Mais uma vez, a propósito dos “indignados”

Andreu Camps •

O surgimento do movimento dos “indignados” deu-se numa situação em que a maioria dos jovens se sentia traída pelos partidos tradicionais da classe operária, sem encontrar respostas nas grandes organizações sindicais, UGT (União Geral dos Trabalhadores) e CCOO (Comissões Operárias), atoladas em sua política de diálogo social.

Lembremos que a assinatura, em 2 de fevereiro de 2011, do pacto que põe em xeque o regime das aposentadorias, constitui uma ruptura entre a classe trabalhadora adulta e a juventude sem direitos e sem trabalho.

As condições objetivas do surgimento desse tipo de mobilização estavam dadas: é uma válvula de escape para a combatividade de centenas de milhares de jovens que se mobilizaram todo o país, incluindo bom número de trabalhadores.

Em todas as suas declarações, os “indignados’ se apresentam como um “movimento da sociedade civil”. E, no último período, sob a influência do “Occupy Wall Street”, dizem que a sociedade está dividida em porcentagens: 1% e 99%, e que eles representam os… 99%.

Evidentemente, a sociedade não está dividida em porcentagens. Em todos os países, a sociedade é dividida em classes: a classe proprietária dos meios de produção e de comercialização; a classe operária, assalariada, que vive da venda de sua força de trabalho; e a “classe média”, extremamente heterogênea, composta por pequenos empresários, comerciantes, profissionais liberais e agricultores, camada que, na maioria dos países, é numericamente majoritária.

É, portanto, a capacidade das duas principais classes da sociedade – o seu grau de organização e de consciência – que nos permite determinar quais são os objetivos que permitem reunir a grande maioria, e é a partir daí que caracterizamos os diferentes movimentos que existem.

Nesse sentido, o movimento dos “indignados”, politicamente, coloca-se no quadro da reforma do regime da propriedade privada, no quadro da sua humanização e da reforma das instituições existentes – em nosso caso, a monarquia herdeira do franquismo, fundada sobre a regionalização do país e subordinada à União Europeia. Em nenhum momento este movimento caracteriza as instituições como instituições do capital financeiro, a seu serviço ou constituídas por ele.

É por isso que este movimento tenta passar por cima da divisão em classes, dizendo falar em nome de toda a sociedade; e, nas suas manifestações mais extremas, transforma-se em “inimigo” da classe operária organizada. Voltaremos a isso.

Desde 20 de novembro…

A “vitória” da direita nas eleições legislativas na Espanha tem sido usada pelo aparelho dirigente do PSOE (Partido Socialista, NdT) para tentar desferir um golpe contra a resistência da classe trabalhadora, fazendo com que ela assuma a responsabilidade pela sua própria derrota eleitoral. Isso também provocou, como consequência indireta, a dispersão do movimento dos “indignados”, que, durante os meses anteriores, dava a impressão de uma aparente unidade entre as diferentes regiões do país, por conta dos repetidos dias de mobilização e manifestações.

Em novembro de 2011, foi publicado um livro intitulado “Há Alternativas: Propostas para Criação de Empregos e Bem-Estar Social na Espanha”. Esta obra é, nesse momento, o pequeno “Livro Vermelho” das assembleias e dos grupos que se dizem “indignados”. Ele foi escrito por três políticos: Vicençe Navarro, professor universitário, antigo exilado político que passou uma longa temporada nos Estados Unidos, membro da ala esquerda do Partido Democrata, ex-conselheiro de Bill Clinton para a sua reforma da saúde, e que se apresenta como um social-democrata sincero; Juan Torres, jornalista, bastante conhecido por sua defesa das idéias republicanas; e Alberto Garçon, jovem deputado da Esquerda Unida, coligação eleitoral do Partido Comunista de Espanha, um dos líderes dos “indignados” em Málaga, no sul do Estado espanhol.

Em sua dedicatória, eles se dirigem a “todas as pessoas, e especialmente aos mais jovens, que, a partir do 15M, saíram às ruas para rejeitar as políticas neoliberais que suprimem os direitos sociais e para exigir outras medidas alternativas mais justas para sair da crise.”

Quais são suas propostas?

A primeira exigência é reformar os organismos internacionais para democratizá-los”. “É necessário fortalecer a Organização das Nações Unidas”. “A Espanha, sendo membro da União Europeia e da Zona do Euro, uma democratização profunda da União Europeia é necessária”. “A União Europeia deveria se reestruturar num contexto federal, para permitir um pacto social capital-trabalho a nível europeu”. “Consideramos que é indispensável o fortalecimento de uma governança europeia das relações econômicas. O Banco Central Europeu deveria se transformar em um verdadeiro banco central, prestando contas ao Parlamento europeu.

Obviamente, seria preciso regenerar a democracia… com “a introdução de formas diretas de participação, por meio de referendos obrigatórios”.

Para concluir: “Seria preciso uma outra economia, outras relações sociais, outros seres humanos. Devemos aprender a pensar ao contrário, deixarmos de ser escravos dos caprichos e capazes de dominar a necessidade.

O mínimo que podemos dizer é que esses políticos são claros: é a velha ladainha da doutrina social da Igreja, disfarçada de política social-democrata. É por isso que a sua referência histórica é Franklin D. Roosevelt, o New Deal [1]. “Como disse Roosevelt em 1944, durante a Convenção de Filadélfia, o trabalho não é uma mercadoria. Não haverá paz duradoura sem justiça social”.

Sejamos claros: politicamente, isso tem uma ligação direta com aquilo que a Confederação Europeia de Sindicatos (CES) defende e tenta impor a todas as confederações nacionais. De fato, a CES chamou para 29 de fevereiro de 2012 um Dia de Ação Sindical Europeia sob a palavra de ordem: “Basta, já basta! Existem alternativas para o emprego e a justiça social.”

Lembremos que, em 7 de dezembro de 2011, oito dos principais dirigentes sindicais europeus, entre eles Sommer, da DGB (Alemanha), e Thibault, da CGT (França), Toxo e Mendez, CCOO e UGT (Espanha), fizeram o chamado a um “novo contrato social europeu”, fazendo explicitamente tábula rasa de todos os direitos e conquistas obtidos pelas classes operárias dos países europeus após a 2ª Guerra Mundial.

Qual a diferença em relação àquilo que os “indignados” consideram como seus oráculos?

As pretensas “cooperativas” como saída!

Não é por mania ou raiva que falamos de Vicençe Navarro. Ele é um verdadeiro militante de sua causa. Multiplica as reuniões, os encontros, as publicações na mídia, os artigos em jornais para defender suas propostas. E recentemente descobriu as “cooperativas”.

Em 25 de janeiro de 2012, Navarro escreveu um artigo elogioso sobre a política de nacionalização de Obama em relação à General Motors, dizendo que Obama havia conseguido resgatar a General Motors sem demissões em massa. E saudava a capacidade do sindicato UAW em fazer aceitar os cortes salariais e a redução da jornada de trabalho para evitar demissões.

Evidentemente, a realidade, e os trabalhadores estadunidenses sabem bem disso, não é esse mar de rosas. Segundo a imprensa dos Estados Unidos, “as concessões feitas pelos operários resultaram em uma queda dos salários, fazendo cair o valor por hora de 76 dólares em 2006 para um pouco mais de 50 dólares atualmente. O UAW abandonou princípios que remontavam a décadas e aprovou um sistema de remuneração de dois níveis, que permite pagar aos trabalhadores recém-contratados 14 dólares por hora, menos de metade do salário e dos benefícios recebidos pelos trabalhadores mais velhos. Para completar, o Tesouro exigiu – pouca coisa! – a proibição do direito de greve.

Isso significa ceder tudo. Ao final do acordo entre o governo e a empresa, qualquer greve dos trabalhadores constitui-se em motivo para não pagar o empréstimo (a ajuda do Estado)” (Laura Flanders, “The Nation”, 2 de fevereiro de 2012 ). Não somos nós quem dizemos.

Navarro, que conhece perfeitamente a situação, ou que, em todo caso, deveria conhecê-la bem, considera isso como positivo. É por essa razão que, em seu artigo citado acima, ele começa dizendo: “O sindicato UAW pediu à cooperativa Mondragon, do País Basco [2], conselhos para transformar uma das empresas mais importantes entre as manufaturas do mundo em uma cooperativa”. Que beleza!

O que é a cooperativa Mondragon?

Pode-se jogar com a ignorância dos trabalhadores estadunidenses, mas não com os fatos, a saber, aquilo que a Mondragon representa na Espanha.

Nos referimos ao artigo intitulado: “Auto-Gestão e Cooperativas na Espanha”, publicado em 2008 pelo Posi, seção espanhola da 4ª Internacional, assinado por J. Bejar. Dois elementos de informação: a cooperativa Mondragon é o 7º maior grupo industrial e comercial da Espanha. Foi formada nos anos 1920 pelos capitalistas ligados ao Partido Nacionalista Basco, partido clerical que defende a doutrina social da Igreja. Ela cresceu à frente e sob a proteção da ditadura franquista, entre outras razões porque não havia direito de sindicalização e de greve. E os trabalhadores demitidos durante a ditadura franquista não foram reintegrados após sua queda. É o ponto mais alto da associação capital-trabalho.

Alguns elementos sobre as últimas atividades dos “indignados”

Na Espanha, tal como nos Estados Unidos, dezenas de milhares de trabalhadores foram expulsos de suas casas. No ano passado, contamos mais de 50 mil. Isso causou e ainda causa um enorme movimento de resistência que, vez ou outra, toma a forma de mobilizações para barrar essa situação.

Todo militante operário, especialmente aqueles da 4ª Internacional na Espanha, participam naturalmente dessas reuniões e exigem dos seus sindicatos que assumam uma postura clara sobre essa questão. Exigem também que os partidos políticos se manifestem. E o que faz o movimento dos “indignados”? Lançou uma campanha de assinaturas em escala nacional, que vai se prolongar até 5 de novembro desse ano, com o objetivo de apresentar às Cortes (Parlamento) uma iniciativa legislativa popular. “A solução que propomos por meio dessa iniciativa legislativa popular é permitir que devolvam suas residências para pagar a hipoteca”. A campanha tem, então, o objetivo de colher 500 mil assinaturas para que o Parlamento adote uma lei sobre a questão.

Em um artigo na última edição de “A Verdade” falamos sobre as consequências de tal medida, caso fosse adotada, e que, de qualquer forma, não inclui questões fundamentais – como proibir as expulsões, e, levando-se em conta que os bancos são os proprietários das residências, a medida de estatização dos bancos.

Contra os sindicatos, contra o movimento operário

No site dos “indignados”, em 5 de janeiro de 2012, apareceu o seguinte comunicado: “Ato de protesto contra as cúpulas das Comissões Operárias e da UGT. Os trabalhadores não podem permitir uma nova traição das cúpulas dirigentes das CCOO e da UGT. Por estas razões, na quinta-feira, 12 janeiro de 2012, às 18h, os convidamos a convocar em todas as cidades uma manifestação diante das sedes dos sindicatos para mostrar a nossa rejeição à nova capitulação que se anuncia. Da mesma forma, chamamos os militantes de base desses sindicatos a se expressar e proibir uma nova traição em nome do sindicalismo.

Naquele momento, estavam anunciadas negociações entre sindicatos, patrões e governo por um novo pacto social. Um debate contraditório atravessou as organizações sindicais, e diversos militantes e dirigentes dos mais altos níveis manifestaram-se contra a assinatura do novo pacto. O chamado dos “indignados” não resultou em grandes mobilizações. Ao contrário: centenas de militantes sindicais ocuparam seus lugares para defendê-los. Mas isso permitiu que o aparelho dissesse que todos os que atacaram as negociações no âmbito das instâncias eram provocadores… Obrigado, “indignados”.

Em 19 de fevereiro de 2012, eles tentaram ir ainda mais longe. Com efeito, depois que, em 10 de fevereiro, o governo Rajoy decretou uma nova reforma do Código do Trabalho – reforma que o desmonta e dá todos os direitos aos patrões –, os principais líderes sindicais foram pressionados a convocar manifestações em todas as cidades do país, em 19 de fevereiro, contra a reforma. Chegaram a anunciar que, se necessário, no caso do governo não corrigi-lo, convocariam uma greve geral.

Todos os ativistas operários, incluindo, é claro, os militantes da 4ª Internacional, fizeram de tudo pelo sucesso dessas manifestações, combateram e combatem para que a luta contra a nova reforma tenha objetivos claros: retirada da reforma, que não é negociável, e exigência da retirada da assinatura do pacto social de 2 de fevereiro de 2011 contra as aposentadorias e do de 25 de janeiro de 2012 determinando o congelamento dos salários.

Diversas instâncias se pronunciaram e se pronunciam sobre essa questão. É uma questão de grande magnitude. Mas o que fazem os “indignados”? Seria um exagero dizer que têm uma posição homogênea em todo o país, mas citemos um exemplo significativo: a tomada de posição da assembleia da Puerta del Sol, em Madri, que se reuniu em 13 de fevereiro, aparentemente, já que essas reuniões tem cada vez mais um caráter confidencial…

Nesta reunião decidiu-se “pela participação na manifestação de 19 de fevereiro, por meio da constituição de um bloco crítico e organizado, diferenciado”, ou seja, partindo de um local diferente do da manifestação geral, mas para se juntar a ela…

Em Madri, algumas dezenas de manifestantes percorreram a manifestação com as palavras-de-ordem: “PP-PSOE, a mesma merda!” “Barato, barato, se vende o sindicato!”, e atiraram ovos podres contra os dirigentes sindicais à frente da manifestação.

Assim, no momento em que a classe trabalhadora, mais uma vez, mostrou sua força em todo o país, e quando a alternativa era corrigir a reforma ou retirar a reforma, os pretensos “indignados” insultaram os dirigentes, precisamente no momento em que eles convocavam uma manifestação.

A indignação e a raiva dos trabalhadores e dos jovens de todos os povos da Espanha encontrarão sem dúvida o seu caminho, na luta pela unidade das suas organizações, em torno de objetivos claros: a retirada da reforma, pela revogação de todos os planos de ajuste.

Notas

[1] New Deal – Política implementada pelo presidente estadunidense Franklin Roosevelt (1933-1945), a partir de sua posse, para fazer frente à recessão provocada pela crise de 1929, após o crack da Bolsa de Nova York (NdT).

[2] País Basco – região que ocupa o centro-norte do Estado espanhol, com língua e cultura próprias (NdT).

A Verdade n° 73 – Junho de 2012

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