Palestina: Entrevista com Luisa Hanoune

A secretária geral do Partido dos Trabalhadores da Argélia foi entrevistada pelo jornal francês Informações Operárias (IO) no dia 26.08.2014. Leia aqui a entrevista na íntegra:

IO: O que você pode nos dizer sobre os mais recentes acontecimentos em Gaza?

Luisa: Nenhuma trégua foi respeitada. O governo de Israel rompeu todas as tréguas efetuando bombardeios maciços.

Na Argélia, do ponto de vista da mídia, temos a vantagem de conhecer a realidade dos fatos, diariamente. Os canais palestinos transmitem ao vivo as informações, os massacres e as destruições.

Já não há água nem eletricidade. Os hospitais foram parcialmente destruídos pelas bombas e, superlotados, estão sem meios de atendimento e sobrecarregados. Gaza está completamente isolada. É um verdadeiro gueto, tanto do lado de Israel quanto do Egito, pois a passagem de Rafah (na fronteira com o Egito) está fechada.

É a expressão de uma clara vontade de exterminar todos os seus habitantes.

Mas não apenas em Gaza. Também na Cisjordânia foram mortos mais de vinte manifestantes que expressavam solidariedade com os seus irmãos de Gaza.

Mas não se trata somente de mais uma agressão. Surgiu algo de novo no coração da população palestina: um novo estado de espírito que diz: “jamais haverá novo recuo”. 

A televisão transmite diariamente o que diz a população.

Um pai de família que perdeu toda a sua família, sobre as ruínas de sua casa, dirige-se ao mundo inteiro e diz: “Estamos prontos para dar até à nossa última gota de sangue. Recusamos continuar a viver confinados, assombrados pelas bombas israelitas e na mais aterradora miséria.”.

É a revolução palestina que levanta a cabeça.

Homens e mulheres procuram as suas casas e não as encontram! Não há mais nada. Várias cidadezinhas foram completamente devastadas. Famílias inteiras foram dizimadas às dezenas.

A população palestina dirige-se ao mundo inteiro, todos os dias, por meio dos canais de televisão e saúda a mobilização internacional na Europa, na Ásia e nas Américas. Lá não existe a censura que vemos aqui em França. Estou horrorizada com o silêncio da comunicação social francesa, com a sua desinformação.

Esta situação é nova porque não é apenas Gaza que resiste, que combate: é toda a Palestina; são todos os territórios da Palestina.
Os palestinos dizem: “Os acordos, as conversações… acabaram! A cada vez nós perdemos um pouco mais. Nós queremos viver livres e com dignidade, nós queremos recuperar toda a nossa terra. Nós queremos que os povos tenham o direito de viver em paz.”.

Desde 1993 e da assinatura dos Acordos de Oslo, a questão central do direito ao retorno dos seis milhões de refugiados estava abafada. Eu a vi ressurgir com tremenda força hoje! Não apenas entre os refugiados nos campos do Líbano e nas manifestações de solidariedade na Jordânia, onde 80% da população são palestinos, mas também no interior dos territórios em Gaza.

“Não iremos para lugar nenhum! Recusamos-nos a partir. Fomos enganados em 1947 e 1948; fomos expulsos em 1967 e agora não sairemos daqui. Aqui é a nossa terra, é aqui que vamos morrer, eles que nos matem a todos, nós não sairemos.”

Na Cisjordânia, no interior das fronteiras de 1948 (Estado de Israel) e em todos os campos de refugiados essa questão ressurge nas manifestações.

O povo palestino está unido como há muito tempo não se via. Um sentimento que atravessa todas as suas componentes em Gaza, na Cisjordânia e no interior das fronteiras de 1948.
E foi nas fronteiras de 1948 que tudo começou com o assassinato do jovem de 16 anos. Há enfrentamentos diários com a polícia em Nazaré. E há uma extraordinária unidade entre os refugiados palestinos.

IO : Você considera que esses desenvolvimentos significam uma nova etapa?

Luisa: Em primeiro lugar, esta agressão ocorre num momento de crise profunda do sistema capitalista. Ela desnudou a barbárie sionista. É preciso que se diga que foram destruídos 200 mil empregos em Gaza, segundo os sindicatos palestinos. E numa situação em que 73% da população em idade de trabalhar já estava sem emprego. Os preços explodiram com aumentos entre 40% e 200%, além de ser preciso negociar a passagem de alimentos. Já não há forma alguma de sobreviver.

É um ponto de ruptura, uma modificação radical do estado de espírito e portanto da relação de forças.

O exército israelita matou, mas Israel não venceu, não derrotou o povo palestino, não derrotou a revolução palestina, muito pelo contrário!

Quando a delegação palestina partiu para negociar no Cairo, todos os canais de televisão transmitiam os alertas da população para a delegação: “não aceitamos nenhuma concessão. O mínimo para nós é a suspensão do bloqueio, a abertura do aeroporto, do porto, é o fim da agressão e dos bombardeios, é a liberdade de transportar os produtos e medicamentos de que necessitamos e os materiais para reconstruir…”.

A questão palestina estava refém os regimes árabes traidores da região, os principais cúmplices da tragédia de 1947. As máscaras de todos eles caíram. A começar por Al-Sissi, o presidente do Egito. Pela primeira vez não houve manifestações no Egito que, antes, era o primeiro a colocar-se em movimento a favor da Palestina. É a camisa de força colocada sobre a sociedade egípcia. O Qatar e a Arábia Saudita teriam sugerido ao Governo israelita acabar com a resistência palestina!

O próprio Abbas (presidente de Autoridade Palestina – nota do tradutor) foi levado a exigir a suspensão do bloqueio e a apoiar a resistência.

Até o Hamas foi levado a reconhecer que a resistência é plural.

Sim, evidentemente há o Hamas, há a FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina) e outras facções armadas. Há inclusive o Fatah que se reivindica da resistência, porque o povo a apoia.

Mas as máscaras caíram.

Alguns pensaram que o Irã iria se mexer porque a sua posição tradicional é a defesa da Palestina, mas não! Desta vez há novas considerações que decidiram colocar na balança.
Isso só reforça o fato de que a resistência palestina não foi derrotada. E foi essa resistência popular e a determinação do povo de Gaza em querer permanecer na sua terra que, embora com meios primários, modificaram a situação.
“Nós não partiremos mais, ao contrário, são os refugiados que devem voltar”, dizem eles.

A mobilização internacional é essencial.

Também houve manifestações de judeus israelitas, principalmente em Tel-Aviv. Todos os canais palestinos mostraram as manifestações de judeus israelitas. Somos apoiados – diziam os palestinos – por judeus anti-sionistas. O apelo dos judeus sobreviventes ou filhos de sobreviventes dos campos nazistas “Não em nosso nome” encontrou um eco extraordinário nos canais palestinos. Eles também saudaram os governos da América Latina que chamaram seus embaixadores de Israel.

IO: E sobre as relações entre Obama e o Estado de Israel?

Luisa: Na realidade, o Estado de Israel está completamente abalado. Ouvimos Netanyahou dizer: “não podemos entrar em Gaza porque isso levaria milhares de soldados israelitas à morte e para nós isso seria uma armadilha”.

Na verdade, eles foram muito longe e Obama foi obrigado a utilizar a palavra “atroz” e intervir para frear o ataque de Israel logo após o bombardeio de uma escola em Unruwa.
Essa guerra de exterminação exacerba a crise internacional, a crise do sistema capitalista. Obama foi abalado, Hollande e todos os imperialistas que sustentam o Estado teocrático hebreu estão abalados. E os seus servos, como os regimes árabes da região estão totalmente isolados. Estão em pânico.
Na Argélia, a imprensa destacou a concomitância entre os massacres coletivos dos yazidis e cristãos no Iraque pelo Estado Islâmico do Levante (EIL) e os bombardeios sobre Gaza apoiados por Obama, Hollande e outros.

É claro que nós somos contra os massacres dos yazidis e cristãos. Mas que política é essa que autoriza o massacre da população de Gaza e diz pretender salvar outros povos de outros massacres?

Hillary Clinton explica em seu livro que o Estado Islâmico do Levante é uma criação da CIA. É uma confissão que ela faz: “Nós fabricámos a Al-Qaida e o EIL”.
É toda a região que mergulha na barbárie: o Líbano, o Iraque e a Síria.
Obama decidiu intervir no Iraque e talvez também na Síria.

A campanha internacional de solidariedade com Gaza não tem precedentes.

E foi também essa campanha que obrigou Obama a fazer uma inflexão e dirigir-se a Netanyahou pedindo-lhe que não bombardeasse escolas da ONU, como se bombardear todo o resto fosse aceitável!

IO: Que fazer?

Luisa: Em julho, quando a agressão sionista começava, nós, em conjunto com a União Geral dos Trabalhadores Argelinos (UGTA), por ocasião do curso de formação de verão do Partido dos Trabalhadores, tomamos a iniciativa de chamar a mobilização em defesa do povo palestino e contra os bombardeios.
Inscrevemos a nossa ação no terreno operário e popular.

A classe operária argelina mobilizou-se. Marchas e manifestações espontâneas ocorreram em todo o país, sem cobertura da mídia. Os trabalhadores estão mandando parte do seu salário por Gaza.

Dos países da região, o Estado argelino é o tem a posição mais clara, a mais nítida sobre a questão palestina.
Somos o único país árabe que não tem nenhum tipo de relação com Israel. O Estado argelino jamais reconheceu Israel, jamais!Nem relações comerciais, nem relações diplomáticas.

Isso nos abre possibilidades.

A Argélia é solidária financeira, material e politicamente. Condena firmemente os bombardeios e o bloqueio. Quando fizemos uma jornada de mobilização, organizada pela UGTA e pelo PT, todas as instituições fizeram paralisação do trabalho, inclusive o Governo, do mesmo modo que os trabalhadores e as camadas populares.
Obama e Al-Sissi dizem: é preciso um cessar-fogo. Mas o que é preciso, sim, é o fim dos bombardeios israelitas.

O povo palestino é colonizado e todo povo colonizado tem que ter o direito de se defender.

Como argelinos, nós sabemos bem o que isso significa. Ainda mais que as armas de Israel, o quarto mais poderoso exército do mundo, são fornecidas pelos EUA. Portanto, é importante quando vemos nos EUA manifestações com palavras de ordem como “Não à ajuda financeira” porque o Congresso dos EUA acrescentou 225 mil milhões de dólares de ajuda ao exército israelita.

É a classe operária que deve e que pode pesar nessa situação. Para ajudar o povo palestino a derrotar o colonizador e a recuperar os seus direitos históricos.
Nós temos a possibilidade de unificar a classe operária, o mais amplamente possível, com as camadas populares, com o movimento democrático, por meio de uma campanha internacional lançada a partir de Argel. O Secretário-Geral da UGTA, Sidi-Saïd, enviou uma carta à Organização Internacional do Trabalho (OIT) e à Confederação Sindical Internacional (CSI) para pedir que se posicionem. Parece que a CSI já teria tomado posição pela suspensão do bloqueio e o fim dos bombardeios.

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