Lições de Espanha: o último aviso – por Leon Trotski


[i] Publicado em Escritos Sobre Espanha (Editora Arcádia, 1976).

NOTA: Há 86 anos, no começo de maio de 1937, a Revolução Espanhola que se desenvolvia desde 1931, vivia um de seus episódios mais dramáticos, que marca o ponto de virada do ascenso revolucionário para a situação contrarrevolucionária que se concluiria com vitória das falanges franquistas na guerra civil, em inícios de 1939. A derrota do proletariado espanhol derrubava a última barreira que a classe operária havia erguido no caminho do desencadeamento da 2ª Grande Guerra Mundial.

Em pleno processo revolucionário, em 1936, a Espanha foi atravessada pela contrarrevolução franquistas, o que deflagrou a guerra civil entre o governo da República, a esta altura nas mãos da Frente Popular, e os revoltosos fascistas, apoiados pela Alemanha e pela Itália. Em julho deste ano, estala a rebelião franquista no Marrocos ocupado (a Espanha mantinha um protetorado no Marrocos desde 1912, numa divisão da ocupação colonial com a França), que depois se estendeu por todo território do Estado Espanhol. A abertura da guerra civil e, depois disso, a entrada em cena da ajuda soviética ao governo republicano, levaram a Frente Popular a uma ofensiva contra os processos de expropriação de fábricas e terras que se desenrolavam há vários meses. A colaboração da CNT/FAI[i], organizações mantidas pelo poderoso movimento anarquista espanhol, e do Partido Operário de Unidade Marxista (POUM)[ii], dirigido pelo antigo militante trotskista Andrés Nin, em nome da unidade contra Franco, desarmou literalmente os trabalhadores. No fim do ano, frente ao progresso dos fascistas no front, uma distribuição controlada de armas aos combatentes proletários foi realizada, o que, de toda forma, reforçou as expropriações e ocupações de fábricas e terras.

Em maio de 1937, a República se achava em meio à reconstrução dos instrumentos estatais de dominação da burguesia, estilhaçados pela revolução (o Exército regular foi reestabelecido, a odiada guarda civil foi reorganizada), à custa da desmobilização brutal das milícias operárias e camponesas, levada a cabo pela Frente Popular com a direta influência de Stálin, que condicionava toda ajuda militar contra Franco ao esmagamento da revolução, à proteção da propriedade privada e à dissolução das organizações operárias que não estivessem sob controle soviético.

Nesse quadro, o governo decide desocupar os prédios públicos da “capital da revolução espanhola”, Barcelona, sob o controle dos sindicatos havia meses, em especial da CNT. A desocupação da Central Telefônica simbolizará este enfrentamento dos trabalhadores em luta contra a tentativa de disciplinamento do governo da Frente Popular. Um levantamento popular se segue, mas depois de dois dias, 9 e 10 de maio de 1937, é obrigado a ceder diante do aparato militar do Estado e em função da deserção sem luta de suas direções, os anarquistas e o POUM, que se opõem ao levantamento. O POUM e seu principal dirigente, Andrés Nin[iii], foram as primeiras vítimas dessa política, com o partido sendo posto na ilegalidade, seus líderes presos e Nin assassinado.

O episódio que agora completa 86 anos abriu a via para a hegemonia da coligação entre o pífio segmento burguês que se manteve republicano, o reformismo espanhol e o stalinismo que desarmou e esmagou as milícias populares e conduziu a guerra segundo os interesses diplomáticos de Stálin, levando à tragédia de janeiro de 1939, quando Barcelona caiu e se decretou a vitória de Franco.

Para lembrar esta jornada heroica e trágica do proletariado espanhol, trazemos o texto de Trotsky Lições da Espanha: o último aviso, publicado em 17 de dezembro de 1937, onde o fundador da 4ª Internacional analisa o significado da jornada de 9 e 10 de maio de 1937, faz um balanço do papel das forças políticas naquela situação e indica o lugar decisivo do episódio no desenlace da guerra civil.

Eudes Baima


[i] Confederação Nacional do Trabalho, central sindical dirigida pela Federação Anarquista Ibérica, organização anarquista dividida entre uma ala direita (Garcia Olivier) e uma fração à esquerda (Durruti).

[ii] Partido fundado em 1935, fruto da fusão de parte da seção espanhola da Oposição de Esquerda, a Esquerda Comunista da Espanha com o Bloco Operário e Camponês.

[iii] Andrés Nin – Fundador do Partido Comunista Espanhol, foi secretário da Internacional Sindical Vermelha, até ser expulso do PCE por apoiar a Oposição de Esquerda. Dirigente da Esquerda Comunista até 1935, quando rompe com Trotsky para fundar o POUM, numa fusão com o Bloco Operário e Camponês.

Ditador espanhol Francisco Franco, novembro de 1938.

LIÇÕES DE ESPANHA: O ÚLTIMO AVISO

por Leon Trotski

Todos os estados-maiores estão estudando de perto as operações militares na Etiópia, na Espanha, no Extremo Oriente, como preparação para a grande guerra futura. As batalhas do proletariado espanhol, os relâmpagos da futura revolução mundial, devem ser estudadas com não menos atenção pelos estados-maiores revolucionários. Sob essa condição, e somente sob essa condição, os próximos eventos não nos tomarão de surpresa.

Três ideologias lutaram – com forças desiguais – no chamado campo republicano, a saber, o menchevismo, o bolchevismo e o anarquismo. No que diz respeito aos partidos republicanos burgueses, careciam de ideias ou de importância política independentes e só podiam se manter subindo nas costas dos reformistas e dos anarquistas. Além disso, não é exagero dizer que os líderes do anarcossindicalismo espanhol fizeram de tudo para repudiar sua doutrina e praticamente reduzir seu significado a zero. Na verdade, duas doutrinas lutaram no chamado campo republicano: o menchevismo e o bolchevismo.

De acordo com os socialistas e stalinistas, isto é, os mencheviques de primeira e segunda fornadas, a revolução espanhola foi chamada para resolver apenas suas tarefas “democráticas”, para as quais era indispensável construir uma frente única com a burguesia “democrática”. Desse ponto de vista, todas e quaisquer tentativas do proletariado de ir além dos limites da democracia burguesa não eram apenas prematuras, mas também fatais. Além disso, na agenda não estava a revolução, mas a luta contra Franco.

O fascismo, no entanto, não é uma reação feudal, mas burguesa. Uma luta bem-sucedida contra a reação burguesa só pode ser travada com as forças e os métodos da revolução proletária. O menchevismo, ele próprio um ramo do pensamento burguês, não tem e não pode ter nenhuma ideia desses fatos.

O ponto de vista bolchevique, expresso com clareza apenas pela jovem seção da 4ª Internacional, toma como princípio a teoria da revolução permanente, a saber, que mesmo os problemas puramente democráticos, como a liquidação da propriedade semifeudal, não podem ser resolvidos sem a conquista do poder pelo proletariado; mas isso, por sua vez, coloca a revolução socialista na agenda. Além disso, durante os primeiros estágios da revolução, os próprios trabalhadores espanhóis colocaram na prática não só os problemas democráticos, mas também os problemas puramente socialistas. A exigência de não transgredir os limites da democracia burguesa significa, na prática, não uma defesa da revolução democrática, mas um repúdio a ela. Só através de uma reviravolta nas relações agrárias, os camponeses, a grande massa da população, foram transformados em um poderoso baluarte contra o fascismo. Mas os proprietários de terras estão intimamente ligados à burguesia comercial, industrial e bancária, e à intelectualidade burguesa que depende deles. O partido do proletariado enfrentou, portanto, a escolha entre ir com as massas camponesas ou com a burguesia liberal. Só poderia haver uma razão para incluir o campesinato e a burguesia liberal na mesma coalizão ao mesmo tempo: ajudar a burguesia a enganar os camponeses e, assim, isolar os trabalhadores. A revolução agrária poderia ter sido realizada apenas contra a burguesia e, portanto, somente através das massas da ditadura do proletariado. Não existe um terceiro regime intermediário.

Do ponto de vista da teoria, a coisa mais surpreendente sobre a política espanhola de Stalin é o total desprezo pelo ABC do leninismo. Após um atraso de várias décadas – e que décadas! – a Internacional Comunista reabilitou completamente a doutrina do menchevismo. Mais do que isso, a Internacional Comunista conseguiu tornar essa doutrina mais “consistente” e, por esse motivo, mais absurda. Na Rússia czarista, no limiar de 1905, a fórmula da “revolução puramente democrática” tinha a seu favor, em qualquer caso, incomensuravelmente mais argumentos do que em 1937 na Espanha. Não é de surpreender que na Espanha moderna “a política trabalhista liberal” do menchevismo tenha se convertido na política reacionária anti-trabalhistas do stalinismo. Ao mesmo tempo, a doutrina dos mencheviques, essa caricatura do marxismo, foi convertida em uma caricatura de si mesma.

“TEORIA” DA FRENTE POPULAR

Seria ingênuo, no entanto, pensar que a política da Internacional Comunista na Espanha decorre de um “erro” teórico. O stalinismo não é guiado pela teoria marxista, ou mesmo por qualquer teoria, mas pelos interesses empíricos da burocracia soviética. Em seus círculos íntimos, os cínicos soviéticos zombam da “filosofia” de Dimitrov[i] da Frente Popular. Mas eles têm à sua disposição para enganar as massas grandes quadros de propagadores desta fórmula sagrada, sinceros e trapaceiros, simplórios e charlatães. Louis Fischer, com sua ignorância e presunção, com seu racionalismo provinciano e surdez congênita à revolução, é o representante mais repulsivo dessa irmandade pouco atraente. “A união das forças progressistas!” “O triunfo da ideia da frente popular!” “O ataque dos trotskistas à unidade das fileiras antifascistas!” …. Quem acreditará que o Manifesto Comunista foi escrito há noventa anos?

Essencialmente, os teóricos da Frente Popular não vão além da primeira regra da aritmética, ou seja: “comunistas” mais socialistas, mais anarquistas e mais liberais somam um total que é maior que seus respectivos números isolados. Essa é toda a sua sabedoria. No entanto, a aritmética sozinha não é suficiente aqui. Necessita-se também pelo menos da mecânica. A lei do paralelogramo de forças se aplica também à política. Nesse paralelogramo, sabemos que a resultante é mais curta, quanto mais as forças componentes divergem entre si. Quando aliados políticos tendem a seguir direções opostas, a resultante mostra-se igual a zero.

Um bloco de grupos políticos divergentes da classe trabalhadora é, às vezes, completamente indispensável para a solução de problemas práticos comuns. Em certas circunstâncias históricas, esse bloco é capaz de atrair as massas pequeno-burguesas oprimidas, cujos interesses se aproximam dos interesses do proletariado. A força conjunta de um bloco desse tipo pode ser muito mais forte que a soma das forças de cada uma de suas partes componentes. Pelo contrário, a aliança política entre o proletariado e a burguesia, cujos interesses sobre questões básicas na época atual divergem em um ângulo de 180 graus, como regra geral, é capaz apenas de paralisar a força revolucionária do proletariado.

A guerra civil, na qual a força da coerção pura dificilmente é eficaz, exige de seus participantes o espírito de suprema auto abnegação. Os trabalhadores e camponeses só podem garantir a vitória se lutarem por sua própria emancipação. Sob essas condições, subordinar o proletariado à liderança da burguesia significa garantir antecipadamente a derrota na guerra civil.

Essas verdades não são de forma alguma o produto de uma análise teórica. Pelo contrário, representam a conclusão irrefutável de toda a experiência da história, começando pelo menos em 1848. A história moderna da sociedade burguesa está repleta de todos os tipos de frentes populares, ou seja, das mais diversas combinações políticas para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola é apenas um elo novo e trágico dessa cadeia de crimes e traições.

ALIANÇA COM A SOMBRA DA BURGUESIA

Em termos políticos, o mais impressionante é o fato de que a Frente Popular espanhola carecia, na realidade, de um paralelogramo de forças. O lugar da burguesia era ocupado por sua sombra. Por meio dos stalinistas, socialistas e anarquistas, a burguesia espanhola subordinou o proletariado a si mesma, sem sequer se preocupar em participar da Frente Popular. A esmagadora maioria dos exploradores de todas as nuances políticas foi abertamente para o campo de Franco. Sem nenhuma teoria de “revolução permanente”, a burguesia espanhola entendeu desde o início que o movimento revolucionário de massas, não importa como ele comece, está dirigido contra a propriedade privada da terra e dos meios de produção, e que era absolutamente impossível acabar com esse movimento por meio de medidas democráticas.

É por isso que apenas restos insignificantes das classes possuidoras permaneceram no campo republicano: os senhores Azaña[ii], Companys[iii] e os advogados políticos da burguesia, mas não a própria burguesia. Tendo apostado tudo na ditadura militar, as classes possuidoras foram capazes, ao mesmo tempo, de fazer uso dos seus representantes políticos do período anterior para paralisar, desorganizar e depois estrangular o movimento socialista das massas no campo “republicano”.

Sem minimamente representar a burguesia espanhola, os republicanos de esquerda ainda menos representavam os trabalhadores e camponeses. Eles não representavam ninguém além de si mesmos. Graças, no entanto, aos seus aliados – socialistas, stalinistas e anarquistas – esses fantasmas políticos desempenharam um papel decisivo na revolução. Como? Muito simplesmente. Ao encarnar os princípios da “revolução democrática”, isto é, a inviolabilidade da propriedade privada.

OS STALINISTAS DA FRENTE POPULAR

As razões da ascensão da Frente Popular espanhola e de sua mecânica interna estão perfeitamente claras. A tarefa dos líderes aposentados da ala esquerda da burguesia consistia em deter a revolução das massas e voltar a ganhar a confiança dos exploradores: “Por que Franco, se nós, os republicanos, podemos fazer a mesma coisa?” Os interesses de Azaña e Companys coincidiam plenamente nesse ponto central com os interesses de Stalin, que precisava ganhar a confiança da burguesia francesa e britânica, ao demonstrar-lhes, na ação, sua capacidade de preservar a “ordem” contra a “anarquia”. Stalin precisava de Azaña e Companys como uma cobertura diante dos trabalhadores: o próprio Stalin, é claro, é a favor do socialismo, mas é preciso ter cuidado para não repelir a burguesia republicana! Azaña e Companys precisavam de Stalin como um carrasco experiente, que goza de autoridade revolucionária. Sem ele, reduzidos a um montão de zeros, não poderiam nem teriam se atrevido a atacar os trabalhadores.

Os reformistas tradicionais da 2ª Internacional, aterrorizados com o curso da luta de classes, começaram a sentir uma nova onda de confiança graças à ajuda de Moscou. Esse apoio foi outorgado, não a todos os reformistas, mas apenas aos mais reacionários: Caballero representava a aristocracia operária do Partido Socialista, enquanto Negrin e Prieto sempre olhavam para a burguesia. Negrin ganhou de Caballero graças a ajuda de Moscou. É verdade que os socialistas de esquerda e os anarquistas, prisioneiros da Frente Popular, se esforçaram para salvar da democracia tudo o que poderia ser salvo. Mas, como não souberam mobilizar as massas contra os gendarmes da Frente Popular, seus esforços, no final das contas, se reduziram a lamentações piedosas. Dessa forma, os stalinistas se aliaram à ala mais direitista, mais abertamente burguesa, do Partido Socialista. Dirigiram seus golpes contra a esquerda, ou seja, contra os agrupamentos centristas que, embora de forma deformada, refletiam a pressão das massas revolucionárias.

Este fato político, por si só bastante significativo, nos dá, ao mesmo tempo, a ideia da degeneração da Internacional Comunista durante os últimos anos. Há algum tempo, definimos o stalinismo como centrismo burocrático; os acontecimentos aportaram certo número de provas da correção dessa definição. No entanto, atualmente, não corresponde à realidade. Os interesses da burocracia bonapartista não se encaixam com o caráter híbrido do centrismo. Em sua busca de entendimento com a burguesia, a camarilha stalinista só é capaz de se aliar aos elementos mais conservadores da aristocracia operária mundial. Devido a isso fica definitivamente estabelecido o caráter contrarrevolucionário do stalinismo na arena mundial.

AS VANTAGENS CONTRARREVOLUCIONÁRIAS DO STALINISMO

Chegamos aqui à chave da solução do problema: como e por que o Partido Comunista Espanhol, insignificante tanto por seus números quanto por sua liderança, foi capaz de concentrar em suas mãos todas as alavancas do poder, apesar da presença das organizações socialistas, incomparavelmente mais poderosas? A explicação corrente, segundo a qual os stalinistas conseguiram o poder graças às armas soviéticas, é superficial. Moscou recebeu o ouro espanhol em troca de suas armas. Segundo as leis do mercado capitalista, isso era o suficiente. Como Stalin obteve o poder nessa operação? Correntemente, costuma-se responder: ao aumentar sua autoridade diante das massas com base em seus abastecimentos, o governo soviético pôde conseguir, como condição de sua ajuda, medidas decisivas contra os revolucionários, afastando dessa forma de seu caminho perigosos adversários. Isso é indiscutível, no entanto, não é mais do que um aspecto do problema, o menos importante. Apesar da “autoridade” adquirida graças aos abastecimentos militares, o Partido Comunista espanhol continuou sendo uma pequena minoria, encontrando da parte dos trabalhadores um ódio cada vez maior. Por outro lado, não bastava que Moscou estabelecesse as condições, faltava que Valência as aceitasse.

Este é o fundo do problema, visto que não só Companys e Negrin, como também Caballero[iv], quando era presidente do Conselho, se rebaixaram, mais ou menos de boa vontade, ante as exigências de Moscou. Por quê? Porque também esses senhores queriam manter a revolução em seu marco democrático burguês.

Nem os socialistas, nem os anarquistas, se opuseram seriamente ao programa stalinista. Eles próprios temiam a ruptura com a burguesia. Aterrorizavam-se ante cada nova ofensiva revolucionária dos trabalhadores. Stalin foi o salvador de todos esses grupos, graças as suas armas e ao seu ultimato contrarrevolucionário. Efetivamente lhes assegurava o que esperavam: a vitória militar sobre Franco e, simultaneamente, os liberava de toda responsabilidade sobre o curso da revolução. Apressaram-se a retirar as máscaras de socialistas, comunistas e anarquistas, com a esperança de poder voltar a utilizá-las quando Moscou lhes restabelecesse a democracia burguesa. Como o toque final de sua confortável posição, esses senhores podiam justificar sua traição para com o proletariado pela necessidade da aliança militar com Stalin. Por seu lado, este último justificava sua política contrarrevolucionária pela necessidade da aliança com a burguesia republicana.

Unicamente deste ponto de vista mais amplo fica clara para nós a angélica tolerância que demonstraram frente aos representantes da GPU, esses campeões do direito e da liberdade, como o são Azaña, Companys, Negrin, Caballero, Garcia Oliver[v] e os demais. Se não puderam escolher, como eles mesmos afirmam, não foi unicamente porque não tinham recursos para pagar aviões e tanques de outra forma que não fosse com as “cabeças” dos revolucionários e com os direitos dos trabalhadores, mas porque lhes era impossível realizar o seu próprio programa “puramente democrático”, ou seja, antissocial, e por outros métodos que não fossem os do terror. Quando os trabalhadores e os camponeses se comprometem no caminho da revolução, isto é, quando se apoderam das fábricas, das grandes propriedades e expulsam os antigos proprietários, tomando localmente o poder, então, a contrarrevolução burguesa-democrática, stalinista ou fascista – para o caso, são todos o mesmo – não tem outro método para deter o movimento revolucionário além da violência, do engodo e da mentira. A vantagem da camarilha stalinista nessa via consiste em que começou imediatamente a aplicar esses métodos, que estavam fora do alcance de Azaña, Companys, Negrin e seus aliados de “esquerda”.

STALIN CONFIRMA A SEU MODO A TEORIA DA REVOLUÇÃO PERMANENTE

Foi assim que dois programas se enfrentaram no território espanhol. Por um lado, o da salvaguarda a qualquer preço da propriedade privada contra o proletariado, e se fosse possível, a salvaguarda da democracia contra o fascismo. Por outro, o programa da abolição da propriedade privada, graças à conquista do poder pelo proletariado. O primeiro expressava o programa do grande capital, por meio da aristocracia operária, das camadas melhor situadas da pequena burguesia e, sobretudo, por meio da burocracia soviética. O segundo traduzia, na linguagem marxista, as tendências do movimento revolucionário de massas, não plenamente conscientes, mas poderosas. Para infelicidade da revolução, entre um punhado de bolcheviques e o proletariado se levantava o muro contrarrevolucionário da Frente Popular.

Por seu lado, a política da Frente Popular não foi determinada de forma alguma pela chantagem de Stalin, enquanto abastecedor de armas. Sem dúvida, a chantagem está incluída nas condições internas da própria revolução. Durante os últimos seis anos, o fundo social desta última foi a ofensiva crescente das massas contra a propriedade semifeudal e burguesa. Foi precisamente a necessidade de defender essa propriedade o que empurrou a burguesia para os braços de Franco. O governo republicano havia prometido à burguesia defender a propriedade baseando-se em medidas “democráticas”, mas sofreu uma derrota completa, sobretudo em julho de 1936. Quando a situação da propriedade privada se tornou ainda mais ameaçada que a própria situação militar, os democratas de todos os tipos, incluídos os anarquistas, inclinaram-se diante de Stalin, e este último não encontrou em seu arsenal outros métodos que os de Franco.

Sem perseguição contra os trotskistas, poumistas, anarquistas revolucionários e socialistas de esquerda, sem as calúnias baixas, os documentos falsificados, as torturas nas prisões stalinistas, os assassinatos pelas costas; sem tudo isso, a bandeira da burguesia não teria durado nem dois meses junto à bandeira republicana. A GPU se fez dona da situação porque defendeu de forma mais consequente que os demais, isto é, com mais armadilhas, os interesses da burguesia contra o proletariado. Durante sua luta contra a revolução socialista, o democrata Kerensky buscou, em primeiro lugar, um apoio na ditadura militar de Kornilov, depois tentou entrar em Petrogrado nos vagões do general monárquico Krasnov; por outro lado, os bolcheviques, para levar a revolução democrática até o final, viram-se obrigados a derrubar o governo dos charlatães e falastrões democráticos. Ao fazer isso, acabaram, de passagem, com todas as tentativas de ditadura militar ou fascista.

A revolução espanhola demonstra que é impossível defender a democracia contra as massas revolucionárias de outra forma que não seja através dos métodos da reação fascista. E, inversamente, é impossível conduzir uma luta contra o fascismo de outra forma que não seja através dos métodos da revolução proletária. Stalin travou uma guerra contra o “trotskismo” (revolução proletária), destruindo a democracia através das medidas bonapartistas da GPU. Isso refuta mais uma vez e de uma vez por todas a velha teoria menchevique, adotada pela Internacional Comunista, segundo a qual as revoluções democrática e socialista são transformadas em dois capítulos históricos independentes, separados um do outro pelo tempo. O trabalho dos carrascos de Moscou confirma, à sua maneira, a correção da teoria da revolução permanente.

O PAPEL DOS ANARQUISTAS

Os anarquistas não tiveram nenhuma posição independente na revolução espanhola. Não fizeram mais que oscilar entre o bolchevismo e o menchevismo. Ou, mais exatamente, os trabalhadores anarquistas tendiam a buscar uma saída pela via bolchevique (19 de julho, jornadas de maio), os dirigentes, pelo contrário, empurravam as massas com todas as suas forças para o campo da Frente Popular; isto é, para o regime burguês.

Os anarquistas deram prova de uma incompreensão fatal das leis da revolução e de suas tarefas, visto que limitaram a revolução aos sindicatos, ou seja, às organizações de tempos de paz, impregnadas de rotina e ignorantes do que ocorria fora delas, nas massas, nos partidos políticos e no aparato de Estado. Se os anarquistas fossem revolucionários, teriam apelado, antes de mais nada, à formação de sovietes que reunissem todos os representantes da cidade e do campo, incluindo os milhões de trabalhadores super-explorados que jamais haviam entrado em um sindicato. Naturalmente, os trabalhadores revolucionários teriam tomado uma posição dominante nos sovietes. Os stalinistas ficariam em proporção insignificante. O proletariado ficaria convencido de sua força invencível. O aparato de Estado não seria levado em conta para nada. Não seria necessário um golpe demasiado forte para que esse aparato caísse por terra. A revolução socialista teria recebido um impulso poderoso. O proletariado francês não continuaria permitindo a Léon Blum bloquear a revolução por mais tempo do outro lado dos Pirineus.

Tampouco a burocracia de Moscou poderia se permitir tal luxo. As questões mais difíceis teriam se resolvidas à medida em que surgissem.

Em vez disso, os anarquistas, que tentaram se refugiar na política dos sindicatos, se converteram, com grande assombro de todos, e começando por eles mesmos, na quinta roda do carro da democracia burguesa. Não por muito tempo, pois uma quinta roda não serve para nada. Depois que Garcia Oliver e Cia ajudaram a Stalin e seus comparsas a roubar o poder aos trabalhadores, os próprios anarquistas foram expulsos do governo de Frente Popular. Dissimularam o seu terror de pequeno-burguês ante o grande burguês, de pequeno burocrata ante o grande burocrata, com base em discursos lacrimejantes sobre a santidade da frente única (das vítimas com os verdugos) e sobre a impossibilidade de admitir qualquer ditadura, inclusive a sua própria. “Teríamos podido tomar o poder em julho de 1936. Teríamos podido tomar o poder em maio de 1937…”. Era assim como os anarquistas imploravam a Negrin e Stalin para que reconhecessem sua traição à revolução. Um quadro repugnante.

Uma só justificativa: “Não tomamos o poder, não porque não pudéssemos, mas porque não quisemos, porque somos contra toda ditadura” etc., o que contém uma condenação do anarquismo enquanto doutrina contrarrevolucionária. Renunciar à conquista do poder é deixá-lo voluntariamente aos que o mantém, os exploradores. O fundo de toda revolução consistiu e consiste em levar uma nova classe ao poder, dando-lhe assim todas as possibilidades de realizar o seu programa. É impossível fazer a guerra sem desejar a vitória. Ninguém teria podido impedir aos anarquistas que estabelecessem, depois da tomada do poder, o regime que lhes parecesse, admitindo, evidentemente, que fosse realizado. Mas os dirigentes anarquistas perderam a fé neles mesmos. Afastaram-se do poder não porque haviam abandonado totalmente os seus princípios, haviam perdido a coragem, se é que algum vez a tiveram. Tinham medo de tudo, do isolamento, da intervenção, do fascismo, tinham medo de Stalin, tinham medo de Negrin. Mas a quem não temiam esses charlatães era as massas revolucionárias.

Quem se nega a conquistar o poder, abandona inevitavelmente toda a organização operária nos braços do reformismo, fazendo dela um brinquedo da burguesia; tendo-se em conta a estrutura de classe da sociedade, não pode ser de outra forma.

Lutando contra o fim, a tomada do poder, os anarquistas não podiam, afinal, deixar de lutar contra o meio, a revolução. Os dirigentes da CNT, da FAI, ajudaram à burguesia não só a se manter na sombra do poder em julho de 1936, como também a recuperar, pedaço por pedaço, tudo o que haviam perdido de um só golpe. Em maio de 1937, sabotaram a insurreição dos trabalhadores salvando, assim, a ditadura da burguesia. Dessa forma, então, o anarquista, que não queria ser mais do que apolítico, de fato se converteu em antirrevolucionário e, nos momentos mais críticos, em contrarrevolucionário.

Os teóricos anarquistas que, desde a grande prova de 1931-1937, nada mais fazem que repetir velhos contos reacionários sobre Kronstadt, afirmando que o stalinismo é o produto inevitável do marxismo, nada mais fazem que demonstrar que morreram para a revolução.

Dizeis que o marxismo é em si mesmo depravado e que o stalinismo é sua descendência legítima? Então, por que nós, os marxistas revolucionários, lutamos até a morte contra o stalinismo?

Por que a gang stalinista vê no trotskismo seu inimigo mortal? Por que toda aproximação conosco ou com nossa forma de agir (Durruti[vi], Nin, Landau e os demais) obriga aos gangsteres de Stalin a recorrer a uma repressão sangrenta? Por que, por outro lado, os dirigentes anarquistas espanhóis, na época dos crimes da GPU, eram ministros de Caballero-Negrin, isto é, dos servidores da burguesia e de Stalin? Por que, mesmo agora, sob o pretexto da luta contra o fascismo, os anarquistas continuam sendo prisioneiros voluntários de Stalin-Negrin, ou seja, dos verdugos da revolução? Por sua incapacidade de lutar contra o fascismo?

Os defensores do anarquismo que pregam contra Kronstadt e a favor de Makhno não enganam ninguém. Tanto no episódio de Kronstadt quanto na luta contra Makhno, nós defendemos a revolução proletária frente a contrarrevolução camponesa. Os anarquistas espanhóis defenderam e defendem ainda a contrarrevolução burguesa frente a revolução proletária. Nenhum sofisma fará desaparecer da história o fato de que o anarquismo e o stalinismo estão do mesmo lado da barricada, as massas e os marxistas do outro. Esta é a verdade que penetrará para sempre na consciência do proletariado.

O PAPEL DO POUM

Não é melhor a parte que toca ao POUM. Certamente, tentou se apoiar na fórmula da revolução proletária (por essa razão, os stalinistas acusaram os poumistas de trotskistas), mas a revolução não se contenta com simples reconhecimentos teóricos. Em vez de mobilizar as massas contra os dirigentes reformistas, incluídos os anarquistas, o POUM tentou convencer esses senhores sobre as vantagens do socialismo sobre o capitalismo. A partir desse diapasão, se concentravam todos os artigos e discursos dos líderes do POUM. Para não brigar com os líderes anarquistas, não organizaram suas próprias células na CNT e, em geral, não realizaram nenhum trabalho nela. Evitando os conflitos agudos, não realizaram nenhum trabalho no exército republicano. Em vez disso, construíram seus “próprios sindicatos”, suas “próprias milícias” que defendiam seus próprios prédios e se ocupavam de seus próprios setores do front.

Ao isolar a vanguarda revolucionária da classe, o POUM debilitou a vanguarda, deixando as massas sem direção. Politicamente, o POUM esteve incomparavelmente mais próximo da Frente Popular, onde cobria a ala esquerda, do que do bolchevismo. Se o POUM foi vítima de uma repressão sangrenta e falaciosa, é porque a Frente Popular não podia cumprir sua tarefa de esmagar a revolução socialista sem destroçar, pedaço por pedaço, o seu próprio flanco esquerdo.

Ao contrário de suas próprias intenções, o POUM provou ser, em última análise, o principal obstáculo no caminho para a criação de um partido revolucionário. Os partidários platônicos ou diplomáticos da Quarta Internacional, como Sneevliet, líder do Partido Socialista Revolucionário Socialista Holandês, que demonstrativamente apoiaram o POUM em suas medidas intermediárias, sua indecisão e evasão, enfim, em seu centrismo, assumiram a maior responsabilidade. A revolução abomina o centrismo. A revolução expõe e aniquila o centrismo. De passagem, a revolução desacredita os amigos e advogados do centrismo. Essa é uma das lições mais importantes da revolução espanhola.

O PROBLEMA DO ARMAMENTO

Os socialistas e anarquistas que tentam justificar sua capitulação ante Stalin pela necessidade de pagar as armas a Moscou, com base no abandono de toda consciência e de todos os princípios, simplesmente estão mentindo e, ademais, mentem estupidamente. Certamente, muitos deles prefeririam passar sem assassinatos e sem falsificações, mas todo objetivo exige meios correspondentes. Desde abril de 1931, ou seja, desde muito antes da intervenção militar de Moscou, os anarquistas e os socialistas fizeram de tudo para frear a revolução proletária. Stalin os ensinou a levar essa tarefa até o final. Converteram-se em cúmplices de Stalin porque tinham os mesmos objetivos políticos.

Se os dirigentes anarquistas fossem somente um pouco revolucionários, desde a primeira chantagem de Moscou, poderiam responder não só com a continuação da ofensiva socialista, como também por meio da difusão, ante a classe trabalhadora, das condições contrarrevolucionárias impostas por Stalin. Ao fazer isso, teriam colocado a ditadura de Moscou entre a revolução socialista e a ditadura de Franco. A burocracia termidoriana teme e odeia a democracia. Mas também teme ver-se estrangulada pelo laço fascista. Por outro lado, depende dos trabalhadores. Tudo isso permite supor que Moscou se veria obrigado a proporcionar armas e, possivelmente, a um preço mais moderado.

Mas o mundo não se reduz à Moscou de Stalin. Durante o ano e meio de guerra civil, a indústria de guerra espanhol poderia ter avançado, adaptando uma série de fábricas civis às necessidades da guerra. Se esse trabalho não foi realizado deve-se unicamente a que as iniciativas das organizações operárias foram atacadas tanto por Stalin quanto por seus aliados espanhóis. Uma potente indústria de guerra seria uma poderosa arma nas mãos dos trabalhadores. Os líderes da Frente Popular preferem depender de Moscou.

É precisamente nessa questão onde aparece de forma particularmente clara o nefasto papel da Frente Popular, que impunha às organizações dos trabalhadores a responsabilidade das transações da burguesia com Stalin. Na medida em que os anarquistas se encontravam em minoria, evidentemente, não podiam impedir ao bloco dirigente que firmasse os acordos que parecessem convenientes com os amos de Moscou, Paris e Londres, mas o que podiam e deviam fazer era serem os melhores combatentes no front, diferenciar com precisão as traições e os traidores e explicar a verdadeira situação às massas, mobilizando-as contra o governo burguês para aumentar a cada dia suas forças para, no final das contas, apoderar-se do poder e, com ele, das armas de Moscou.

Mas o que poderia ocorrer se Moscou, devido à falta da Frente Popular, tivesse se negado a entregar as armas? E que teria ocorrido – respondemos nós – se a União Soviética não existisse? Até agora as revoluções não haviam vencido graças a protetores estrangeiros que lhes proporcionassem armas. Geralmente, os protetores estrangeiros estavam do lado da contrarrevolução. Precisamos mencionar a intervenção francesa, inglesa e norte-americana contra a União Soviética? O proletariado da Rússia venceu a contrarrevolução interna e externa sem necessidade de apoio material do exterior. As revoluções venceram, antes de mais nada, graças a um programa socialista que dá às massas a possibilidade de se apoderar das armas que encontram em seu território e de dispersar o exército inimigo. O Exército Vermelho se apoderou das reservas militares francesas, inglesas e norte-americanas, lançando ao mar os restos dos corpos expedicionários estrangeiros. Já se esqueceu disso?

Se à frente dos trabalhadores e camponeses armados, isto é, à frente da Espanha republicana, estivessem revolucionários em vez de agentes covardes da burguesia, o problema do armamento não teria desempenhado um papel tão grande. O exército de Franco, incluindo os Berberes coloniais e os soldados de Mussolini, não estava de forma alguma assegurado contra o contágio revolucionário. Rodeado por todos os lados pela conflagração da revolução socialista, os soldados fascistas seriam reduzidos a uma quantidade insignificante. Não foram as armas nem o gênio militar que faltaram em Madri e Barcelona; o que faltou foi um partido revolucionário.

AS CONDIÇÕES PARA A VITÓRIA

No fundo, as condições da vitória das massas na guerra civil contra os opressores eram muito simples:

  1. Os combatentes do exército revolucionário devem ter plena consciência de que estão lutando por sua completa emancipação, e não pelo restabelecimento da antiga forma (democrática) de exploração.
  2. Os trabalhadores e camponeses na retaguarda do exército revolucionário, bem como na retaguarda do inimigo, devem conhecer e entender a mesma coisa.
  3. A propaganda em sua própria frente, bem como na frente do inimigo e em ambas as retaguardas, deve ser completamente permeada pelo espírito da revolução social. O slogan “Primeiro a vitória, depois as reformas” é o slogan de todos os opressores e exploradores, desde os reis bíblicos até Stalin.
  4. A política é determinada pelas classes e estratos que participam da luta. As massas revolucionárias devem ter um aparato estatal que expresse direta e imediatamente sua vontade. Somente os sovietes dos deputados operários, soldados e camponeses podem atuar como tal aparato.
  5. O exército revolucionário deve, não só proclamar, mas realizar imediatamente, nas províncias conquistadas, as medidas mais urgentes de revolução social: expropriação e entrega aos mais necessitados das reservas alimentícias existentes, a redistribuição dos alojamentos em benefício dos trabalhadores e, sobretudo, das famílias dos combatentes, a expropriação da terra e dos instrumentos agrícolas em benefício dos camponeses, o estabelecimento do controle operário sobre a produção e do poder soviético no lugar da antiga burocracia.
  6. Devem ser expulsos sem piedade do exército revolucionário os inimigos da revolução socialista, ou seja, os exploradores e seus agentes, mesmo quando se cobrem com a máscara de “democratas”, “republicanos”, “socialistas” ou “anarquistas”.
  7. À frente de cada divisão deve encontrar-se um comissário com autoridade inquestionável como revolucionário e como soldado.
  8. Em cada divisão militar deve haver um núcleo homogêneo dos combatentes mais abnegados, recomendados pelas organizações operárias. Este núcleo só tem um privilégio: o de serem os primeiros a combater.
  9. Nos tempos iniciais, o quadro de comando inclui necessariamente muitos elementos estranhos e pouco seguros. Devem ser postos à prova e selecionados com base na experiência de combate, nas recomendações dos comissários e nos depoimentos dos combatentes comuns. Ao mesmo tempo, devem ser empreendidos grandes esforços com vistas à preparação dos comandantes provenientes das fileiras dos trabalhadores revolucionários.
  10. A estratégia da guerra civil deve combinar as regras da arte militar com as tarefas da revolução social. Não apenas na propaganda, mas também nas operações militares, é necessário levar em consideração a composição social das várias unidades militares do inimigo (voluntários burgueses, camponeses mobilizados ou, como no caso de Franco, escravos coloniais); e na escolha das linhas de operação, é necessário levar em consideração rigorosamente a estrutura social dos territórios correspondentes (regiões industriais, regiões camponesas, revolucionárias ou reacionárias, regiões de nacionalidades oprimidas, etc.). Em resumo, a política revolucionária domina a estratégia.
  11.  Tanto o governo revolucionário quanto o comitê executivo dos trabalhadores e camponeses devem saber conquistar a total confiança do exército e da população trabalhadora.
  12. A política externa deve ter como objetivo principal o despertar da consciência revolucionária dos trabalhadores, camponeses explorados e nacionalidades oprimidas de todo o mundo.

STALIN ASSEGUROU AS CONDIÇÕES DA DERROTA

Como se pode ver, as condições da vitória são bem simples. Em seu conjunto, chamam-se revolução socialista. Nenhuma dessas condições existia na Espanha. A principal razão é a falta de um partido revolucionário. Stalin tentou trasladar à Espanha os procedimentos externos do bolchevismo: o Politburo, comissários, células, a GPU etc. Mas esvaziou todas essas formas de seu conteúdo socialista. Rechaçou o programa bolchevique e, com ele, os sovietes como forma necessária da iniciativa das massas. Colocou a técnica do bolchevismo a serviço da propriedade burguesa. Em sua estreita mente burocrática imaginava que os comissários, por si sós, eram capazes de assegurar a vitória. Mas os comissários da propriedade privada não são capazes de assegurar mais do que a derrota.

O proletariado exibiu qualidades combativas de primeira ordem. Por seu peso específico na economia do país, por seu nível cultural e político, encontrava-se, desde o início da revolução, muito acima do proletariado russo no início de 1917. Os principais obstáculos para a vitória foram suas próprias organizações. A camarilha dirigente, cúmplice da contrarrevolução, estava formada por agentes pagos, carreiristas, elementos desclassificados e todo tipo de lixo social. Os representantes das demais organizações operárias, reformistas inveterados, anarquistas charlatães, centristas incuráveis do POUM, grunhiam, duvidavam, suspiravam, manobravam, mas no final das contas se adaptavam ao stalinismo.

O resultado de todo o seu trabalho foi que o campo da revolução socialista (operários e camponeses) se encontrou submetido à burguesia ou, mais exatamente, à sua sombra; perdeu o seu caráter, perdeu o seu sangue. Não faltou o heroísmo das massas nem a coragem de revolucionários isolados. Mas as massas foram abandonadas a si mesmas enquanto os revolucionários permaneceram desunidos, sem programa, sem plano de ação. Os comandantes militares “republicanos” estavam mais preocupados em esmagar a revolução socialista do que nas vitórias militares. Os soldados perderam a confiança em seus comandantes, as massas em seu governo, os camponeses ficaram de lado, os operários se cansaram, as derrotas se sucediam, a desmoralização crescia. Não era difícil de se prever tudo isso no início da guerra civil. A Frente Popular estava destinada à derrota militar, já que tinha como meta salvaguardar o regime capitalista. Ao colocar o bolchevismo de cabeça para baixo, Stalin realizou com êxito o papel de principal coveiro da revolução.

A experiência espanhola – diga-se de passagem – demonstra que Stalin falhou completamente em compreender a Revolução de Outubro ou a guerra civil russa. Sua lenta menta provinciana ficou defasada com relação à marcha impetuosa dos acontecimentos de 1917 a 1921. Nos seus discursos e artigos em 1917, onde ele expressava suas próprias ideias, já se contém toda sua posterior “doutrina” termidoriana. Nesse sentido, o Stalin da Espanha em 1937 é o continuador do Stalin da conferência de março de 1917 dos bolcheviques. Mas em 1917 ele apenas temia os trabalhadores revolucionários; em 1937 ele os estrangulou. O oportunista tornou-se o carrasco.

A GUERRA CIVIL NA RETAGUARDA

“Mas, para se conseguir a vitória sobre os governos Caballero-Negrin, teria sido necessária uma guerra civil na retaguarda do exército republicano!”, chora aterrorizado o filisteu democrata. Como se já não existisse, sem necessidade disso, na Espanha republicana, a guerra mais pérfida e desonesta, a guerra dos proprietários e exploradores contra os trabalhadores e camponeses. Essa guerra ininterrupta se traduzirá em prisões, assassinatos de revolucionários, desarmamento dos trabalhadores, armamento da polícia burguesa, abandono no front, sem armas ou recursos, dos destacamentos operários e, finalmente, a restrição oficial do desenvolvimento da indústria de guerra.

Cada um desses atos constituirá um forte golpe para o front, uma evidente traição militar ditada pelos interesses da burguesia. No entanto, o filisteu democrata, seja stalinista, socialdemocrata ou anarquista, julga a guerra civil da burguesia contra o proletariado, mesmo na retaguarda próxima ao front, como uma guerra natural e inevitável, que tem por finalidade “assegurar a unidade da Frente Popular”. Pelo contrário, a guerra civil do proletariado frente à contrarrevolução republicana é, do ponto de vista do mesmo filisteu, uma guerra criminosa, “fascista”, “trotskista”, que rompe a unidade das forças antifascistas. Dezenas de Norman Thomas, de Attle, de Otto Bauer, de Zyromsky, de Malraux e de pequenos traficantes de mentiras do tipo Duranty e Louis Fischer, difundem essa sabedoria por todo o mundo. Enquanto isso, o governo da Frente Popular se transfere de Madri a Valencia e de Valencia a Barcelona.

Se, como os fatos confirmam, a revolução socialista é a única capaz de esmagar o fascismo, não é menos certo que a insurreição do proletariado não pode ser concebida apenas quando a classe dominante está aterrorizada pelas maiores dificuldades. No entanto, os filisteus democratas invocam precisamente essas dificuldades para demonstrar que a insurreição proletária é inadmissível. Se o proletariado está esperando que sejam os filisteus democratas quem lhe vá anunciar a hora de sua emancipação, continuará escravo eternamente. A primeira tarefa, e a principal, da revolução é ensinar aos trabalhadores a reconhecer os filisteus reacionários sob todos os seus disfarces e a desprezá-los, seja qual for esse disfarce.

O DESENLACE

Por sua própria natureza, a ditadura do stalinismo no campo republicano não poderá se prolongar por muito tempo. Se as derrotas provocadas pela política da Frente Popular empurrarem mais uma vez o proletariado a uma ofensiva revolucionária, vitoriosa desta vez, a camarilha stalinista ficará marcada com um ferro em brasa. Mas se, como é provável, Stalin conseguir terminar a sua obra de coveiro da revolução, inclusive neste caso ninguém lhe ficará agradecido. A burguesia espanhola necessitou dele como verdugo, mas ele não lhes é útil como protetor e preceptor. De seus pontos de vista, Londres e Paris, por um lado, Roma e Berlim, por outro, são muito mais sérios do que Moscou. É possível que Stalin prefira se retirar da Espanha antes da catástrofe definitiva. Tentará fazer com que a responsabilidade da derrota caia sobre os seus aliados. Depois disso, Litvinov solicitaria a Franco o restabelecimento das relações diplomáticas. Isso é algo que já vimos muitas vezes.

No entanto, uma vitória completa do exército republicano sobre Franco não significaria de forma alguma o triunfo da democracia. Os trabalhadores e camponeses conduziram os republicanos e seus agentes duas vezes ao poder: em abril de 1931 e em fevereiro de 1936. Nas duas vezes, os heróis da Frente Popular cederam a vitória do povo aos representantes mais reacionários da burguesia. Uma terceira vitória obtida pelos generais da Frente Popular significaria seu acordo inevitável com a burguesia fascista por trás dos trabalhadores e camponeses. Um regime desse tipo não seria mais do que outra forma de ditadura militar, inclusive sem monarquia e sem domínio aberto da Igreja Católica.

Em suma, é possível que as vitórias parciais dos republicanos sejam utilizadas pelos intermediários anglo-franceses “desinteressados” com a finalidade de reconciliar os beligerantes. Não é difícil de entender que, numa variante desse tipo, os últimos restos de democracia seriam sufocados nos abraços fraternais dos generais Miaja (comunista) e Franco (fascista). Mais uma vez, só pode vencer ou a revolução socialista ou o fascismo.

Por outro lado, não se exclui que a tragédia dê lugar, no último momento, a uma farsa. Quando os heróis da Frente Popular tiverem que abandonar sua última capital antes de subir ao barco ou ao avião, proclamarão uma série de reformas socialistas para deixar ao povo uma boa lembrança deles. No entanto, isso não servirá para nada. Os trabalhadores do mundo inteiro se lembrarão com raiva e com desprezo dos partidos que levaram uma população heroica à derrota.

A trágica experiência da Espanha é uma advertência ameaçadora, podendo ser a última ante acontecimentos mais grandiosos, dirigida a todos os trabalhadores do mundo. Segundo as palavras de Marx, as revoluções são as locomotivas da história, avançam mais rápidas que o pensamento dos partidos semi-revolucionários ou somente um quarto dos revolucionários. Quem ficar para trás, vai cair sob as rodas da locomotiva. Além disso, e este é o principal risco, a própria locomotiva frequentemente descarrila.

O problema da revolução deve ser analisado até o fundo, até suas últimas consequências concretas. É necessário ajustar a política às leis básicas da revolução, ou seja, ao movimento das classes em conflito e não aos preconceitos ou medos dos grupos pequeno-burgueses superficiais que se autodenominam Frentes “Populares” e todo tipo de frente. Durante a revolução, a linha de menor resistência é a linha do maior desastre. Temer o “isolamento” da burguesia é incorrer no isolamento das massas. A adaptação aos preconceitos conservadores da aristocracia trabalhista é uma traição aos trabalhadores e à revolução. Um excesso de “cautela” é a mais desagradável falta de cautela. Esta é a principal lição da destruição da organização política mais honesta da Espanha, a saber, o centrista POUM. Obviamente, os partidos e os grupos do Bureau de Londres não desejam tirar as conclusões necessárias do último aviso da história ou são incapazes de fazê-lo. Por essa razão, estão indo direto até sua própria derrota.

A título de compensação, uma nova geração de revolucionários agora está sendo educada pelas lições das derrotas. Pôde confirmar na prática a reputação ignominiosa da II Internacional. Pôde medir a profunda queda da 3ª Internacional. Aprendeu a julgar os anarquistas, não por suas palavras, mas por seus atos. É uma grande e inestimável escola, paga com o sangue de incontáveis lutadores. Os quadros revolucionários estão se agrupando apenas sob a bandeira da 4ª Internacional. Nascida em meio aos rugidos das derrotas, a 4ª Internacional levará os trabalhadores à vitória.


[i] Geórgi Mikhaïlov Dimitrov – Secretário-geral da Internacional Comunista entre 1934 e 1943.

[ii] Manuel Azaña – Primeiro-ministro da República Espanhola duas vezes (1931 e 1936). Presidente da República entre 1936 e 1939.

[iii] Luis Companys – Chefe de governo da generalitat da Catalunha durante a guerra civil. Membro do partido nacionalista Esquerda Catalã.

[iv] Largo Caballero – Sindicalista e dirigente do Partido Socialista Espanhol, vai de sua ala reformista à esquerda, durante a revolução espanhola (1931-39), mantendo-se, contudo, no quadro da Frente Popular, na qual ocupou brevemente a Chefia do Governo (1936), sendo afastado pela ala burguesa-stalinista.

[v] Garcia Olivier – Dirigente da ala direita dos anarquistas.

[vi] Buenaventura Durruti – Dirigente da ala esquerda dos anarquistas, organizador das milícias operárias, sua famosa coluna encabeçou a defesa de Madri contra as forças fascistas.

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