Orçamento Participativo, Nossa Posição

Aplicado há 13 anos pela prefeitura petista de Porto Alegre, sob o impulso em particular da corrente petista Democracia Socialista,  o “Orçamento Participativo ” (OP) é a bandeira sob a qual se pretende hoje reunir a qualquer custo todas as organizações dos trabalhadores no Brasil e no mundo.

Para os que consideram que é uma iniciativa de interesse dos trabalhadores, porém, causa espanto imediato o apoio que o Orçamento Participativo vem conseguindo na classe dominante e nas principais organizações mundiais do grande capital.

Vejamos:

– O Banco Mundial acaba de traduzir , publicar e difundir internacionalmente o livro-manual de propaganda e aplicação do Orçamento Participativo, escrito pelo prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, e por Ubiratan de Sousa: “O Orçamento Participativo: A Experiência de Porto Alegre”.

– Em 2000, mais de 140 prefeituras de todo o Brasil – 73 do PT e 25 do PDT, 13 do PSDB, 9 do PMDB, 6 do PSB, 4 do PFL, 4 do PRP, 2 do PPB, 2 do PTB , 1 do PV e 1 do PPS – aplicaram o Orçamento Participativo.

A prefeitura petista de São Paulo começa a fazer o mesmo. O coordenador do Orçamento Participativo, Félix Sanchez, da corrente petista Democracia Socialista, declarou que as “ reuniões públicas ajudarão a dosar as demandas”. (OESP 16/4/01)

O Orçamento Participativo é aplicado no México, Toronto (Canadá), Saint-Denis (França)… Milhares de prefeituras no mundo todo são chamadas a entrar nesta linha.

A corrente O Trabalho do PT , seção brasileira da 4ª Internacional, combate e sempre combateu pela independência da classe operária, independência que se concretiza na sua organização em partidos, sindicatos e entidades independentes.

Por isso, consideramos nosso dever alertar os trabalhadores, militantes e organizações sobre o perigo mortal que representa a política do Orçamento Participativo para seus direitos, para o livre exercício do direito de lutar por suas reivindicações, pela democracia e pela própria existência das organizações operárias e populares.

Após 13 anos de exercício do Orçamento Participativo em Porto Alegre, qual é o resultado?

Os fatos são:

1. A União das Associações de Moradia de Porto Alegre (Uampa), que participa do Conselho do Orçamento Participativo, organização tradicional que reúne as associações de moradores da cidade, hoje está esvaziada e não conseguiu nem mesmo realizar seu último congresso.

2. O Sindicato dos Trabalhadores Municipais (Simpa), que também participa do Conselho do Orçamento Participativo, encontra-se hoje comprometido na “arbitragem” entre as reivindicações da categoria e as demais demandas das outras entidades, respeitando o consenso que comanda o Orçamento Participativo.O SIMPA não existe mais enquanto organização sindical independente porta-voz das reivindicações próprias da sua base social.

3. No Orçamento Participativo fala-se muito em democracia, mas pouco se sabe sobre como são designados os conselheiros. Seu “Regimento Interno – Critérios Gerais, Técnicos e Regionais”, editado pela prefeitura em 2000, estabelece que, para a eleição dos conselheiros, quando há mais de uma chapa, será aplicada a seguinte tabela de proporcionalidade:

24,9% ou menos dos votos …………………………………. não elege delegados

25% a 37,5% dos votos ………………………………………. 1 (um) suplente

37,6% a 44,9% dos votos ……………………………………. 2 (dois) suplentes

45% a 55% dos votos …………………………………………. 1 (um) titular e 1 (um) suplente

55.1% a 62,5% dos votos ……………………………………. 2 (dois) titulares

62,6% a 75% dos votos ………………………………………..2 (dois) titulares e 1 (um) suplente

75,1% dos votos ………………………………………………….2 (dois) titulares e 2 (dois) suplentes

Bela “democracia”, não?  Nesse modelo, uma minoria que tem quase a metade dos votos fica apenas com suplentes. Esta regra não é casual. É assim que se constrói o “consenso”, descartando qualquer oposição.

4. O exame do orçamento global da prefeitura de Porto Alegre mostra que, de 1991 até 2000, a prefeitura aumentou em 3,4 vezes a receita do ISSQN (Imposto Sobre Todos os Serviços), que afeta o conjunto da população, já que é cobrado dos prestadores de serviços, que por sua vez repassam este custo à população.

De R$ 42,58 milhões arrecadados em 1991 (valores corrigidos), passou-se para R$ 146,06 milhões em 2000.

Ao mesmo tempo a receita do IPTU (Imposto Territorial Urbano), afetando o conjunto da população foi aumentado em 400%. De R$ 21.078.314,88 em 1991 passou para R$ 83.450.098,77 em 2000 (Contando com a correção monetária).

5. Entre 1993 e 2000, o pagamento dos encargos e amortização das dívidas interna e externa do município foi multiplicado por 5,7. O valor retirado do orçamento municipal passou de R$ 2,2 milhões em 1993 para R$ 13 milhões em 2000.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores, moradores das vilas, estão confrontados à trágica falta de moradias, creches, escolas, postos de saúde e esgotos. Estão condenados a escolher qual a “prioridade” preferem no orçamento: os esgotos que os salvariam das enchentes permanentes ou a creche para seus filhos, pela qual esperam há 15 ou 20 anos. E atenção: quando falamos da dívida de Porto Alegre, falamos de uma prefeitura pouco endividada. O estrangulamento será ainda maior em São Paulo e outras cidades.

6. A prefeitura de Porto Alegre, assim como outras prefeituras, está submetida à lei Kandir –que retira parcelas dos impostos que voltariam aos municípios, entre eles o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), e os destina ao subsídio aos patrões exportadores– e ao DRU (Desvinculação de Receitas da União) , mecanismo que autoriza o governo federal a não repassar aos municípios os recursos de constitucionalmente a eles destinados, como saúde, educação, etc, numa espécie de confisco. Assim, de seu orçamento municipal, por exemplo no ano de 1998, o governo FHC desviou R$ 76,7 milhões : R$ 38 milhões com a Lei Kandir, R$ 22,7 milhões através da extinção do IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustível,), R$ 6,5 milhões retidos pelo governo federal graças ao FEF (que permitia ao governo reter 20% do total das verbas que a União deveria repassar a estados e municípios – foi extinto e substituído pelo DRU) e R$ 9,5 milhões através do Fundef (retirado do município para gerir o fundo de descentralização da educação, que financia a rede de ensino, cuja maior parte era responsabilidade do governo do Estado).

Estes R$ 76,7 milhões representariam cerca de 3.040 unidades habitacionais ou 635 km de construção de esgotos cloacais, cuja falta é o pesadelo das populações das vilas, submetidas às permanentes e devastadoras enchentes.

7. O gasto orçamentário com as terceirizações aumentou 34 vezes em 11 anos, passando de R$ 11 milhões, em 1989, para R$ 377 milhões em 2000. Quer dizer, uma parte cada vez maior do serviço público municipal vem sendo feito por empresas privadas ou trabalhadores avulsos.

Terceirizações, parcerias, convênios, enxugamento do Eestado… Todas Estas são as receitas do receitas promovidas pelo Banco Mundial e do FMI, ao título de redução das despesas públicas, foram e são aplicadas em uma escala crescente pela prefeitura de Porto Alegre, que organiza o Orçamento Participativo

O Orçamento Participativo funciona como um instrumento de generalização da terceirização do serviço público. Isso fica claro no “Plano de Investimentos e Serviços 2001”, que é a síntese das “prioridades” definidas pelo Orçamento Participativo, onde está previsto:

  • Na área de assistência social, serão “repassados recursos a entidades não-governamentais que desenvolvem atividades”, e serão feitos convênios com 54 entidades;
  • Oficina do Trabalho Educativo: “convênio com entidades não-governamentais”;
  • Albergues conveniados;
  • Educação: “auxílio a creches comunitárias: o orçamento de 2001 prevê R$ 5,1 milhões para realização de convênios com 130 creches e 120 turmas de berçários”.
  • Considerando apenas o orçamento de passado (2000), as transferências do orçamento municipal para instituições privadas atingiram:
  • R$ 6,34 milhões na Educação, o que é 50% a mais do que o total dos investimentos do ano da prefeitura em escolas públicas municipais;
  • R$ 5,25 milhões na Saúde, o que é o dobro dos investimentos da prefeitura no serviço público municipal de saúde;
  • A coleta de lixo já está completamente terceirizada e privatizada (97% em 1997, 100% em 2000);
  • Através de mecanismos de convênios, o PSF (Programa de Saúde Familiar) transfere às associações de bairro a contratação de médicos e enfermeiras no lugar dos serviços públicos municipais de saúde;
  • O Programa de Creche Comunitária transfere às associações de bairro a gestão e administração de “creches comunitárias”, que não dispõems do pessoal nem da infra-estrutura das creches municipais.

8. Aplicando com o rigor o SUS (Sistema Único de Saúde, política nacional do governo federal de municipalização da Saúde), a prefeitura de Porto Alegre aceitou impor à população o repasse, às custas do orçamento municipal, de uma parte crescente das despesas de saúde abandonadas pela União.

Entre 1998 e 2000, enquanto os repasses da União, através do SUS, diminuíram de R$ 358,8 milhões para R$ 299,54 milhões, as despesas do município aumentaram para R$ 415,53 milhões. Apenas em 2000, foram subtraídos do orçamento municipal R$ 115 milhões. Com este valor poderiam ser construídas 4.560 unidades habitacionais (UHS) ou 953 km de esgotos cloacais.

9. Enquanto a Lei Camata –e agora a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)– determina às prefeituras e aos governos que limitem a 54% de sua receita líquida o valor global dos salários e aposentadorias dos funcionários municipais, a prefeitura de Porto Alegre, que aplica o Orçamento Participativo, se vangloria de ter aplicado “critérios mais rigorosos”, limitando a 48% a folha de pagamento dos ativos e aposentados da função pública municipal de Porto Alegre.

Essa diferença de 12% permitiria atender à reposição salarial e criar postos de trabalho, em vez de jogar tudo na terceirização e ONGização dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social.

Estes são os fatos

Ao contrário do que se pretende, o Orçamento Participativo não é uma “forma inovadora” da democracia.

10. O Orçamento Participativo é o instrumento maior de uma política corporativista que visa integrar, destruir as organizações sindicais e populares independentes, para permitir a aplicação das medidas exigidas pelo capital financeiro internacional (pagamento da dívida, contenção das despesas públicas, terceirização, privatizações…). Trata-se de um novo corporativismo, no sentido de uma sociedade concebida como um corpo, negando a luta de classes e a existência de qualquer oposição, o que foi historicamente a base para toda a forma de totalitarismo.

O Orçamento Participativo nada mais é que dar satisfação ao imperialismo confrontado à resistência difícil, tenaz dos trabalhadores e dos povos. Para tentar chegar até o fim em seus objetivos, o imperialismo, as instituições internacionais e os governos precisam comprometer as direções das organizações dos trabalhadores com a aplicação dos planos de ajuste – o que as levaria à sua própria destruição.
O presidente do Conselho Federal de Contabilidade, José Serafim Abrantes, declarou ao jornal O Estado de São Paulo : “os especialistas não têm dúvidas: os municípios com gestão participativa tendem a ter menos dificuldade de se adequar à Lei de Responsabilidade Fiscal”. A Lei de Responsabilidade Fiscal – elaborada pelo governo FHC, sob orientação direta do FMI, para garantir o comprometimento dos recursos públicos com o pagamento da dívida e seus juros – estipula em seu artigo 48:

“ São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal ; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único.

A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.”

11. Fundada sobre o objetivo corporativista do “consenso” entre os diversos interesses ditos “comunitários”, o Orçamento Participativo é a negação da democracia, a qual supõe a livre expressão dos interesses de classes opostas. É a forma sobre a qual está colocada em questão a democracia do mandato, e pela qual os trabalhadores estão chamados a abandonar a luta de classes e as organizações independentes estão chamadas a se integrarem.

O próprio prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, declarou há pouco em uma entrevista publicada em Paris (França), que, “em princípio, não preciso mais da Câmara Municipal, basta o Executivo se debruçar nos conselhos do Orçamento Participativo”. O livro “O Orçamento Participativo – A Experiência de Porto de Alegre”, hoje difundido no mundo todo pelo Banco Mundial, explica que “cria-se desta forma o espaço aberto por meio do qual surgem condições para a formação de um novo tipo de cidadão (…) que se diferencia do cidadão tradicional, o qual só se afirma mediante demandas isoladas ou apenas exerce a sua cidadania por meio de revoltas isoladas e impotentes”. É um verdadeiro manifesto do corporativismo reacionário.

Nós, militantes do movimento dos trabalhadores, rechaçamos este conceito global de sociedade onde a oposição seria inexistente. Enquanto o problema da sociedade propriedade privada dos meios de produção não estiver resolvido revolucionariamente, com o advento da democracia operária, continuamos sendo partidários da democracia política, democracia do mandato, democracia representativa, na qual trabalhadores e cidadãos dispõem do direito de reivindicar, manifestar, fazer greve, lutar por suas reivindicações e demandas próprias. É isso que garante a independência do movimento sindical, deixando-o agir sobre o terreno de classe, pela defesa dos interesses particulares dos trabalhadores, garantindo-lhes a liberdade de lutar, negociar, contratar utilizando inclusive o seu direito de greve. Mesmo que os o que não obstante partidários do Orçamento Participativo afirmem o contrário, dizem, não são “revoltas isoladas e impotentes”.

12. O Orçamento Participativo é a submissão ao pretenso “horizonte intransponível do mercado livre”, a renúncia à luta para acabar com o sistema da propriedade privada dos meios de produção. É a aceitação do quadro estabelecido pela extorsão da mais-valia. Extorsão que, na atual época do imperialismo apodrecido, decorre cada vez mais da destruição da própria força de trabalho.

Isso o Banco Mundial entende perfeitamente. É isso que o levou a tornar o Orçamento Participativo a chave de sua

política. É por isso que o Banco Mundial traduziu e difunde no mundo inteiro o livro do prefeito de Porto Alegre. E o Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre a partir de iniciativa da ONG Attac, forneceu a esta política reacionária uma tribuna internacional, e agora no Brasil e no mundo inteiro pretende impô-la a todas as organizações dos trabalhadores e do povo.

Direção Nacional da corrente O Trabalho – abril de 2001

 

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