por Jean-Marc Schiappa
Em 1933, a Alemanha é um país devastado. Vencida em 1918, ela perdeu suas colônias e uma parte significativa de seu território; além disso, ela foi obrigada a pagar pesadas indenizações de guerra. Após um breve reestabelecimento, ela foi golpeada brutalmente pela crise econômica internacional de 1929. Conta-se então cerca de sete milhões de desempregados permanentes e ao menos outro tanto de desempregados parciais. Os funcionários, os aposentados e outros pensionistas (especialmente os numerosos ex-combatentes) estão arruinados por uma inflação galopante. Por outro lado – e é o elemento determinante -, as traições sucessivas das revoluções alemãs desde 1918 pesam, e uma nova força política reúne a extrema-direita, imitando o fascismo de Mussolini na Itália.
Trotsky que foi um dos mais finos analistas do fascismo escreveu: “O fascismo não é apenas um sistema de repressão, violência e terror policial. O fascismo é um sistema de Estado particular baseado na extirpação de todos os elementos da democracia proletária da sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não é só esmagar a vanguarda comunista, mas também a de manter toda a classe numa situação de atomização forçada. Para tanto, não basta exterminar fisicamente a camada mais revolucionária dos operários. É preciso esmagar todas as organizações livres e independentes, destruir todas as bases de apoio do proletariado e aniquilar os resultados de três quartos de século de trabalho da social-democracia e dos sindicatos.”
Pois o fascismo não é, a não ser muito secundariamente, uma ideologia. É uma prática, um movimento, uma expressão social: a pequena burguesia desclassificada utilizada como pistoleira pelo grande capital contra o movimento operário.
Nos seus inícios, o grupo de Adolf Hitler, pomposamente chamado “Partido“ nacional-socialista, era um dentre muitos outros. É porque ele parecia mais determinado que os demais que o grande capital o escolhe. É o caso dos magnatas da indústria como Thyssen, Krupp depois dos capitalistas que estavam mais próximos do partido católico Zentrum. O dinheiro corre solto, financiando as viagens de Hitler em avião privado, os jornais, os locais, os grupos armados de desordeiros, que multiplicam ataques e agressões contra as organizações operarias.
O dirigente católico Heinrich Brüning testemunha posteriormente (mas só posteriormente!): ”A verdadeira ascensão de Hitler começa apenas em 1929, quando os grandes industriais alemães e outros se recusam a continuar distribuindo dinheiro a um monte de organizações patrióticas (…). As doações de dinheiro retidas para outras organizações vão para a organização de Hitler.”
Aterrorizado de que a crise econômica pudesse desdobrar-se em crise revolucionária e assustado pelo poderio do movimento operário, o patronato se lança de corpo e alma no nazismo. O partido nazista progride fortemente, passando de uma situação marginal (em maio de 1928, 2,6% de votos) para um avanço regular que leva ao seu apogeu, em julho de 1932, de 37,3% de votos. Mas se tratava de uma “ascensão resistível”, para citar Bertolt Brecht, o grande dramaturgo alemão que viveu esse período. Pois o movimento operário alemão era de um poderio extraordinário.
O papel dos dirigentes da social-democracia (SPD) e do Partido Comunista Alemão (KPD)
A social-democracia(1), organização que constituiu a classe operária na Alemanha, apesar de seu alinhamento com a União Sagrada em 1914 e seu papel na repressão das revoluções, reagrupa 1,8 milhão de membros, dispõe de mais de 200 jornais e de múltiplas organizações anexas. Ela está ligada, ainda que com relações complicadas, a um movimento sindical impressionante. Este último, contudo, é afetado pela crise econômica. O Partido comunista alemão (KPD) é o PC mais forte depois do da URSS, com a auréola de seus mártires Liebknecht e Luxemburgo, combativo, agrupa mais de 300 mil membros. A aliança entre eles poderia mudar tudo.
Mas a social-democracia (SPD) se alia com os partidos burgueses, particularmente o Zentrum católico. Desde 1914, ela se transformou em engrenagem da ordem burguesa. Ela desenvolve uma política de repressão contra as greves, chegando até a fazer atirar sobre manifestantes comunistas em Berlim em 1929 (várias dezenas de mortos).
O Partido comunista alemão, em nome da defesa da URSS, organiza uma intensa campanha de divisão, favorecendo explicitamente o nazismo. Em novembro de 1931, Rote Fahne, o órgão do partido, escreve: “É contra a social-democracia que fazemos o combate principal.” Quando das eleições legislativas do final de 1932, no mesmo jornal, datado de 1º de novembro, Ernst Thaelmann declara: “Nós constituímos até uma frente única de classe com os proletários nazistas.” A divisão é organizada, planificada, sistemática.
É essa política criminosa que permitiu a Hitler tomar o poder. Do lado da burguesia, apesar de repugnâncias e reticências expressas aqui ou ali, não há esses sentimentos: o homem providencial é mesmo Hitler.
As eleições do final de 1932 registram pela primeira vez um decréscimo do sufrágio nazista(2). Além disso, vozes a favor da frente única entre socialistas e comunistas aparecem. Teria passado a hora? Trinta e oito dos principais capitalistas escrevem ao marechal-presidente Hindenburg exigindo a nomeação de Hitler como chanceler (primeiro-ministro, NdT). Este último engaja negociações com os nazistas e com o partido católico Zentrum, que, por intermédio de von Papen, aporta o seu apoio a Hitler em troca de uma concordata com a Igreja. Hitler é nomeado chanceler e von Papen vice-chanceler, quando os nazistas são minoritários no Parlamento e detém apenas dois postos ministeriais. Novas eleições são previstas para 5 de março.
A pressão a favor da frente única cresce, mas os dirigentes são surdos a ela. Em 27 de fevereiro ocorre a provocação do incêndio do Reichstag (parlamento). Hitler salta sobre a ocasião. A polícia prende quatro mil militantes comunistas durante a noite. Um decreto suspende as liberdades civis e políticas, em particular a liberdade de imprensa, e restringe os direitos de reunião e associação. A polícia recruta 50 mil nazistas. Os 81 deputados comunistas eleitos em março não são autorizados a ocupar suas cadeiras e são presos. O KPD é proibido no dia seguinte às eleições e o SPD um pouco mais tarde. Mas sua existência já não era mais que formal.
Os campos de concentração, como o de Dachau, são abertos. O terror nazista se abate sobre a Alemanha. Os dirigentes socialistas e comunistas deixaram que isso acontecesse. A sua responsabilidade é histórica. Tal é a lição do passado.
Não confundir os períodos
Toda comparação com 1933, hoje, deve levar em conta um fato essencial, provavelmente o mais importante. O stalinismo, como corpo contra-revolucionário constituído ao redor da burocracia do Kremlin, não existe mais. O que subsiste ainda, aqui ou acolá, são “apparatchiks” (homens de aparelho, NdT) “vendidos ontem a Moscou, hoje a Washington”, retomando a fórmula de Pierre Lambert. Mas o seu lugar no movimento operário e democrático não é mais mesmo; não é inútil recordar esse simples fato: “o muro de Berlim” caiu.
Quanto à Internacional socialista, longe de 1933, quando seu símbolo histórico (“as três flechas”) era dirigido em aparência contra o capitalismo, decidiu há décadas que o capitalismo era um “horizonte intransponível”.
Os dirigentes que organizaram a maior derrota do proletariado não têm mais a mesma influência sobre o movimento operário. Basta fazer referência aos resultados da eleição presidencial na França: os partidos “socialista” (que se reivindica da 2ª Internacional, passada para o lado da ordem burguesa ao votar os créditos de guerra em 1914) e “comunista” (que reivindicava o stalinismo), somados os dois, atingiram 4% dos votos – sem contar a abstenção.
Eis porque toda comparação com 1933 é delicada. Estamos numa situação política muito diferente.
Notas:
(1) A denominação “social-democracia” ao final do século 19 era o nome clássico dos partidos operários. A palavra toma depois um outro sentido.
(2) Os nazistas perdem 34 cadeiras, ficando com 196 eleitos sobre o total de 584. O PC obteve 100 eleitos e o SPD outros 100.