Oakland é uma cidade predominantemente negra nos arredores de San Francisco. Ela tem um lugar peculiar no movimento negro estadunidense, foi ali que nasceu, nos anos 1960, o partido dos Panteras Negras, partido revolucionário americano. Entrevista com Lina Nelson, sindicalista professora negra de Oakland, publicada no jornal francês Informações Operárias.
Qual é a situação em Oakland nesse momento?
A situação em Oakland e entre os negros em todos os EUA é muito tensa. Estamos com raiva e estamos cansados de sermos tratados como menos que humanos. Oakland em particular se manifesta: as pessoas tomaram as ruas. Hoje eles bloquearam o porto [um dos principais da costa Oeste NdT], com uma carreata de quilômetros de extensão.
Queremos ser tratados como seres humanos. Que reconheçam que nossas vidas têm valor. Que processem todos os policiais que cometem crimes de ódio contra a nossa humanidade. Todos os policiais que estavam presentes durante o assassinato de George Floyd devem ser processados. A justiça deve ser feita.
As manifestações são interculturais. Em uma, em frente a uma delegacia, eu só vi brancos. Também há muitos irmãos e irmãs da comunidade latina que se manifestam conosco.
Nossos sindicatos mais progressistas como a UTLA [Sindicato dos professores de Los Angeles, NdT] e a OEA ([Sindicato dos professores de Oakland, NdT] estão ao lado dos manifestantes.
A California ainda está em confinamento?
Sim, todo o Estado ainda está em confinamento, alguns condados estão na fase 2 de reabertura, mas no essencial continuamos em confinamento. O confinamento nunca foi muito rigoroso: nos pedem para manter uma distância de dois metros. Os manifestantes parecem estar tentando respeitar essas distâncias, mas não se fala mais sobre a Covid-19.
Fala-se das manifestações, do que aconteceu com George Floyd, com Ahmaud Arbery, Breonna Taylor e isso acorda a dor: Botham Jean, Atatiana Jefferson, Trayvon Martin, Philando Castile… São tantos nomes, a lista é longa. Tenho a impressão de que as pessoas estão realmente mais do que fartas. Isso parece não ter fim. O povo quer que isso mude.
Impressiona o fato de que esses protestos ocorrem em todo país e não somente em cidades isoladas.
Por todos os nomes que eu mencionei, nós nos manifestamos, a cada vez. Mas eu concordo com você, desta vez, parece que está realmente em todo lugar. Pelo que vejo na CNN, está em todas as grandes cidades e mesmo nas pequenas. Outra coisa é diferente: geralmente nos encontramos em São Francisco ou no centro de Oakland. Aqui está em todas as cidades, inclusive nos subúrbios. Na minha opinião, é mais intenso que o normal, porque as pessoas vão para todo lugar.
É mais intenso principalmente porque as pessoas estão desempregadas, eles ficaram em casa durante dois, três meses – no meu condado, estamos presos em casa desde 13 de março. As pessoas estão fartas. Eu decidi não ver o vídeo da morte de George Floyd, mas pelo que soube, todo mundo que viu só pode estar revoltado e cansado ao ver mais um nome acrescentado a uma lista já muito longa. E esses são apenas os nomes que ouvimos falar: é desgastante, repugnante. Essa é apenas a lista dos que foram filmados. Há também todos aqueles que sofreram o mesmo para os quais não há provas e, por esses, ninguém vai responder. Tem todos aqueles que foram mortos antes dos telefones celulares: era palavra contra palavra, e os policiais se uniam.
Qual a situação social em Oakland, com o desemprego, os salários que não chegam mais, os 1.200 dólares como única renda?
A situação é ruim. Em nosso distrito escolar, nos disseram que 60% das crianças têm um pai que perdeu o emprego, e muitos deles têm agora seu pai e mãe desempregados. As pessoas têm medo, têm fome. Eles sofrem com o medo de não poder viver aqui, porque a vida é muito cara. Como professora, sei que os pais dos meus alunos estão frustrados. O ensino à distância é complicado: muitos pais têm várias crianças em casa e eles têm que gerenciar uma série de aulas à distância. Para as crianças com deficiência, que não podem ler ou que não ficam à vontade com computadores, é realmente difícil. Os pais têm pressa que as escolas reabram, mas com a situação da Covid-19, não parece que vão reabrir em agosto, pelo menos não totalmente.
Estatísticas mostram que a Covid-19 afeta mais particularmente os negros. É esse o caso aí?
Nos mostraram os mapas da Covid-19, e parece que as zonas mais pobres são as mais atingidas. Em toda a Baía, parece que os bairros negros são os mais afetados. Então, isso alimenta as manifestações, indiretamente: a Covid-19 é o combustível que incendiou essas manifestações. Isso revela as desigualdades: os negros, que têm pouco dinheiro, são geralmente os que ocupam empregos essenciais e, portanto, têm maior risco de ser contaminadas. E, ao mesmo tempo, são os que ganham menos. Então eles estão com raiva, eles estão com raiva desse racismo, contra o racismo aberto com assassinatos e os assassinos que não são levados ao tribunal. É a soma de tudo isso que leva à explosão.
Em vários lugares, policiais se juntam aos manifestantes…
Eu vi isso. Eu estou muito dividida: como indivíduos, alguns policiais podem ser pessoas boas, procurar estar a serviço de sua comunidade, e considerar o que aconteceu a George Floyd e a tantos outros como algo que não deveria acontecer. Mas, eu não posso me impedir de achar um pouco fácil, quando o policial que faz isso está longe, em Mineápolis.
É todo o sistema da polícia dos EUA que precisa ser corrigido. Eu não esqueço que os sindicatos protestaram quando Colin Kaepernick [jogador de futebol americano, NdT] ajoelhou-se durante o hino nacional, mesmo fazendo isso calmamente, silenciosamente. Ele ainda não tem emprego, por causa disso. Então, colocar um joelho no chão, hoje, para um policial, eu acho um pouco hipócrita. É um pouco tarde, mesmo que eu reconheça a humanidade desses policiais. É o sistema completo da polícia que tem que ser revisto de alto a baixo. Existem supremacistas brancos infiltrados. E, mesmo aqueles que não são abertamente racistas têm viés racista. Não podemos continuar assim.
Deseja adicionar algo?
Não muito, exceto que isso não acabou. Nós não temos realmente direção. O que está acontecendo não é organizado. Existe organização, mas não há dirigente que possa se levantar e dizer alguma coisa, tentar aprovar uma lei para, de alguma forma, acalmar as pessoas. Eu não acho que Trump seja capaz de fazer o que seja para acalmar o povo, além de dizer: “Quando os saques começam, os tiros começam.”