Estados Unidos, e agora?

Mesmo após a eleição de Biden, a resistência de Trump acentua ainda mais a crise política já aberta. Face a esta crise, por todas as partes, em nome da “transição pacífica”, tenta-se preservar as instituições.

O medo de uma explosão da crise econômica e também das mobilizações de jovens, negros, latinos, sindicalistas empurra Joe Biden e os democratas a um acordo com os republicanos, dos quais uma parte é favorável.

Até Sanders, que se autodenomina “socialista”, se ofereceu para ser ministro do Trabalho de Biden. O medo de todos é a “tensão social”, como disse um grande empresário americano.

Usando a pandemia, planos para demissões em massa estão em andamento. Só na aeronáutica, estão programadas 90.000 demissões. E em todo o território dos Estados Unidos há milhões de trabalhadores precários sem nada.

Qualquer que seja a diferença de discurso entre Trump e Biden, mais “social” no novo presidente, ele ainda assim permanece um defensor dos interesses da indústria estadunidense, ou seja, do capital estadunidense.

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Trump derrotado, a crise política continua
A grande mídia tenta mostrar a eleição de Joe Biden como um retorno à normalidade, mal confrontada com a recusa de Donald Trump em admitir a derrota. Mas a crise política nos Estados Unidos está longe de ser resolvida por esse resultado eleitoral e é muito mais profunda do que apenas a posição do presidente em exercício.

A eleição presidencial acabou: Joe Biden conquistou a maioria dos eleitores e os recursos apresentados por Donald Trump não permitirão que ele ganhe. Os principais chefes de estado estrangeiros já parabenizaram Biden e, em 20 de janeiro, Biden será empossado com grande pompa nos Estados Unidos. Mas a crise continua e vai se intensificar.

Isso foi decidido por algumas dezenas de milhares de votos em alguns estados-chave, muito longe da vitória maciça que as pesquisas prometiam. Mas os 77 milhões de votos que Biden obteve foram essencialmente votos contra, contra o racismo imundo de Trump, contra a reação aberta que ele personifica; e, por outro lado, os 70 milhões de votos (mais do que em 2016 em números absolutos, mas também em porcentagem), que foram dados a Trump, foram votos contra o retorno à rotina política dos Estados Unidos, que perdura pelo menos desde os anos 1960.

No sábado, 16 de novembro, um grande comício de partidários de Trump reuniu apenas alguns milhares de manifestantes: nenhum dos candidatos tem apoio esmagador e cada um deles agregou os votos dos oponentes a tudo o que o outro representa, muito mais do que os votos de seus seguidores.

Trump está tentando, até certo ponto, fazer a transição ocorrer suavemente: ele tuitou em voz alta protestos contra eleições fraudadas, introduz recursos legais, mas não apela às forças do Estado ou a seus apoiadores para “corrigir” essas supostas fraudes. Ele não tem o poder, alguns tendo mostrado claramente sua oposição a qualquer tentativa de golpe de Estado e outros apenas conseguindo reunir alguns milhares de manifestantes.

Nesse contexto, seus tuites quase se tornam um fator de estabilidade, por manter os grupos de extrema direita que se alinharam a ele no rebanho republicano, evitando qualquer tentativa aventureira.

A próxima presidência
Em 3 de novembro, os americanos também elegeram seus representantes para a Câmara e um terço de seus senadores. A maioria democrata na Câmara foi reduzida em pelo menos 10 sobre 435, enquanto o Senado deve permanecer republicano (um segundo turno ocorrerá no início de janeiro para a eleição dos dois senadores do estado da Geórgia, que decidirão a maioria; se os dois candidatos democratas forem eleitos, haverá perfeita igualdade, e o voto do vice-presidente dará a maioria aos democratas, se não, a maioria será republicana).

Desde já, alguns republicanos eleitos reconheceram a eleição de Biden, garantindo a ele a possibilidade de obter um apoio suficiente para governar.

Em uma situação habitual, é a configuração preferida de Wall Street, porque força os dois partidos a um consenso permanente e, assim, bloqueia a vida política estadunidense; as bolsas de valores em todo o mundo, aliás, congratularam-se com esses resultados.

Mas a situação não é comum, e a crise que assola o sistema político nos EUA provavelmente será agravada por eles. E todos temem ver a continuação da mobilização de negros, jovens, latinos e sindicalistas, que se opõe ao regime bipartidário.

De fato, o Partido Republicano, desgastado por quatro anos da presidência de Trump, está profundamente dividido entre uma ala que deseja seguir a continuidade de Trump e outra que busca governar com Biden e os democratas. O Partido Democrata, por outro lado, arrecadou os votos de milhões de trabalhadores, negros, em busca de um verdadeiro sistema de saúde pública e do fim do racismo sistêmico sobre o qual os Estados Unidos são fundados.

No entanto, Biden é um oponente declarado do primeiro, e oito anos de presidência de Obama destruíram qualquer confiança que os negros tivessem neste sistema político. Para esses milhões de militantes sindicais, de negros, era necessário tirar já Trump e tudo o que ele personifica de racismo e reação sórdida. Porém, eles estão conscientes de que os desafios não param por aí e que o ímpeto gerado pelos protestos Black Lives Matter neste verão deverá continuar a fim de arrancar suas reivindicações.

Devan Sohier
(publicado no jornal francês Informations Ouvrières, 19 novembro. Tradução Adaias Muniz)

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