Primeiro sintoma de um movimento que amadurece em toda a Europa
A revolta dos coletes amarelos que surgiu na França, fora do controle das direções tradicionais, dos partidos e dos sindicatos, e que em menos de um mês cobriu todo o país, é o primeiro sintoma de um movimento que amadurece nas profundezas da classe operária e das massas populares de todos os estados europeus.
É o aparecimento, à luz do dia, desta maioria da população empobrecida e progressivamente excluída dos seus direitos fundamentais, pelas sucessivas políticas de contra-reformas ditadas em toda a Europa pelo capital financeiro e coordenadas pelas instâncias da União Europeia.
É a voz de todos os que, há anos, estavam reduzidos ao silêncio, a voz dos assalariados mal-pagos, dos trabalhadores precários, das mães solteiras, dos pequenos artesãos, dos jovens, dos aposentados que vivem no limiar da pobreza.
É a voz das populações privadas dos serviços de saúde pelo fechamento de hospitais regionais, privadas dos serviços públicos essenciais pelas “reorganizações” sucessivas dos correios, das ferrovias… voz retomada pela juventude secundarista e universitária.
Eles organizaram-se espontaneamente para bloquear as rotatórias em todo o país, sem a autorização das direções que supostamente os representam, e que não pararam de acompanhar, durante décadas, as políticas de contra-reformas dos sucessivos governos, multiplicando “jornadas de luta” sem futuro.
Eles organizaram-se por si próprios, recusando os “porta vozes” que, de todos os lados, tentaram levar à mesa de um “grande pacto de concertação” dos “parceiros sociais” e dos representantes da sociedade civil, para fazê-los abandonar o grito de guerra que concentra a rejeição de toda a política deste governo: “Macron, demissão!”.
A sua força: o apoio – apesar das provocações e das violências organizadas pelo Estado – da imensa maioria da população francesa.
“Protesta-se à francesa, porque os protestos pacíficos conduzidos até agora não deram nenhum resultado”
Não há qualquer exagero em dizer hoje, que a revolta dos coletes amarelos – seja qual for o resultado imediato deste movimento –, goza desde já da simpatia instintiva dos trabalhadores e dos povos de toda a Europa, como o testemunham os ferroviários alemães em greve manifestando-se com coletes amarelos ou os aposentados espanhóis, ou, ainda, estes agricultores poloneses que bloquearam uma autoestrada em direção a Varsóvia, vestidos com coletes amarelos, declarando: “Protestamos à francesa, porque os protestos pacíficos conduzidos até agora não deram nenhum resultado”.
É esta simpatia instintiva que faz entrar em pânico todos os chefes de estado e de governo europeus.
Todos sabem que um laço forte – a rejeição da política ditada pelo capital financeiro – liga o voto a favor do Brexit do dia 16 de Junho de 2016 na Grã-Bretanha, à derrota de um Renzi na Itália (duplamente sancionado quando do referendo de 2016 e nas legislativas de 2018), passando pela crise na Alemanha dos dois partidos CDU (democracia-cristã) e SPD (social-democracia) – tomando no SPD o caráter de verdadeiro colapso – que compartilharam o poder desde a guerra para assegurar a manutenção da ordem social estabelecida.
Eles calculam a devastação provocada pela política de austeridade adotada por todos os governos europeus para fazerem os trabalhadores e os povos pagarem os bilhões de dólares que desapareceram durante a crise financeira de 2008.
Eles medem a profundidade do caos para o qual as velhas nações europeias são inexoravelmente conduzidas pela política de destruição de todas as conquistas políticas e sociais arrancadas na Europa após a segunda guerra mundial.
Eles sabem o preço pago pelo povo grego com o “pacto de estabilidade e de crescimento”, eles temem que a vez da França e da Itália se aproxime.
Eles compreendem que a revolta dos coletes amarelos na França, não é senão o primeiro chacoalão de um tremor de terra que se prepara para abalar toda a Europa.
Não, senhores pregadores de lições de moral, os trabalhadores e os povos rejeitam com desprezo as acusações de “nacionalismo” e de “populismo”
É para tentar afastar essa ameaça que a campanha de calúnias, acusando os trabalhadores e os povos de “populismo” e de “xenofobia”, volta com força.
Tudo tem sido feito na França por todos que este país conta como politicólogos, sociólogos e, por vezes, dirigentes de organizações operárias, para desacreditar e colocar sob suspeição o movimento dos coletes amarelos, acusados de conluio com a extrema direita. Em vão.
Não, senhores pregadores de lições de moral, os trabalhadores e os povos rejeitam com desprezo as acusações de “nacionalismo”, de “populismo” e de “xenofobia”.
Eles recusam, muito simplesmente, se verem privados das prerrogativas que são teoricamente as suas numa democracia. Eles recusam renunciar ao seu direito de exercer a sua soberania, para que ela seja transferida a um “soberano republicano” ou para instituições supranacionais incontroláveis, a serviço exclusivo dos setores dominantes do capital financeiro.
É o que eles têm dito durante mais de um mês na rua em toda a França.
Eles abriram uma brecha
A revolta dos coletes amarelos abre um novo período na Europa. Eles abriram uma brecha. Eles criaram, ao ocuparem as rotatórias, uma forma de organização que lhes permitiu escapar do ferrolho imposto pelas direções burocráticas das organizações de classe. Eles encontraram uma forma de organização que lhes permitiu manter o controle do seu movimento.
Dando ênfase às assembleias democráticas, eles começaram a dar um princípio de resposta à questão que persegue o movimento operário, a quem tem sido proibido, há meses e meses, juntar as suas forças para o choque e afrontar o governo representante dos interesses do capital financeiro. Pode-se dizer, sem medo de se enganar, que a revolta dos coletes amarelos deixa, desde já, a sua marca em todos os desenvolvimentos da situação europeia.
Em Bruxelas e em Berlim, inquietam-se
Os coletes amarelos torpedearam, abalando o poder de Macron, a sua pretensão de se apresentar como o dirigente capaz de preencher o vazio deixado por Merkel, contestada no seu país, e conduzir a recuperação das instituições da União Europeia em plena crise.
Eles puseram em causa, além disso, o cenário político previsto para as eleições do “Parlamento” Europeu que deveria articular-se em torno da falsa oposição de dois campos, o campo dos “progressistas”, que deviam unir-se atrás de Macron, contra o campo dos “populistas eurofóbicos”. Este campo dos “progressistas” perdeu o seu campeão…
A quatro meses da eleição para o “Parlamento” Europeu, pode-se predizer que estas eleições serão marcadas pela abertura de uma nova etapa na decomposição de todos os velhos partidos ligados à salvação da ordem vigente, que se manifestará – seja qual for a sua forma em cada país – por uma poderosa rejeição, comum a todos os povos, da política do capital financeiro e das instituições da União Europeia ao seu serviço.
Em Bruxelas e em Berlim, inquietam-se pelas “concessões” feitas por Macron sob pressão da rua e duvida-se, publicamente, da capacidade do governo francês prosseguir com as “reformas” que iniciara.
Teme-se, no momento em que o Banco Central Europeu e o FMI anunciam a ameaça de repetição da crise financeira europeia dos anos 2010-2011, que o conjunto do “Pacto de estabilidade e de crescimento” seja posto em questão.
O pânico atinge, um depois do outro, todos os chefes de Estado e de governo.
Eles pressentem que a revolta do que a imprensa chamou com desprezo “a França periférica”, também se prepara em cada um dos seus países, e constitua o primeiro abalo de um movimento mais vasto dirigido contra as próprias bases do sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção.
É difícil, de fato, imaginar que os eleitores das circunscrições operárias do Labour (Partido Trabalhista ingles), que votaram massivamente no Brexit, ficarão satisfeitos com o acordo (ou o não-acordo), qualquer que seja, assinado pelo Governo britânico com a União Europeia.
É difícil imaginar que eles não prosseguirão o combate para revogar as leis anti-sindicais de Thatcher, para revogar o arsenal jurídico que desregulamenta o trabalho, para renacionalizar as ferrovias e para restabelecer o Sistema Nacional de Saúde posto em perigo pelas políticas de austeridade.
Quem pode acreditar que, na Alemanha, a rejeição pelas massas da Grande Coligação e dos seus partidos, a CDU e o SPD, que se expressou nas últimas eleições regionais, não vai procurar prolongar-se no terreno de uma ação direta para se libertar do jugo do “Pacto de Estabilidade” e impor, pela força, o abandono da “Agenda” e da “regra de ouro” orçamentária (que condenam todos os serviços públicos, a começar pelo sistema hospitalar)? Quem pode acreditar que este movimento não fixará como objetivo restabelecer o sistema dos contratos coletivos de trabalho?
Quem pode acreditar que, na Itália, os trabalhadores – que correram Renzi do poder para acabar com o plano de contra-reformas imposto pelo capital financeiro – vão suportar, por muito mais tempo, as incoerências dos aventureiros Salvini/Di Maio do atual governo, aos quais Renzi abriu as portas do poder?
Quem pode acreditar que na Espanha, depois da queda de Rajoy, substituído por um governo do PSOE (socialista), o anúncio de um aumento do salário mínimo possa bastar para responder a todas as exigências sociais e democráticas esmagadas, durante anos e anos, pelo regime monárquico?
No alto, governos em crise
No alto, governos em crise. Dirigentes que perderam o essencial da sua base social nos respectivos países. Quem irá cair primeiro? Theresa May, Angela Merkel ou Emmanuel Macron? É difícil responder a questão. Dirigentes que perderam todo o controle dos acontecimentos, todo o controle da vida de setores-chave da economia nacional, submetidos aos golpes dos monopólios imperialistas que desprezam as fronteiras e as regulamentações nacionais.
Uma situação que confirma que, no quadro do sistema da propriedade privada dos meios de produção, a Europa é inexoravelmente posta de fora de setores determinantes do mercado mundial pela “guerra comercial” declarada por Trump e o imperialismo norte-americano.
As economias nacionais do continente europeu são desmanteladas pela reorganização permanente das “cadeias de valor”, feita pelos monopólios imperialistas, para concentrarem as suas produções nas zonas de baixo salário.
A Europa, entalada entre os interesses contraditórios das diferentes burguesias nacionais, inexoravelmente condenadas à decadência pelo desencadear da “guerra comercial”, conduzida por Trump, é incapaz de se dotar de uma política comum (fiscal, orçamental e financeira) para pretensamente fazer face aos golpes do imperialismo norte-americano.
A sua única política comum reduz-se à política coordenada de destruição, em toda a Europa, de todas as conquistas sociais arrancadas pela classe operária depois da Segunda Guerra, para assegurar as condições de sobre-exploração exigidas pelo capital financeiro em crise.
Embaixo, a aspiração irreprimível das mais largas massas a sair do caos
Em baixo, uma força imensa procura abrir caminho. Uma força que tem consciência de se encontrar, em cada país, face a um único e mesmo plano ditado pelo capital financeiro e implementado pelos seus delegados que estão no poder. Uma força que, como acaba de o demonstrar, considera que é seu dever acabar com o mecanismo de degradação que arrasta cada país para um processo de desmoronamento e procura libertar-se dos entraves com os quais as direções dos velhos partidos operários e das organizações de classe impediram, desde há muitos anos, os trabalhadores e as massas populares de se levantarem contra os respectivos governos. É a aspiração irreprimível das largas massas a saírem do caos para o qual o sistema da propriedade privada dos meios de produção, em plena crise, as empurra. A aspiração a recuperar a sua soberania para, à escala de toda a Europa, arrancar o poder das mãos do capital financeiro a fim de reorganizar em todo o continente os transportes, a energia, a indústria e as infraestruturas ao serviço de todos os trabalhadores e de todos os povos, no quadro dos Estados Unidos Socialistas da Europa.
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Em toda a Europa, a rejeição da política ditada pelo capital financeiro atingiu os velhos partidos que se reclamam da defesa dos interesses operários e da democracia e que se subordinaram aos respectivos governos e ao capital financeiro, abrindo uma crise no seu seio e conduzindo alguns à beira da implosão.
Em todos os países do continente europeu, reagrupamentos de militantes, saídos do encontro de elementos vindos destes partidos e da jovem geração de militantes, procuram organizar-se para tentar ajudar a classe operária a abrir, pela luta de classes, a via de uma saída política conforme à defesa dos seus interesses de classe e à reconquista da democracia.
Em vésperas de acontecimentos decisivos, o Secretariado Internacional da 4ª Internacional convida todos os militantes e os trabalhadores empenhados nesta procura a debater, com os seus militantes, os meios a pôr em prática para ajudar a fazer convergir o combate de todos os povos da Europa.
O Secretariado Internacional da 4ª Internacional compromete-se a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a esta mudança, ultrapassando o quadro estreito das fronteiras nacionais e a enriquecendo-se com a diversidade das experiências nacionais de cada um. Em relação com os desenvolvimentos iminentes da situação, compromete-se a trabalhar para a organização de reuniões e encontros europeus, necessários para estreitar os laços entre todos os que procuram contribuir para a preparação dos gigantescos combates de classe que se anunciam.
O Secretariado Internacional da 4ª Internacional,
19 de Dezembro de 2018