COP-21: consenso global e oportunidade de negócios

A decomposição do capitalismo continuará agravando as ameaças ambientais

No fim do ano passado, realizou­-se em Paris (França) mais uma conferência da ONU sobre mudanças climáticas: a 21ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – a UNFCCC (sigla do original em inglês de “United Nations Framework Convention on Climate Change”) e a 11ª Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (MOP-11).

Promovidos pela ONU sob as ordens das potências imperialistas e das grandes corpora­ções capitalistas, esses eventos são vestidos com as cores da ecologia – uma ciência criada no fim do século XIX com um objeto claramente definido: o metabolismo entre o homem e a natureza. Porém, por baixo dessa roupagem ecológica, promove-se o que se pode chamar de “ecologismo”, uma manipulação ideológica da ecologia.

Tentativa de cooptação dos trabalhadores

Nesta etapa da história, a retórica baseada nos riscos das mudanças climáticas e do aquecimento global vem servindo, sobretudo, para dar uma base politicamente justificável para atacar serviços públicos e direitos trabalhistas além de abrir novas oportunidades para os investimentos, principalmente de tipo especulativo e, não menos importante, para criar um novo quadro de colaboração de classes em fóruns corporativistas que visam realizar a coabitação entre as organizações dos trabalhadores e as instituições do grande capital sob a ideia de que “a Terra é nosso lar comum”.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, comemorou o Acordo de Paris: “Pela primeira vez, cada país do mundo se compromete a reduzir as emissões (de gases de efeito estufa), fortalecer a resiliência e se unir em uma causa comum para combater a mudança do clima”.

Mas de que se trata?

Com efeito, a ordem do dia da COP-21 era “alcançar um novo acordo internacional sobre o clima aplicável a todos os países com o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 2°C”. A UNFCCC foi adotada durante a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro em 1992 e entrou em vigor no dia 21 de março de 1994. Ela foi ratificada por 196 Estados que constituem as “Partes para a Convenção”, conforme o site da ONU em português.

Linhas de crédito e… mais dívida

Como se vê, por detrás consigna “Terra, nosso lar comum”, desaparecem as contradições de classe e os interesses conflitantes entre as potências imperialistas e a grande maioria das nações oprimidas por elas.

Assim, a COP-21 decidiu entre outras coisas que: “no que diz respeito ao financiamento climático: os países desenvolvidos deverão investir 100 bilhões de dólares por ano em medidas de combate à mudança do clima e adaptação em países em desenvolvimento”. Ou seja, seriam criadas novas linhas de crédito pelos quais a banca internacional (os “países desenvolvidos”) poderá onerar ainda mais os países dominados, agora com a desculpa de adaptar sua infraestrutura e seu aparato produtivo à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Engendra-se aí um novo aperto na subordinação dos países semicoloniais (ou “países em desenvolvimento”, como eles chamam) ao capital internacional.

A aplicação dos preceitos dessa “convenção-quadro” será, conforme o texto final, fiscalizada por mecanismos supranacionais sob os auspícios da ONU e , como é lógico, num quadro de aprofundamento da subordinação dos Estados nacionais a este novo arranjo corporativista internacional. Trata-se de um  novo mecanismo de pressão contra a soberania nacional.

O mercado de carbono

Por fim, como parte dos “esforços para reduzir as emissões de carbono”, foi aprofundada a regulamentação do chamado mercado de carbono que floresceu na onda do ecologismo. Nele, empresas consideradas poluidoras (as que emitem gases que provocam o efeito estufa) geralmente localizadas nos países altamente industrializados compram créditos de carbono de países ou empresas que estão abaixo das metas do Protocolo de Quioto, o que lhes dão o direito de continuar poluindo.

Com o acordo da COP 21, as grandes empresas desse setor ganham um marco legal internacional para estender suas atividades, avançar um novo mercado para a especulação financeira através de mecanismos de gerência de subsídios financeiros que visam manietar um pouco mais os “países-alvos” à dívida pública externa.

Os gigantes do mercado financeiro já esfregam as mãos diante da possibilidade de explorar o mercado de carbono e suas novas oportunidades de especulação. Para não falar na indústria de seguros que torce ansiosamente pela “catástrofe climática”.

Encarecer a energia elétrica?

Um bom exemplo do que realmente se passa é a ofensiva em curso em diversos países, em particular na França, que pretende apresentar o uso da energia elétrica como um “luxo” e que deveria ser substituído por energias verdes, mais caras, enquanto as empresas privadas dessa área deveriam receber subsídios estatais. Acontece que, na França, a energia elétrica é abundante, de qualidade e de baixo custo graças à lei de nacionalização de 1946 e ao planejamento estruturado ao redor das empresas estatais de eletricidade (EDF) e gás (GDF).

Desde 1996, iniciou-se um movimento cadenciado, mas constante, de violação do caráter estatal da produção e distribuição de eletricidade por exigência de protocolos da União Europeia. No governo de Jacques Chirac, em 2003, 10% do sistema de represas foi privatizado. Sob Sarkozy, foi editada a lei da “Nova organização do mercado de eletricidade”, transformada hoje na Lei de Transição Energética, sempre para avançar na privatização da EDF e GDF.

As guerras e o ecologismo

De outro lado, chama a atenção que pouco antes da COP-21 o ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, tenha convidado uma série de diferentes Ministros de Defesa para uma conferência intitulada “Clima e defesa”. A lógica da conferência não era, como se poderia imaginar, discutir os efeitos da guerra sobre o clima. Ao contrário, o ministro “ecologista” pretendia debater a responsabilidade da mudança climática no desencadeamento das guerras, afastando a responsabilidade por elas das potências imperialistas e dos interesses do grande capital e as transferindo para esse ente indeterminado que estaria relacionado ao “nosso lar comum”. Aí está, justamente, a armadilha na qual se pretende capturar as organizações dos trabalhadores e liga-las às determinações das instituições do capital.

As prescrições da Carta de Paris poderão “salvar o clima”? Duvidamos! O que é certo, contudo, é que elas tentam salvar o capitalismo!

Eudes Baima

Artigo originalmente publicado na edição nº 779 do jornal O Trabalho de 14 de janeiro de 2015.

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