França: “Depois do pavor… a hora de questionar”

O jornal Informações Operárias dialoga com os leitores após os atentados de Paris

Informações Operárias (IO), jornal do Partido Operário Independente (POI) da França, decidiu abrir sua edição semanal focando na formidável mobilização dos funcionários dos hospitais de Paris para atender as vítimas dos massacres perpetrados na noite de 13 de novembro, que mataram pelo menos 129 pessoas e feriram centenas de outras, grande parte jovens que se divertiam em bares e restaurantes.

Conforme matéria de Marie Stagliano, estava a postos todo o pessoal hospitalar, tanto das enfermarias quanto do apoio, além dos serviços de emergência e o Samu. O jornal burguês Le Parisien relata que “Durante todo o tempo, o pessoal médico continuava a chegar aos hospitais. Alguns por seus próprios meios, outros em grupos, compartilhando taxis. Todos vinham ajudar seus colegas de plantão a cuidar das vítimas”.

Uma força considerável se ergueu para atender ao afluxo de feridos ao longo de toda a noite. As equipes souberam atende-los em condições medonhas. Foi a demonstração da eficácia de uma organização de saúde baseada na existência de uma rede de hospitais públicos. Indica o que é o sistema de saúde “à francesa”, elo de um conjunto de conquistas ancoradas na seguridade social, conquistada em 1945.

Um socorrista avaliou que a vida de pelos menos 80 pessoas foi salva pela força de intervenção dos hospitais de Paris em conjunto com a pronta atuação dos serviços de emergência.

Hollande discursa sobre a “proteção dos cidadãos”

Diante de todos os parlamentares (deputados e senadores) reunidos em Versalhes, dia 16 de novembro, o primeiro Ministro da França, François Hollande, apelou à unidade de todos os franceses para “colocar todo o poder do Estado na proteção dos cidadãos”. Mas proteger como, se, ao mesmo tempo, ele anunciou a intensificação da guerra na Síria? Quem pode acreditar que essa guerra sem fim protegerá os franceses da barbárie?

Um texto de Yan Legoff lembra que os serviços de saúde, realçados no socorro às vítimas do atentado, estão prestes a ser desmantelados por um projeto de lei que o governo quer passar a todo custo no parlamento. Ao lado dele está a “reforma” das escolas, a privatização dos principais serviços públicos e outro projeto que retira direitos trabalhistas. Como proteger o povo fazendo a guerra e desmantelando os serviços de saúde, os demais serviços públicos e os direitos dos trabalhadores?

Reforço da repressão, como quer a direita

Quem pode acreditar que o “estado de emergência” decretado por Hollande e que ele quer prolongar por três meses, suspendendo as liberdades democráticas e o direito de os sindicatos convocarem manifestações, poderá servir para a “proteção dos cidadãos”?

Hollande ainda anunciou que pretende alterar a Constituição introduzindo propostas inspiradas diretamente no ideário da direita e extrema-direita (Frente Nacional-FN, de Marine Le Pen). Por exemplo, aos que tem dupla nacionalidade, poderá ser proibida a entrada em território francês nos casos de suspeita de terrorismo e, no caso de condenação, poderá ser decretada a perda da nacionalidade francesa. Como, então, acreditar no governo que, apenas uma semana antes, lamentava a possibilidade de a FN “ganhar uma ou duas regiões” nas eleições que se avizinham?

Cúpula do G20 dividida

Artigo de Marguerite Leuwen retrata as contradições que marcaram a cúpula do G20, reunida na Turquia apenas dois dias depois dos atentados.

A origem da desagregação dos territórios onde se instalou o Estado Islâmico (EI), está na decisão dos EUA e outras potencias de intervir na Síria, exacerbando massacres que provocaram a fuga de milhões de sírios – um milhão desembarcados na Europa – e o desenvolvimento do terrorismo.

De início, os EUA agiram em acordo com aliados tradicionais, a Turquia, Arábia Saudita e Israel, contra o Irã e a Rússia. Depois, subitamente, giraram para um acordo com o Irã desagradando aqueles aliados, que consideram o Irã um perigo ainda maior que o EI.

Por trás dos discursos pela unidade o que prevalece são os interesses das potencias, todas querendo garantir sua influência no Oriente Médio e região.

Por um lado, anuncia-se um bloco sólido contra o terrorismo, mas, por outro, ele é financiado e armado maciçamente (clique aqui e leia o texto “O que é o Estado Islâmico”).


 

Após os atentados, algumas reações sindicais em Paris

Há uma notável diferença entre uma nota do movimento sindical francês assinada com a CFDT (central sindical defensora da colaboração de classes) e outras tomadas de posição sem a CFDT.

No primeiro caso, um comunicado intersindical, assinado com a CFDT, depois de condenar os atentados e manifestar solidariedade às vítimas, limita-se a  afirma que “as organizações sindicais vão se reunir proximamente para prosseguir seu intercambio sobre a situação criada por esses atentados e prosseguir no seu compromisso de luta contra a regressão, as estigmatizações, as divisões, contra todas as tentativas de terror nas quais querem nos aprisionar os terroristas, afim de continuarmos a viver juntos em sociedade”.

Já as tomadas de posição de organismos sindicais sem a CFDT vão em outra direção como mostram os dois exemplos a seguir (trechos):

Da União Departamental da CGT de Paris, em 14.11: “Esse terrível 13 de novembro não deve ser a oportunidade para restringir as liberdades públicas: estamos preocupados pela instauração do estado de urgência e as eventuais consequências para os assalariados e cidadãos franceses. Seria paradoxal que as manifestações sindicais dos próximos dias não possam ocorrer justamente quando elas têm como temas centrais as liberdades, os direitos, a luta contra as violências patronais, a violência contra os imigrantes e a violência contra as mulheres…

Chamamos os trabalhadores da capital a desenvolver seus laços de solidariedade, não apenas para estarem reunidos neste momento trágico, mas também para contribuir para colocar um fim nas raízes dessa violenta sociedade em crise. A hora não é de desmobilização social em nome da ‘união nacional’, bem ao contrário.”

Da União Regional Força Operária de Ile-de-France (região onde se situa Paris), em 15.11: “Por ocasião dos atentados de janeiro de 2015 a URIF-FO reafirmou seu engajamento em favor da paz e sua oposição à guerra, a todas as guerras e seus desdobramentos. As guerras provocam o sofrimento, o desespero, a morte de milhões de pessoas filhas do povo, operários, estudantes, trabalhadores de uma maneira geral. É um ataque fundamental contra as liberdades, a igualdade e à fraternidade. Endereçamos a todos os que sofrem hoje a solidariedade que recebemos em todas as mensagens do movimento sindical internacional que nos chegaram. Elas marcam sua vontade de se engajar conosco para continuarmos a apresentar as reivindicações essenciais, as liberdades, a democracia, a laicidade.”

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