O Knesset, Parlamento israelense, aprovou no dia 19, por 62 votos a 55, uma lei que define Israel como Estado exclusivamente judeu, tendo como capital “Jerusalém unificada”. A chamada lei do “Estado-nação judaico” não reconhece mais o árabe como língua oficial e incentiva a expansão das colônias israelenses. Essa decisão, sobre a qual voltaremos, tende a agravar ainda mais a ampla opressão sobre os palestinos.
Na entrevista a seguir – concedida antes da aprovação da lei –, o historiador israelense Ilan Pappé analisa a constituição do Estado de Israel, que os palestinos chamam de Nakba (catástrofe), as recentes manifestações e a perspectiva de um único Estado democrático na Palestina histórica. A entrevista foi feita por François Lazar, do jornal francês “Informações Operárias”.
Informações Operárias – Em 1º de junho, um grande encontro foi organizado em Haifa com o slogan “nós somos o mesmo povo e temos o mesmo sangue”. Desde o fim de março, palestinos que vivem na Faixa de Gaza, organizados no Alto Comitê da Grande Marcha pelo Retorno, levantam como reivindicação “queremos ir para casa”, grito que atravessa a Palestina histórica de ponta a ponta. Você poderia desenvolver, no plano histórico, o sentido do que aconteceu e o significado dessa Grande Marcha, a razão de sua força, 70 anos após a fundação do Estado de Israel pela ONU?
Ilan Pappé – Um bom ponto de partida para entender consiste em retomar o significado do discurso hegemônico sobre a Palestina, que está na base do “processo de paz”. Essa abordagem considera o conflito como tendo começado em 1967 e a solução, como um acordo sobre o futuro da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Essa estratégia falhou porque o conflito não começou em 1967, mas em 1948, senão antes, depois que os colonizadores sionistas vieram pela primeira vez em 1882. Eles começaram a cobiçar tanto quanto possível a terra da Palestina, mas com o menor número possível de palestinos dentro. Eles avançaram significativamente em relação a esse objetivo quando limparam etnicamente a Palestina em 1948 de metade da sua população (centenas de milhares deles foram para a Faixa de Gaza).
A luta palestina desde então foi inicialmente concentrada no retorno desses refugiados e na aplicação do direito dos palestinos ao retorno à Palestina histórica. Essa posição mudou no começo dos anos 1980 e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) se dispôs a contentar-se com um único Estado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas isso não mudou a visão sionista de uma Palestina sob controle israelense de qualquer maneira. O fracasso dessa abordagem, manifesto pelo colapso do acordo de Oslo, motivou muitos palestinos, em particular os jovens, a retomar a luta pela libertação da Palestina como um todo, tendo no centro o retorno incondicional dos refugiados. Essa renovação vibrante, apoiada pelos judeus antissionistas em Israel, é definida hoje como a solução de um só Estado. Difere do plano original da OLP, que previa o retorno de imigrantes judeus a seus países de origem. O novo plano aceita a presença de uma comunidade de colonos em toda a Palestina, mas sob um regime democrático e igualitário para todos, inclusive com os refugiados de volta. Esse desenvolvimento coincidiu com a luta particular travada pela população de Gaza contra o cerco que Israel lhe impôs nos dez últimos anos.
IO – Os acontecimentos indicam que a Nakba não acabou. Você pode explicar em poucas palavras o que é a Nakba e como é possível dizer que se trata de um longo processo ainda atual?
IP – Nakba significa “catástrofe” em árabe e refere-se à limpeza étnica de 1948, na qual as forças israelenses, no espaço de nove meses, destruíram metade das aldeias palestinas e a maior parte das cidades, e expulsaram a metade da população palestina. Sobre as ruínas das vilas, Israel construiu colônias ou plantou florestas. Essa ação foi a realização da visão ideológica sionista de uma Palestina tão judaica quanto possível. E como “somente” metade do povo palestino foi expulsa, e “somente” 78% do país foi tomado, o Estado de Israel permaneceu desde então ocupado pelas realidades demográficas da Palestina pós-1948. E toda a sua política (ou seja, impor o domínio militar sobre a minoria palestina que tinha ficado em Israel, até 1966, depois sobre as populações da Cisjordânia e da Faixa de Gaza até os dias atuais; aplicar uma política de demolição de casas, expulsão de pessoas e massacres de palestinos) é uma tentativa de realizar os objetivos sionistas. É a razão pela qual os palestinos falam da “Nakba al-moustamera”, isto é, uma Nakba que continua.
IO – Qual é sua opinião sobre o curso da “sociedade israelense”, da qual sentimos, do exterior, que o cimento principal é o exército e frequentemente a religião?
IP – A sociedade israelense é antes de tudo uma sociedade de colonos que está ainda lutando contra o povo autóctone da Palestina. Como resultado, a tentativa de justificar essa luta com ideologias universais como o liberalismo ou o socialismo provou ser uma falsificação, e a maioria dos israelenses está mais confortável para apoiar aqueles que falam abertamente do objetivo final dos colonos (a direita em Israel). A religião desempenha um papel mais importante do que antes na justificação desse objetivo final, mas se trata de um projeto laico, e não religioso.
IO – E agora, quais as perspectivas? Pode falar do seu engajamento na associação chamada Campanha por um só Estado Democrático?
IP – A Campanha por um só Estado Democrático é, como já disse, a única via para avançar, ir em frente. Ela está se tornando muito popular entre os jovens palestinos. No entanto, não é apoiada pelos principais órgãos representativos do povo palestino e é muito difícil avançar essa ideia sem tal apoio. Dito isso, creio que isso ocorrerá, de um lado, por causa da política de Israel e, de outro, pelas exigências da sociedade civil palestina. Então, ela terá uma chance de ser apoiada pelos israelenses progressistas e pela comunidade internacional, ou seja, pela sociedade civil e em seguida pelos governos, é o que esperamos.