Estadão: ‘Nova política’ apoia modelo de ‘distritão’

Leia, na íntegra, artigo de Daniel Bramatti e Mateus Coutinho publicado no jornal O Estado de São Paulo em 7 de setembro.

“Em nome da ‘Verdade Eleitoral’, Marina sugere escolha dos deputados mais votados, descartando sistema que leva em conta o partido.

O programa de governo da candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, propõe “a adoção de novos critérios” para compor a Câmara dos Deputados se outras casas legislativas.A ideia seria buscar uma “aproximação da Verdade Eleitoral, conceito segundo o qual os candidatos mais votados são os eleitos”.

O que soa como obviedade representaria, na prática, uma mudança profunda no sistema eleitoral, no qual nem sempre o deputado mais votado conquista a vaga em disputa. Se a proposta de distribuir as cadeiras aos mais votados estivesse em vigor na eleição de 2010 para a Câmara, os beneficiados seriam PMDB, PSDB e DEM.

Hoje, ao votar em um candidato, o eleitor, ainda que não de forma consciente, registra primeiramente seu voto para um partido ou coligação. O total de votos do partido ou coligação é que define quantas vagas terá direito. Um candidato campeão de votos pode ficar de fora da lista de vencedores se sua legenda não alcançar o quociente eleitoral, piso de votos cuja fórmula leva em conta não só o desempenho dos indivíduos nas urnas, mas o de seus partidos.

Distrito

Em 2011, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) idealizou uma reforma política que, como a proposta de Marina, eliminaria esse sistema, ao estabelecer o que ele chamou de “distritão”. Cada Estado seria transformado em um distrito eleitoral, e, na prática, haveria uma eleição majoritária, e não mais proporcional, para o Legislativo.São Paulo, por exemplo, que tem 70 cadeiras na Câmara, elegeria os 70 candidatos mais votados, independentemente do desempenho dos partidos.

Se adotado, o voto majoritário acabaria com os “puxadores de votos” – candidatos que, dada sua alta popularidade, inflam votos de seus partidos e coligações e ajudam a eleger terceiros. Também seriam eliminados o voto de legenda e as coligações.

Se essa regra tivesse sido adotada na última eleição, a bancado do PSDB ganharia 12 cadeiras na Câmara dos Deputados, um crescimento de 23% em relação ao número efetivamente conquistado em 2010. O PMDB teria ampliação de 10 vagas (13%) e o DEM, de 7 (16%).

O programa de Marina não detalha de que forma as vagas seriam distribuídas entre os mais votados – se valeria a disputa por Estados ou se estes seriam divididos em distritos menores. O texto também não explica quais seriam as vantagens do novo sistema.

Desequilíbrio

Reduzir o número de partidos não é um objetivo no programa de Marina – o PSB, de pequeno porte, teria a existência ameaçada por qualquer medida nesse sentido. Pelo contrário, o programa critica pontos da atual legislação que,segundo ela, beneficiam grandes partidos.

Um desses aspectos é o financiamento de campanhas por empresas. “No Brasil, há uma liberdade quase ilimitada no financiamento privado dos partidos, o que resulta em competição com base em condições absolutamente desiguais”, diz o texto.

Outra regra criticada é a da distribuição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e TV, que hoje leva em conta o tamanho das bancadas na Câmara. O PSB, com menos de 30 parlamentares, tem direito a apenas dois minutos de propaganda em cada bloco de 25 minutos, ou cerca de 8% do total. O partido propõe “a redefinição da distribuição do tempo de propaganda eleitoral com base em novos critérios visando a melhorar a representatividade da sociedade brasileira nos parlamentos”.

Genérica

Especialistas avaliam que o programa traz à tona uma discussão importante, mas a forma como foi abordada pode gerar mais problemas. “Entre fazer um diagnóstico correto e propor um remédio correto há uma distância muito grande”, diz o professor da Unicamp Roberto Romano. Segundo ele, da forma como está colocada, a proposta corre o risco de apenas transferir um modelo de votação do Executivo para o Legislativo. “Há essa tentação, o que seria uma uniformização segundo o padrão do Executivo e não de uma democracia representativa”, diz.

O professor da UNESP Milton Lahuerta, questiona: “Como vai ser esse voto? O mais votado no Brasil inteiro? Vai haver um distrito que será o Estado?” Para ele, a proposta é genérica. “Independentemente de vinculo partidário, o mais votado fica com a cadeira? Isso favoreceria o candidato com mais dinheiro, o candidato das mídias e candidatos sem vínculos programáticos”, afirma.”

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