Crise na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “um jogo cruel”

Leia a entrevista completa com a Professora Michelle Wendling, do Instituto de Psicologia da UERJ

por Francine Iegelsk

Nos últimos meses, os servidores públicos do estado do Rio de Janeiro têm sofrido todo o tipo de ataques por parte do governo Pezão (PMDB). Aconteceram greves de todas as categorias, inclusive agentes penitenciários e policiais civis. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), uma das mais importantes e conceituadas do país, é a ponta de lança da crise do estado. Publicamos abaixo a íntegra da entrevista com Michelle Wendling, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, concedida ao jornal O Trabalho.

O Trabalho (OT): Concretamente, como está a questão dos salários dos servidores? Desde quando vocês estão sem receber?

Michelle Wendling (MW): No início foram as mudanças na data dos pagamentos. Em 2016, não recebemos uma parcela do décimo terceiro salário.

A partir de outubro de 2016 começou a imposição dos parcelamentos absurdos junto ao atraso das parcelas. Recebemos em novembro uma parte do salário equivalente a outubro em sete vezes. No mês de dezembro, até o final do mês não tínhamos recebido nosso salário de novembro. Não recebemos décimo terceiro e as parcelas do salário de novembro foram pagas semana passada. No contracheque nem consta o décimo terceiro, somente uma parte das férias. Como se isso não bastasse, há relatos de colegas que não receberam o dinheiro previsto no contracheque e de um desconto sindical de 300,00 no salário de dezembro. Ao que parece, esse desconto foi autorizado pela justiça ao Sindicato dos Servidores Públicos do Poder Estadual do Estado do Rio de Janeiro (Sindserj). Há uma ação na justiça feita pelo setor jurídico da Asduerj contra esse desconto ilegal.

OT: Além dos salários dos servidores, quais outros problemas e cortes a foram impostos à UERJ?

MW: Além dessa situação específica dos docentes, há a situação dos outros servidores, dos terceirizados e dos alunos. Os demais servidores estão em greve pelo mesmo problema salarial e pela óbvia falta de condições mínimas de trabalho. Há problemas com o repasse de verbas para as empresas terceirizadas que prestam os mais diversos serviços. Funcionários foram demitidos em 2016 sem receber os salários devidos. Aliás, como era de se esperar, essa foi a primeira categoria a sofrer diretamente com o desmonte da UERJ. A inconstância do serviço dos elevadores, a falta de segurança, o lixo acumulado, a falta de luz, o fechamento do restaurante universitário… Quanto aos alunos, sabemos do papel importantíssimo da UERJ no sistema de cotas e das políticas para ajudar muitos alunos a continuar estudando. Muitos dependem da bolsa de permanência e se sentem inseguros quanto à regularidade do recebimento. Muitos alunos da pós-graduação que recebem bolsa Faperj relatam a falta de dinheiro há meses. Verbas para pesquisa foram cortadas.

Enfim, temos falado muito de uma estratégia bastante cruel de matar aos poucos, à espera de uma morte por inanição. Cortes de todo tipo de verba, bolsas e salários atrasados, falta de material, de manutenção, de segurança, de limpeza, alunos pedindo transferência para outras instituições, professores procurando outro emprego. Enfim, é um jogo que traz uma mistura de elementos políticos, econômicos e ideológicos que trabalham com uma aposta na falta de tudo que é preciso pra que uma universidade continue funcionando. Até mesmo da vontade de estar lá, de achar que a causa da UERJ vale o esforço. Quando se começa a questionar se uma universidade da importância da UERJ vale a pena, algo vai muito mal.

OT: Você acha que há um risco da universidade fechar ou ser privatizada?

MW:  Sem dúvida, esse é um discurso que vem circulando há tempos na mídia e nos discursos da população em geral. Colegas têm comentado nas últimas assembleias sobre algumas matérias em jornais que sugerem a privatização como uma espécie de solução final para as universidades públicas em “crise”. Uma crise sem dúvida fabricada por uma gestão estadual catastrófica, mas que não destoa de um governo federal que tem como meta a privatização de diversos setores.

Estamos todos bem apreensivos, a situação é bem grave. Imagino que se não houver resistência, a privatização será completamente possível. Nos sentimos como se nos impusessem aos poucos esse como o único destino possível. Se estamos mal, e é vendido um discurso de que nada se pode fazer porque não temos dinheiro e somos caros, muitos acabam vislumbrando pouco a pouco o caminho da privatização como o fim possível de uma agonia insuportável. Repito, é um jogo cruel.

OT : Como tem sido a mobilização dos professores? Como você vê a atuação do sindicato em meio a esta crise?

MW  Nos últimos meses tenho observado uma mobilização crescente em diversas frentes. Alunos, docentes e funcionários têm tentado unir forças para chamar a atenção da mídia e da sociedade como um todo para nossa situação. Alguns atos, como o abraço a UERJ, tiveram uma importância simbólica fundamental. Muitos colegas de outras universidades, ex-alunos, amigos, parentes dos servidores e dos alunos estiveram lá. O sindicato tem feito assembleias regularmente para nos manter informados sobre as ações do governo e tem promovido atos contra toda essa situação. Eles têm participado também de atos inicialmente não convocados por eles.

OT: Qual você acha que é o caminho para resistir e reverter essa situação?

MW:  Não há dúvidas de que precisamos unir forças e nos manter mobilizados. Recentemente houve um episódio bastante delicado relativo ao HUPE (hospital universitário). O governo decidiu pagar integralmente o salário de novembro somente aos servidores técnico-administrativos do HUPE. O conselho universitário votou contra a sugestão de uma divisão da folha de pagamento, mas não foi ouvido. Um dos argumentos (cínicos) que ouvimos foi a importância dos serviços prestados pelo hospital. Ninguém duvida disso. Apesar do voto contrário do conselho, apenas uma parte de nós recebeu salário. Entramos num debate que em nada ajuda e nos divide como categoria: o que são um curso e um serviço essenciais? Deve haver uma escala de preferência e de urgências para receber salário (um direito nosso)? Nos perguntamos quais medidas poderiam ser tomadas diante dessas negociações que levaram à concretização desse pagamento efetivado.

Acho muito boa também a estratégia de ocupar a UERJ, de irmos lá para participar de debates, atividades culturais. Sabemos que é difícil para todos nós estar lá atualmente. Essa é uma das possibilidades de fazermos frente ao processo de morte que querem nos impor a todo custo.

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