Quarenta anos do levante de Soweto

Movimento representou um salto na luta contra o Apartheid na África do Sul

No dia 16 de junho foi realizado um ato para comemorar os 40 anos do Levante de Soweto, que representou um giro na luta do povo negro contra o regime racista do Apartheid. Ele foi convocado pelo Partido Socialista da Azania, (SoPA) em unidade com outras organizações do Movimento da Consciência Negra (fundado e dirigido por Steve Biko, preso e torturado até a morte pela polícia do Apartheid um ano após o levante) e também pelo Congresso Pan-Africano.

Reproduzimos abaixo trechos do discurso de Lybon Mabasa, dirigente do SoPA e do Acordo Internacional dos Trabalhadores. À época do levante, Lybon era professor de escola secundária em Soweto, região segregada aos negros trabalhadores na periferia de Joanesburgo – a maior cidade da África do Sul.  Os inter-títulos são da redação.

O povo negro de punhos cerrados

“O 16 de junho de 1976 firmou- se como um dos mais importantes dias da luta pela libertação do povo negro contra o regime Apartheid: foi o levante dos estudantes de Soweto. Hoje, muita gente reivindica a participação no levante. Mas o fato é que o levante foi organizado pelo Movimento de Consciência Negra (MCN), e não pelas organizações tradicionais de então.

Na época, o Congresso Nacional Africano (CNA) – que integra o Partido Comunista Africano e outros e outros líderes como Nelson Mandela – que é visto como liderança no movimento de libertação fez questão de desvincular-se do levante. No dia seguinte ao seu início, seu Secretário Geral desdenhava os eventos ocorridos. Tanto o CNA quanto o CPA (Congresso Pan Africano) tiveram de encontrar meios para apoiar uma revolução que eles não prepararam nem anteciparam.

O levante de Soweto mudou a forma dos protestos na África do Sul. O povo negro não iria mais esperar pela benevolência e magnanimidade de seus opressores; ao contrário, iria lutar com punhos cerrados por sua libertação. Esta era a essência trazida pelo MCN.

Não foi um levante espontâneo; foi o resultado direto do árduo e incansável trabalho do MCN nas comunidades negras, tanto através de discussão política quanto por meio de projetos. Isso levou a mensagem do orgulho negro que matou o dragão da inferioridade junto ao nosso povo.

Ademais, o MCN, ao tomar tais iniciativas, não mostrou qualquer hostilidade a nenhuma das organizações que a precederam – CPA, CNA e o Movimento de Unidade Não Europeia (MUNE). O MCN agia de forma independente sob sua própria direção e orientação, mas sempre disposto a trabalhar em campanhas unitárias com as demais forças tradicionais.

 

lybon
Lybon Mabasa

Surge uma nova geração de militantes

O levante começou como uma revolta de estudantes secundaristas da periferia negra, sob a liderança do Movimento dos Estudantes Sul Africanos (MESA), impulsionada pelo MCN. A expulsão de membros do MCN de universidades negras em 1972 (Lybon e Biko entre tantos] obrigou-os a tornarem-se professores de escolas secundaristas, que estavam com falta de professores; passaram então à politizar os alunos.

Surgiu uma nova e radicalizada geração de militantes secundaristas que rapidamente se espalhou pelo país todo. Organizados no MESA, estavam sempre dispostos a confrontar racistas brancos mesmo em suas áreas de conforto, especialmente nas cidades. Eram facilmente identificados por seus cabelos longos e despenteados que, como panteras negras, estavam sempre prontos para o ataque. Eles eram a garotada heróica de Steve Biko; absorveram a filosofia de “nenhum compromisso com o sistema em qualquer nível”, autoconfiança, independência política e, acima de tudo, a superação do medo criado pelo sistema do regime racista para suprimir e explorar a maioria negra. O MCN também defendia a solidariedade dentro da comunidade negra tornando mais fácil às pessoas identificarem seus reais inimigos.

A fagulha que se espalhou no dia 16 de junho havia sido preparada por um comitê de ação constituído alguns dias antes sob a iniciativa de Tsietsi Mashinini, dirigente da MESA na Escola Secundária Morris Isaacson. Num ato público (proibido pela polícia) ele fez o discurso do MCN: “poder negro, amandla! Uma Azânia, uma nação!”

Era um chamado à luta exigindo terra e todo o poder à maioria negra. Tais palavras de ordem do MCN se espalharam entre estudantes de várias escolas. Nas comunidades, isso ficou conhecido como os levantes do “poder negro”.

O uso do termo “Azania” (nome dado ao país pelos povos negros), embora tenha sido primeiramente sugerida pelo CPA, foi popularizado pelo MCN com profunda influência nos estudantes.

Frente às simbologias das organizações tradicionais. Os jovens estudantes tinham seus cantos e símbolos próprios, diretamente influenciados pelo MCN.

Quando fui convocado ao tribunal em Pretoria, no dia seguinte ao levante, o juiz e o procurador me acusaram, dizendo que os membros do MCN que estavam sendo julgados eram os responsáveis pelo levante que estava varrendo o país.

Nós, é claro, reconhecemos a importância e os esforços feitos por militantes de outras organizações – como o CNA e o CPA – na luta pela liberação nacional. Mas particularmente no levante de Soweto elas tiveram pouca influência. Vários líderes estudantis foram presos e torturados, centenas morreram.

Vários foram condenados por tribunais com cartas marcadas. Mas eles entravam nos tribunais cantando os hinos do movimento e com punhos cerrados e erguidos. Tais heróis se juntam a tantos outros na mesma luta pelo continente africano, mas também àqueles que, fora da África, lutaram contra sua escravização na diáspora.

O poder branco foi mantido

Hoje, 40 anos depois, vivemos sob um governo predominantemente não-branco. Contudo, membros de tal governo, com falsas credenciais de luta (que hoje infundadamente reivindicam terem liderado o levante de 1976) continuam a submeter a maioria negra a uma sociedade dividida por classe e por raça. Ao invés de “poder negro”, privilégio e poder branco foram mantidos na “Nova” África do Sul.

Os brancos continuam a viver nos ricos subúrbios segregados – onde apenas uma pequena classe compradora não-branca consegue ter acesso. Enquanto negros sofrem desemprego muito maior, têm acesso a escolas e hospitais públicos sucateados e ameaçados de fechamento.

Nós chamamos a unidade das organizações negras para lutar pelo aprofundamento da democracia e pelos direitos de nosso povo. O partido majoritário no governo, o CNA, deveria apenas ser apoiado se aplicasse um programa para melhorar a vida de nosso povo, se não pagasse a dívida pública herdada pelo Apartheid, se construísse escolas e hospitais, se parasse com as privatizações, se atacasse o privilégio branco.

Mas o SoPA e as demais organizações do campo do MCN, bem como o PAC, não podem em nome da unidade negra dar apoio ao CNA com as políticas que eles aplicam hoje de subordinação ao imperialismo. Somos também contra centrais sindicais que permitem serem usadas como correia de transmissão para justificar privatizações em nome de seus patrões. Em todo o mundo a classe trabalhadora luta para que saúde, educação, previdência e terra devam estar sob controle público. O levante de 1976 encontra ressonância em nosso programa atual”

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