Eleições em Portugal: uma reflexão

Apresentamos abaixo uma avaliação das eleições portuguesas publicada no dia 8 de outubro num suplemento do “Militante Socialista”, jornal produzido sob responsabilidade do POUS (Partido Operário de Unidade Socialista), seção portuguesa da IV Internacional.


Uma reflexão no terreno das conquistas de abril de 1974

A taxa de abstenção, somada com os votos brancos e nulos, atinge o limiar dos 50%, na maior parte do país. Assim, este valor é o maior de sempre em eleições legislativas, tal como o número de cidadãos que se deslocaram à respectiva mesa eleitoral, para exercer o seu direito de voto, anulando-o ou votando em branco.

O Partido Socialista ganha as eleições (com 36,65% dos votantes, o que equivale a 20% dos eleitores inscritos), mas atingindo um resultado semelhante ao resultado do PS na segunda eleição de Sócrates (1), bem longe da maioria absoluta de anteriores governos do PS. O Partido Social Democrata (2) e o Partido do Centro Democrático Social (3) (partidos representantes diretos da burguesia, NdE)  sofreram uma derrota histórica (obtendo no seu conjunto 17,5% dos inscritos), com o CDS a ver-se reduzido a 5 deputados (2,3% dos eleitores inscritos) –“o Partido do táxi”.

O Bloco de Esquerda (4) e a Coligação Democrática Unitária ( que reúne o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “os Verdes”) vêem atingido um dos seus objetivos centrais, defendidos na campanha eleitoral – o PS não ter a maioria absoluta. Mas o BE, apesar de manter o mesmo número de deputados, perde cerca de 57 mil eleitores, e a CDU perde 115 mil – desaire (desalinho, inconveniência, NdE), bem pesado, traduzido na perda de perto de um terço dos seus deputados. Consideram-se como grandes vitoriosos o Partido pelos animais e natureza (PAN), passando de um para quatro deputados eleitos, o Livre (5) com uma deputada eleita, a Iniciativa Liberal e o Chega (6) com um deputado cada um.

Dos resultados eleitorais que conclusões se poderão tirar?

Do universo dos 50% dos eleitores que escolheram uma representação política, a esmagadora maioria afirmou a sua vontade de não querer na Assembleia da República os partidos que representam directamente o capital, ou seja, os partidos da Direita. Pois têm consciência que a resolução dos problemas do povo trabalhador–como é o caso dos salários, da garantia de um trabalho com direitos (com a revogação das leis anti-laborais), a defesa do Serviço Nacional de Saúde e de todos os serviços públicos,– é impossível com os partidos da Direita.

E, assim, a crise destes partidos não fez senão acentuar-se. Mas os resultados do PCP (pilar da CDU) também expressam um salto qualitativo na erosão deste Partido histórico dos trabalhadores portugueses, cujos acordos foram fundamentais para a manutenção da “estabilidade” política do governo de António Costa.“Estabilidade” que a Direção do PS usou como o leitmotiv das suas promessas eleitorais, para tentar conquistar os votos da maioria.

E, agora, como vai conseguir acordos para garantir esta “estabilidade”? Lembremos que são muitos os trabalhadores que afirmam não acreditar mais em lutas separadas e descontínuas. Trabalhadores que não engoliram a subversão do direito à greve, com serviços mínimos transformados em serviços máximos.

António Costa afirma pretender uma “nova geringonça”, como PCP, o BE,o PAN e o Livre. Um PS, que não representa mais do que um quinto dos eleitores, pretende uma “nova geringonça” para pôr em prática que politica?

No quadro da “prometida estabilidade” está a aplicação de um programa de continuidade com o anterior programa de Governo. E dele constam: a Lei da descentralização/municipalização e a legislação laboral agora agravada (de que é um exemplo paradigmático o período de seis meses em trabalho experimental).

Como vão ser possíveis “acordos à Esquerda” para pôr em prática um “programa de estabilidade”, quando a esmagadora maioria dos professores está unida com os seus sindicatos, afirmando não abdicar das suas legítimas exigências, entre as quais o tempo de serviço contado de acordo como seu estatuto profissional?

Como será possível impor a renacionalização dos CTT (correios) e outros sectores estratégicos da Economia,a revogação da Lei da descentralização/municipalização ou da caducidade da contratação colectiva?

Perante estes factos, não podemos deixar de afirmar que tudo se irá jogar nas iniciativas de mobilização dos trabalhadores, de todos os sectores, para impor ao governo de António Costa a resolução dos problemas das populações e de quem trabalha. Iniciativas práticas para as quais é necessária a articulação de todas as forças que se reivindicam da defesa das conquistas de Abril.

A Comissão de Redacção de “O Militante Socialista”


Notas do Editor:

(1) José Sócrates foi o primeiro ministro português e Secretário Geral do PS de 2005 a 2011.

(2) Partido Social Democrata é um partido da direita portuguesa que chegou a liderar 11 governos desde 1974

(3) CDS é um partido de direita, da democracia cristã, que governou Portugal em algumas ocasiões com coalizões que incluíram do PSD ao PS.

(4) Bloco de Esquerda é um partido fundado em 1999 como resultado da fusão da “União Democrática Popular” (maoístas), do Partido Socialista Revolucionário (pablistas), da Política XXI (ruptura do PCP) e outras organizações menores.

(5) Livre é um partido que nasceu de uma ruptura à direita do Bloco de Esquerda em 2014

(6) Chega, é um partido de extrema direita português, fundado em 2019.

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