelaria Martin Schulz.

Com uma perda de três milhões de eleitores, que reduziu o seu resultado a 33% dos que votaram (o que corresponde a 24,8% dos inscritos), Merkel registrou o pior resultado eleitoral da CDU/CSU desde 1949. Pelo seu lado, o SPD – que já tinha visto afastarem-se 10 milhões de eleitores nos últimos anos – perdeu mais 1 milhão e 700 mil eleitores, sobretudo nas zonas operárias, e o seu resultado de 20,5% é o pior desde 1945.

Com os seus 150 anos, o SPD – Partido operário histórico, que é o Partido democrático mais antigo da Alemanha – está sofrendo uma crise existencial. A sua direção tornou-se politicamente incapaz de arrastar de novo o Partido para uma grande coligação dirigida por Merkel. Há vozes que preconizam “uma reorientação e uma renovação radicais”. Isto colocará, inevitavelmente, a questão da ruptura com a política da Agenda de Schröder (2) e também com a atual direção que, aplicando esta política, empurrou o SPD para um processo de autodestruição.

A derrocada destes dois Partidos é, de momento, o ponto mais agudo da crise de um sistema político que tem permitido – com a alternância entre a CDU/CSU (o principal partido da burguesia) e o SPD à frente do Governo e da oposição – uma estabilidade e um equilíbrio político relativos entre as duas classes sociais determinantes (burguesia e proletariado – NdT). Ultimamente esse equilíbrio foi conseguido com algumas dificuldades: por duas vezes ele teve por base a “Grande coligação” – prejudicial para a democracia – da qual ambas os partidos estão agora a pagar o preço.

Com a derrota eleitoral da Grande coligação exprime-se toda a extensão da rejeição, enfurecida e cada vez mais determinada, da política reforçada da Agenda, contra a qual a maioria da população operária e da juventude se têm insurgido. Eles pretendem acabar com a destruição que tem sido feita das conquistas históricas do Estado social, sujeito aos ataques da política rígida da “Regra de ouro” (3) e da desregulamentação sem fim dos contratos de trabalho – em nome da competitividade das empresas – ditados pelas exigências da crise do capital financeiro.

Esta desestabilização política da capacidade para governar – provocada por esta rejeição dos trabalhadores e dos jovens – envia um sinal a todos os governos da Europa e às instituições da União Europeia, cuja política de austeridade e de reformas estruturais se choca, em todo o lado, com a resistência da classe operária e dos povos. Ela envia-a em particular ao novo governo de Macron, que quer administrar à classe operária francesa, aos seus sindicatos e à população uma cura de austeridade brutal, tomando como exemplo a Agenda de Schröder.

O sismo político provocado na Alemanha pela modificação de forças no sistema dos partidos transforma a formação do Governo, sob a responsabilidade da CDU/CSU de Merkel, num ato extremamente difícil, ameaçado por grandes incertezas. Uma análise dos resultados eleitorais permite fundamentar esta conclusão.

Em primeiro lugar, notemos que a participação dos eleitores atingiu 76%. Afinal, a ameaça do aumento em massa da abstenção não se concretizou. A rejeição assumiu sobretudo a forma de um voto de protesto.

Os 3,7 milhões de novos eleitores da AFD provêm de 1,2 milhões que nunca tinha votado, de 1 milhão de eleitores tradicionais da CDU/CSU, de 700 mil eleitores que já votavam antes em organizações de extrema-direita e de 400 mil eleitores do SPD e outros tantos do Partido de Esquerda (Die Link). Todos eles não decidiram abster-se em relação aos “partidos institucionais da Agenda”, mas quiseram assinalar o seu protesto contra a política da Agenda dando os seus votos à AFD. Não se trata de um “deslizar para a direita”, como argumentam o SPD e os partidos de esquerda, bem como as direções sindicais, visando desviar a atenção da sua própria responsabilidade no apoio ou “acompanhamento crítico” da política da Agenda implementada pelo Governo.

Os eleitores que protestam deste modo – na sua maioria desempregados, operários e funcionários – estão concentrados nos Länder (Estados) da Alemanha do Leste (4), tal como, por exemplo, nas cidades e regiões desindustrializadas da Bacia do Ruhr. As perdas do SPD, da CDU e do Partido de Esquerda (nos Estados em que ele está no Governo) foram aí particularmente grandes.

Assim, o SPD perdeu 1,5 milhões de votos, cerca de 400 mil em benefício de cada um dos “partidos institucionais menores ” – o Partido de Esquerda, os Verdes e o FDP (Partido Democrático Liberal). Ele perdeu eleitores que queriam protestar contra a política do SPD, dando o seu voto a esses outros Partidos.

No mesmo sentido, a CDU/CSU perdeu 1,3 milhões de eleitores para o FDP, 1 milhão para a AFD e, ainda, 380 mil por abstenção.

O fator político decisivo para o enfraquecimento de um novo governo de Merkel é a incapacidade do SPD em ajudar Merkel, como o fez quando participou no seu Governo, em empenhar-se numa nova ofensiva contra as conquistas do Estado social, com a ajuda das armas mais fortes da Agenda – a “Regra de ouro” e a destruição do Sistema das convenções coletivas nacionais – e, em ligação com as direções sindicais, tornar ineficaz a resistência dos trabalhadores e das populações contra essas armas.

Merkel começa agora a entabular negociações para uma coligação com o FDP e com os Verdes, visando constituir o único Governo de coligação possível. À pressão a favor de uma ofensiva mais forte – exercida pela CSU e pela ala mais consequente da CDU como representante dos interesses da indústria – junta-se agora a pressão exercida pelo FDP. Este Partido representa uma fracção do capital financeiro que fez campanha, durante o Verão, por uma “nova Agenda” após as eleições. Uma tal ofensiva deverá, a mais ou menos longo prazo, retirar aos Verdes qualquer base política ou social (até aqui eles têm desempenhado um papel – enquanto cisão pequena burguesa “de esquerda” do SPD – que, no fundo, é anti-sindical e inimigo do movimento operário organizado).

Por outro lado, as tendências “populistas de direita” da CSU – que pretendem a eliminação do direito de asilo, que são xenófobas e anti-islâmicas –deverão provocar conflitos não somente com Merkel, mas também com o FDP e os Verdes.

O novo governo de Merkel está, logo à partida, sob a pressão implacável das exigências da crise que se agudiza da economia capitalista e da ordem imperialista dominante. Uma série de medidas neste sentido foi diferida para o “após as eleições”. É o caso do pagamento da fatura para a salvação do Euro (incluindo, entre outras medidas, a redução da dívida da Grécia); tal como a mudança estrutural relativa ao decréscimo da capacidade de produção na Siderurgia e na Indústria do automóvel; e também a baixa suplementar do custo do trabalho, ou a diminuição do orçamento e do número de camas nos hospitais, etc. Numa palavra: é a “nova Agenda”, aplicada com os instrumentos da “antiga Agenda”.

Para lhe opôr a sua resistência, a classe operária irá agarrar-se – de modo mais generalizado –aos seus sindicatos, que deixarão de estar sob a pressão direta de um SPD a participar no Governo para acompanhar uma política governamental destruidora, “protestando, corrigindo e acompanhando-a de maneira social”. No decurso desses novos combates, a classe operária se libertará dos entraves que a impedem de fazer greve contra decisões estratégicas dos empregadores, assim como contra medidas governamentais anti-operárias.

Com o novo governo de Merkel abrir-se-á uma fase de grandes combates. E, desse modo, ele será ainda menos uma âncora de estabilidade contra a crise de decomposição da União Europeia e contra o sistema financeiro em falência. Ele se tornará, pelo contrário, num ainda maior fator de incerteza suplementar para a União Europeia e para a Europa.


(1) Esta coligação é designada por preta-amarela, visto ser formada pelos dois ramos da Democracia Cristã: a União Cristã Democrata (CDU) e a União Cristã-Social (CSU, que só existe no Estado da Baviera).

(2) A chamada Agenda de Schröder, apresentada como um instrumento legislativo para a defesa da “competitividade” da economia alemã, continha ataques centrais contra as leis que funcionam como Código do Trabalho e contra direitos sociais estipulados na Constituição alemã. O seu prazo de vigência era o ano de 2010, e daí a sua designação de “Agenda 2010”.

(3) O Tratado Orçamentário – assinado em Março de 2012 por todos os 28 países que então eram membros da União Europeia, com excepção do Reino Unido e da República Checa – inclui uma “regra de ouro” para o equilíbrio orçamentário, definido como um défice estrutural anual não superior a 0,5% do PIB.

(4) A Alemanha é uma Federação de Estados (Länder).

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