150 anos do nascimento de Lênin

Neste dia 22 de abril completam-se 150 anos do nascimento do principal dirigente da revolução russa de outubro de 1917. Vladimir Ilyitch Ulianov, o Lênin, nasceu em Simbirsk, uma cidade rural na Rússia, em um 22 de abril de 1870. Militante revolucionário desde a juventude, passou boa parte de sua vida exilado por conta das perseguições da política do regime monarquista russo. Desde cedo suas energias de militante estiveram voltadas para a elaboração teórica e a ação revolucionária da classe operária e sua organização independente das classes dominantes. Participou ativamente da construção do movimento operário na Rússia e dentro da então IIª Internacional, combatendo as alas reformistas que se aliaram às burguesias durante a Primeira Guerra (1914-1918).

Escreveu inúmeros textos e livros de intervenção política nos anos de exílio e que ajudaram a forjar um poderoso partido revolucionário, o partido bolchevique. Esse partido foi decisivo para levar os sovietes e a classe operária ao poder em outubro de 1917. Com a queda do regime monarquista russo em fevereiro de 1917, Lênin regressou à Rússia em abril para participar diretamente da revolução. O pequeno texto que se segue – escrito no meio da revoluções russas entre fevereiro e outubro – é um bom exemplo, entre inúmeros outros, de como Lênin manejava a tática revolucionária e criticava aqueles militantes presos a fórmulas políticas ultrapassadas sem muitas vezes se darem conta das mudanças velozes de uma situação política revolucionária. Era uma situação que exigia não apenas um partido, mas uma política independente e consciente para a classe operária, que não se prendesse às manobras da burguesia para amarrar e confundir a massa de trabalhadores.

Estes buscavam uma saída mas tinham ainda grandes ilusões em direções políticas reformistas como os mencheviques, que se opunham a uma via revolucionária e socialista para a revolução. Lênin teve que batalhar para convencer seu próprio partido a definir um novo salto para a revolução que ocorria em 1917. Lênin não era um gênio infalível e iluminado como depois os manuais stalinistas tentaram retratar, mas um militante e dirigente revolucionário que agia e elaborava no ambiente coletivo de debates e divergências com seus camaradas de partido e de movimento. Reler e homenagear Lênin em seus 150 anos de nascimento é uma homenagem também ao movimento operário internacional.


 

Trecho de Cartas sobre a Tática, V. I. Lénine (26 de Abril de 1917)

Em 4 de Abril de 1917 tive de apresentar em Petrogrado um relatório sobre o tema indicado no título, primeiramente numa assembleia de  bolcheviques. Eram delegados à conferência de toda a Rússia dos sovietes de deputados operários e soldados, delegados que tinham de partir e por isso não me podiam conceder nenhum adiamento. No fim da assembleia o seu presidente, camarada G. Zinoviev, propôs-me em nome de toda a assembleia que repetisse de imediato o meu relatório numa assembleia dos delegados  bolcheviques e mencheviques que queriam discutir a questão da unificação do Partido Operário Social-Democrata da Rússia.
Por mais difícil que me fosse repetir imediatamente o meu relatório, não me considerei no direito de recusar, uma vez que o reclamavam tanto os meus correligionários como os mencheviques, que, devido à sua partida, realmente não me podiam conceder um adiamento.
No relatório li as minhas teses, publicadas no n.° 26 do Pravda, de 7 de Abril de 1917.
Tanto as teses como o meu relatório suscitaram divergências no seio dos próprios  bolcheviques e da própria redação do Pravda. Depois de uma série de reuniões, chegamos unanimemente à conclusão de que o mais adequado era discutir abertamente estas divergências, dando desse modo material para a conferência de toda a Rússia do nosso partido (o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, unificado pelo Comité Central), que se iria reunir em 20 de Abril de 1917 em Petrogrado.
É em cumprimento desta decisão sobre a discussão que publico as cartas seguintes, sem pretender estudar nelas a questão em todos os aspectos, mas desejando apenas apontar os argumentos principais, particularmente essenciais para as tarefas práticas do movimento da classe operária.

Carta I
Apreciação do Momento
O marxismo exige de nós que tenhamos em conta do modo mais preciso e objetivamente verificável a correlação das classes e as particularidades concretas de cada momento histórico. Nós, bolcheviques, sempre nos esforçamos por ser fiéis a esta exigência, absolutamente obrigatória do ponto de vista de qualquer fundamentação científica de uma política.
«A nossa doutrina não é um dogma, mas um guia para a ação», disseram sempre Marx e Engels, zombando com razão com a aprendizagem de cor e a simples repetição de «fórmulas», capazes, no melhor dos casos, de apontar apenas tarefas gerais, necessariamente modificáveis pela situação económica e política concreta de cada fase particular do processo histórico.
Mas por que factos precisamente estabelecidos e objetivos deve o partido do proletariado revolucionário guiar-se agora para definir as tarefas e as formas da sua actuação?
Tanto na minha primeira Carta de Longe («A primeira etapa da primeira revolução»), publicada no Pravda n.°s 14 e 15, de 21 e 22 de Março de 1917, como nas minhas teses defini «a peculiaridade do momento atual na Rússia» como fase de transição da primeira etapa da revolução para a segunda. E por isso eu considerava que a palavra de ordem fundamental, a «tarefa do dia» neste momento, é: «operários, vós realizastes prodígios de heroísmo proletário e popular na guerra civil contra o tsarismo, deveis agora realizar prodígios de organização proletária e de todo o povo para preparar a vossa vitória na segunda etapa da revolução» (Pravda, n.° 15).
Mas em que consiste a primeira etapa?
Na passagem do poder de Estado para a burguesia.
Antes da revolução de Fevereiro-Março de 1917 o poder de Estado na Rússia estava nas mãos de uma velha classe, a saber: a classe da nobreza feudal latifundiária, encabeçada por Nicolau Románov.
Depois desta revolução o poder está nas mãos de outra classe, de uma classe nova, a saber: a burguesia.
A passagem do poder de Estado das mãos de uma classe para as mãos de outra é o sinal primeiro, principal, fundamental, de uma revolução, tanto no significado rigorosamente científico como no significado político prático deste conceito.
Nessa medida a revolução burguesa ou democrática burguesa na Rússia está terminada.
Aqui ouvimos um clamor de objecções de pessoas que gostam de se intitular «velhos  bolcheviques »: acaso não dissemos nós sempre que a revolução democrática burguesa só é terminada pela «ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato»? Acaso a revolução agrária, também democrática burguesa, terminou, acaso não é um facto, pelo contrário, que ela ainda não começou?
Respondo: as palavras de ordem e as ideias  bolcheviques no geral foram plenamente confirmadas pela história, mas concretamente as coisas apresentaram-se diferentemente daquilo que podia (quem quer que seja), esperar, mais originais, mais peculiares, mais variadas.
Ignorar, esquecer este facto significaria igualar-se aos «velhos  bolcheviques» que já mais de uma vez desempenharam um triste papel na história do nosso partido, repetindo uma fórmula insensatamente aprendida de cor em vez de estudar a peculiaridade da realidade nova e viva.
A «ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato» já se realizou na revolução russa, porque esta «fórmula» prevê apenas uma correlação de classes e não uma instituição política concreta que realize esta correlação, esta cooperação. O «soviete de deputados operários e soldados» — eis a «ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato» já realizada pela vida.
Esta fórmula já está caduca. A vida fê-la passar do reino das fórmulas para o reino da realidade, revestiu-a de carne e sangue, concretizou-a e desse modo transformou-a.
Na ordem do dia está já uma tarefa diferente, nova: a cisão entre os elementos proletários (antidefensistas, internacionalistas, «comunistas», que são pela passagem à comuna) no seio desta ditadura e os elementos pequeno-proprietários ou pequeno-burgueses (Tchkheídze, Tsereteli, Steklov, os socialistas-revolucionários e muitos outros defensistas revolucionários, adversários do avanço na via da comuna, partidários do «apoio» à burguesia e ao governo burguês).
Quem fala agora apenas de «ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato» está atrasado em relação à vida, devido a isso passou de facto para a pequena burguesia contra a luta de classe proletária, e é preciso mandá-lo para o arquivo das raridades «bolcheviques» pré-revolucionárias (poder-se-ia chamar arquivo dos «velhos bolcheviques»).
A ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato já foi realizada, mas de modo extraordinariamente original, com uma série de modificações extremamente importantes. Delas falarei em particular numa das cartas seguintes. Agora é necessário assimilar a verdade indiscutível de que um marxista deve ter em conta a vida viva, os factos precisos da realidade, e não continuar a agarrar-se a uma teoria de ontem, que, como qualquer teoria, no melhor dos casos apenas indica o fundamental, o geral, apenas se aproxima da apreensão da complexidade da vida.
«A teoria, meu amigo, é cinzenta, mas é verde a árvore eterna da vida.».
Quem coloca a questão da «terminação» da revolução burguesa à velha maneira sacrifica o marxismo vivo à letra morta.
À velha maneira as coisas apresentam-se assim: a dominação da burguesia pode e deve ser seguida pela dominação do proletariado e do campesinato, pela sua ditadura.
Mas na vida viva as coisas já se apresentaram de modo diferente: aconteceu um entrelaçamento de uma e da outra extraordinariamente original, novo, sem precedentes. Existem lado a lado, juntas, ao mesmo tempo, tanto a dominação da burguesia (o governo de Lvov e Gutchkov) como a ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato, que entrega voluntariamente o poder à burguesia, que se transforma voluntariamente em apêndice dela.
Porque não se pode esquecer que de facto em Petrogrado o poder está nas mãos dos operários e soldados; o novo governo não exerce nem pode exercer violência sobre eles, porque não existe nem polícia, nem um exército separado do povo, nem um funcionalismo que esteja omnipotentemente acima do povo. Isto é um facto. Isto é precisamente um facto que é característico do Estado do tipo da Comuna de Paris. Este facto não se encaixa nos velhos esquemas. É preciso saber adaptar os esquemas à vida, e não repetir palavras que perderam o sentido sobre a «ditadura do proletariado e do campesinato» em geral.
Abordemos a questão de outro lado para melhor a esclarecer.
Um marxista não deve abandonar o terreno preciso da análise das relações de classe. No poder está a burguesia. Mas a massa dos camponeses acaso não constitui também uma burguesia de outra camada, de outro tipo, de outro carácter? De onde é que decorre que esta camada não pode chegar ao poder, «terminando» a revolução democrática burguesa? Porque é que isso é impossível?
É assim que frequentemente raciocinam os velhos bolcheviques.
Respondo — isso é plenamente possível. Mas um marxista, ao considerar o momento, não deve partir do possível mas do real.
A realidade mostra-nos o facto de que deputados soldados e camponeses livremente eleitos entram livremente para o segundo governo, o governo paralelo, completam-no, desenvolvem-no e concluem-no livremente. E com igual liberdade entregam o poder à burguesia — fenômeno que de modo nenhum «infringe» a teoria do marxismo, pois nós sempre soubemos e indicamos repetidamente que a burguesia não se mantém apenas pela violência, mas também pela falta de consciência, pela rotina, pelo embrutecimento, pela desorganização das massas.
E perante esta realidade de hoje é perfeitamente ridículo eludir o facto e falar de «possibilidades».
É possível que o campesinato tome toda a terra e todo o poder. Não só não esqueço esta possibilidade, não limito o meu horizonte apenas ao dia de hoje, mas formulo direta e precisamente o programa agrário tendo em conta um fenômeno novo: uma cisão mais profunda entre os assalariados agrícolas e camponeses mais pobres e os camponeses proprietários.
Mas também é possível uma coisa diferente: é possível que os camponeses deem ouvidos aos conselhos do partido pequeno-burguês dos  socialistas-revolucionários, que se sujeitou à influência dos burgueses, passou para o defensismo e aconselha a esperar até à Assembleia Constituinte, embora até agora nem sequer ter sido marcada a data da sua convocação!
É possível que os camponeses mantenham, prossigam o seu acordo com a burguesia, acordo que eles agora concluíram através dos sovietes de deputados operários e soldados não só formalmente mas também de facto.
São possíveis diversas coisas. Seria o maior dos erros esquecer o movimento agrário e o programa agrário. Mas seria também um erro esquecer a realidade, que nos mostra o facto do entendimento — ou, empregando uma expressão mais precisa, menos jurídica, de maior sentido econômico de classe -, o facto da colaboração de classes entre a burguesia e o campesinato.
Quando este facto deixar de ser um facto, quando o campesinato se separar da burguesia, tomar a terra contra ela, tomar o poder contra ela — então isso será uma nova etapa da revolução democrática burguesa, e dela falaremos à parte.
Um marxista que, devido à possibilidade dessa etapa futura, esquecesse os seus deveres agora, quando o campesinato tem um entendimento com a burguesia, transformar-se-ia num pequeno burguês. Porque ele de facto estaria a pregar ao proletariado a confiança na pequena burguesia («ela, esta pequena burguesia, este campesinato, deve separar-se da burguesia ainda nos limites da revolução democrática burguesa»). Devido à «possibilidade» de um agradável e doce futuro, quando o campesinato não for a cauda da burguesia, quando os  socialistas-revolucionários, os Tchkheídze, os Tsereteli, os Steklov, não forem um apêndice do governo burguês — devido à «possibilidade» de um agradável futuro ele esqueceria o desagradável presente, em que o campesinato ainda é a cauda da burguesia, em que os  socialistas-revolucionários e os sociais-democratas ainda não abandonaram o papel de apêndice do governo burguês, de oposição «de sua majestade» Lvov.
Esta pessoa hipotética assemelhar-se-ia a um adocicado Louis Blanc, a um kautskista malífluo, mas de modo nenhum a um marxista revolucionário.
Mas não nos ameaçará o perigo de cair no subjetivismo, no desejo de «saltar por cima» da revolução de carácter democrático burguês não concluída — que ainda não esgotou o movimento camponês — para a revolução socialista?
Se eu dissesse «não o tsar, mas um governo operário» esse perigo ameaçar-me-ia. Mas eu não disse isso, disse outra coisa. Disse que na Rússia não pode haver outro governo (sem contar o burguês) que não sejam os sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas, soldados e camponeses. Disse que agora na Rússia o poder só pode passar de Gutchkov e Lvov para estes sovietes, e neles predomina exatamente o campesinato, predominam os soldados, predomina a pequena burguesia, para nos exprimirmos com um termo científico, marxista, para não utilizar uma caracterização corrente, filistina, profissional, mas uma caracterização de classe.
Nas minhas teses assegurei-me absolutamente contra qualquer ideia de saltar por cima do movimento camponês ou pequeno-burguês em geral, que não se esgotou, contra qualquer jogo à «tomada do poder» por um governo operário, contra qualquer aventura blanquista, pois apontei diretamente a experiência da  Comuna de Paris. E esta experiência, como é sabido e como Marx mostrou em 1871 e Engels em 1891, excluiu absolutamente o blanquismo, garantiu absolutamente a dominação direta, imediata, incondicional, da maioria e a atividade das massas apenas na medida da atuação consciente da própria maioria.
Nas teses eu reduzi a questão do modo mais definido à luta pela influência dentro dos sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas, camponeses e soldados. Para não permitir nem sombra de dúvida a este respeito sublinhei duas vezes nas teses a necessidade de um trabalho de «explicação» paciente, persistente, «adaptado às necessidades práticas das massas».
Pessoas ignorantes ou renegados do marxismo, como o Sr. Plekhánov, etc., podem gritar acerca do anarquismo, do  blanquismo, etc. Quem quiser pensar e aprender não pode deixar de compreender que o  blanquismo é a tomada do poder por uma minoria, enquanto os sovietes de deputados operários, etc., são notoriamente a organização direta e imediata da maioria do povo. Um trabalho reduzido à luta pela influência dentro desses sovietes não pode, simplesmente não pode, cair no pântano do  blanquismo. E não pode cair no pântano do anarquismo porque o anarquismo é a negação da necessidade do Estado e do poder de Estado para a época da passagem da dominação da burguesia para a dominação do proletariado. E eu, com uma clareza que exclui qualquer possibilidade de mal-entendidos, defendo a necessidade do Estado para esta época, mas, de acordo com Marx e a experiência da Comuna de Paris, não do Estado parlamentar burguês habitual, mas de um Estado sem exército permanente, sem uma polícia oposta ao povo, sem um funcionalismo colocado acima do povo.
Se o Sr. Plekhánov grita com todas as forças no seu Edinstvó sobre o anarquismo, isso apenas prova mais uma vez a sua ruptura com o marxismo. Ao meu convite no Pravda (n.° 26) para dizer o que ensinaram Marx e Engels sobre o Estado em 1871, 1872 e 1875 tem e terá o Sr. Plekhánov de responder com o silêncio sobre a essência da questão e com gritos à maneira da burguesia enraivecida.
O ex-marxista Sr. Plekhánov não compreendeu de todo em todo a doutrina do marxismo sobre o Estado. Aliás, os germes desta incompreensão notam-se também na sua brochura em alemão sobre o anarquismo…

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