O que se passa no Cazaquistão?

Levante na ex-república soviética é reprimido por tropas de Putin.

Publicamos abaixo matéria do jornal “Informações Operárias”  nº 688, órgão do POI francês, enviada por seu correspondente na Rússia (intertítulos da redação).

Apresentação
O levante no Cazaquistão, após outras mobilizações populares nas repúblicas da Ásia Central, como no Quirquistão por exemplo, ameaça o equilíbrio nessa região rica em matérias primas e próxima da Rússia, Irã e Afeganistão. A chegada dos talibãs ao poder provocou grande inquietação nos governos da Ásia Central, mas também na Rússia e Irã.

É diante dessa situação e sua repercussão na própria Rússia, que Putin decidiu enviar tropas para restabelecer a ordem no Cazaquistão. A União Européia e os Estados Unidos também estão inquietos com as repercussões em escala regional e mundial.

Abaixo artigo de Anton Pustovoy, nosso correspondente na Rússia


Desde a independência do Cazaquistão, há trinta anos, a economia dessa república é uma das mais eficientes da Ásia Central. Ela é baseada na venda de minerais, cerca de 40% das reservas mundiais de urânio estão no país, e a principal razão do seu crescimento econômico é a venda de petróleo. Contudo, apesar do dinheiro fácil, ele é desigualmente repartido na sociedade e a maioria da população é pobre.

Além da desigualdade social, a corrupção e o nepotismo florescem na república. Hoje, os 162 cazaques mais ricos detém mais de 55% da riqueza nacional. Isso no contexto de um regime político que se mantém com o mesmo rosto desde a ditadura da “nomenclatura” dos partidos soviéticos.

O início das manifestações
As manifestações começaram em 2 de janeiro no centro operário de Zhanaozen, no oeste do país. Os trabalhadores saíram às ruas contra a duplicação do preço do gás líquido, utilizado na maioria dos veículos na Ásia Central. Essas manifestações pacíficas se propagaram rapidamente a todas as regiões do país.

Com o início da violenta repressão policial, os manifestantes também reagiram. O seu número aumentou, muito mais que o de policiais, os quais foram desarmados e tiveram munições tomadas. Pilhagens de imóveis de escritório e lojas de armas começaram. Os manifestantes passaram a ter armas e teriam se juntado a eles também oficiais da polícia e do exército.

Do desprezo ao apelo a tropas externas
As autoridades da república, longe de compreender o que se passava, agiram com desprezo. Sua primeira reação foi responder às demandas econômicas do povo, mas elas já tinham se tornado fortemente políticas: a demissão do governo e a destituição do partido no poder Nur Otan (Luz da Pátria).

A mobilização continuou e a segunda ação das autoridades foi fazer apelo a uma intervenção militar externa da Rússia e dos países da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), ao qual o Kremlin (sede do governo russo, NdT) respondeu rapidamente enviando tropas para reprimir as manifestações.

O bloco militar da OTSC inclui a Federação Russa, a Bielorrússia (Belarus), Armênia, Tadjiquistão, Quirquistão e o próprio Cazaquistão e nunca havia sido acionado até esse momento. Só uma vez, em 2010, o presidente deposto do Quirquistão, Kurmanbek Bakiev, tinha apelado ao bloco para reprimir agitações étnicas no sul do país, mas sem sucesso.

Após a chegada das tropas da OTSC, o presidente do Cazaquistão mudou radicalmente o seu discurso, passando a qualificar os manifestantes de “terroristas” com os quais não se discute, mas se atira para matar. As tropas começaram a entrar no país em 5 de janeiro, mas até a data deste artigo, 8 de janeiro, os combates continuavam entre o exército e os rebeldes.

É importante dizer que, ao longo da existência do Cazaquistão, toda oposição e livre expressão de opinião foram duramente reprimidas. O velho partido comunista, mesmo desmoronado, é proibido no Cazaquistão.

Em consequência, hoje não existe qualquer força legalizada que possa representar ao menos uma parte das amplas massas que protestam. Ao invés disso, temos um forte e amplo protesto, correspondente à mentalidade “quente” do povo cazaque, mas de caráter completamente selvagem. Os manifestantes tiveram a força de tomar de assalto os prédios administrativos, as cadeias de televisão e rádio, mas lhes falta unidade e disciplina. Se as tivessem, o poder estaria nas mãos dessa força unificadora.

Traços comuns das ex-repúblicas soviéticas
O que unifica os países do bloco militar da OTCS? Todos eles tem regimes políticos com as mesmas derivas e características: corrupção, nepotismo, autoritarismo de tipo “monárquico”, restrição das associações da sociedade civil, inclusive dos sindicatos de trabalhadores.

Assim, toda manifestação é ilegal, mas, por outro lado, é contagiosa. Uma sociedade que não tem a possibilidade de protestar, recorre rapidamente a métodos agressivos, pois não conhece outra coisa.

Com a manutenção desses regimes, após a repressão ao levante cazaque, a perseguição aos militantes vai se agravar nas antigas repúblicas soviéticas e a reação “czarista” poderá reinar por anos.

Uma última questão importante que se coloca é: qual o preço que o presidente Tokaev pagou para conservar o seu poder e qual será o preço a ser pago pelo povo cazaque ao Kremlin?

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