Cúpula da União Europeia: o que estava em jogo

Após quatro dias e outras tantas sessões noturnas, os Chefes de Estado e/ou Primeiros-ministros dos países da União Europeia acabaram por pôr-se de acordo sobre a linha geral do pretenso “Plano de relançamento europeu”, assim como sobre as orientações do Orçamente comunitário para o período 2021-2027.

Os meios de comunicação social às ordens do Sistema não hesitaram em qualificar este acordo como “histórico”, afirmando que ele representaria, inclusive, um plano de “relançamento” da União enquanto tal. Mas os fatos demonstram o contrário.

Em primeiro lugar, foi de fato o Conselho Europeu – quer dizer, os governos dos Estados nacionais – a instância decisória no seio da qual o poderio de uns se impôs ao dos outros.

Daqui decorreu o papel preponderante dos governos alemão e francês que, unilateralmente, se puseram de acordo sobre as propostas a fazer, em função exclusivamente dos seus próprios interesses. Recordemos que a origem da proposta de Macron e de Merkel, saída de uma declaração inédita e comum das Associações do patronato francês e alemão, exigindo um plano de relançamento.

Isto afasta qualquer ideia de que haveria governos “generosos ou gastadores” e governos “poupados ou frugais”! Com efeito, tanto para a Alemanha como para a França, um colapso da Itália ou da Espanha conduziria a um desastre para as suas economias e abriria uma crise em toda a Europa. Os governos de todos os países da União Europeia estão em pânico perante os riscos de uma explosão social. A indústria alemã, por exemplo, funciona em boa parte sobre a base da capacidade de produção industrial do norte da Itália (no respeitante a equipamentos de alta tecnologia e em peças soltas). O conjunto das marcas de automóveis da França ou na Alemanha é fabricado em Espanha (atualmente, segundo produtor de automóveis na Europa) em condições vantajosas. Por outro lado, a Espanha inunda a Europa com mariscos a baixo preço, sobre a base da sobre-exploração do trabalho nas suas próprias terras. E poderíamos acrescentar outros exemplos para mostrar o interesse particular dos governos francês e alemão em evitar o afundamento do sul da Europa.

Este plano de relançamento exprime a verdadeira função da União Europeia: um instrumento ao serviço do capital financeiro que irá arrecadar estas centenas de biliões de euros, para prosseguir e agravar os ataques contra os trabalhadores.

OS NÚMEROS E OS FATOS
O Orçamento comunitário para 2021-2027 que foi adotado tem, na realidade, um valor claramente menor do que as propostas que já estiveram em cima da mesa para os orçamentos precedentes: 1070 mil milhões de euros em vez de 1300. Ele é pouco mais do que 1% do PIB da União Europeia, e cortes drásticos deverão ser efetuados no Orçamento da Política Agrícola Comum (PAC) e nos Fundos regionais, que são em particular destinados às regiões mais pobres do Leste da Europa. Quanto ao argumento utilizado pelos governos francês e alemão de que esses países respeitavam “o Estado de Direito”, a discussão acabou abruptamente. O peso dos governos dos países do Leste da Europa é tão limitado, que, ainda que furiosos, eles foram obrigados a recuar e aceitar a proposta.

Do ponto de vista do plano de relançamento enquanto tal, o que representam os 750 mil milhões de euros que estão em jogo? A concessão de subsídios e de créditos foi adiada para a Primavera de 2021. Segundo o Acordo, essa verba divide-se em duas componentes: 390 mil milhões de euros de subsídios e o resto em créditos, sendo o conjunto financiado por um empréstimo da Comissão Europeia, a um prazo de 30 anos e cujos detalhes não são precisados.

Recordemos que os 240 mil milhões de euros que o Eurogrupo (a instância que engloba os ministros das Finanças dos 19 países da Zone Euro) tinha proposto que fossem mobilizados, no passado mês de Maio, continuam sem ser utilizados, essencialmente porque os Espanhóis e os Italianos preferiram recorrer directamente ao mercado financeiro, em vez de aceitarem as condições do Eurogrupo nitidamente menos favoráveis.

Os governos que solicitarem subsídios e créditos terão que apresentar, daqui até Outubro, projectos que deverão ser submetidos à aprovação dos governos dos 27 países-membros da UE.

O Primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, pedia que houvesse unanimidade nas posições de todos os países, querendo de facto ter direito de veto. O Acordo final estipula que terá de existir uma maioria qualificada, sem precisar números.

Relembremos que as instâncias decisórias da UE continuam a ser os governos dos seus países-membros, portanto um quadro nacional em que as relações de força são determinantes, enquanto que as chamada instituições europeias – a Comissão ou o Parlamento, e inclusive o Banco Central Europeu – desempenham apenas um papel subsidiário e secundário.

A QUE CORRESPONDE A POSIÇÃO DA HOLANDA?
À cabeça do grupo dos cinco governos que queriam impedir que houvesse um acordo, o Primeiro-ministro holandês fez tudo para o impedir, em primeiro lugar por razões de política interna. Quando o Governo holandês exige reformas dos Sistemas públicos de aposentação ou dos Códigos do Trabalho em Espanha, na Itália ou em Portugal (coisa que não desagrada a Macron, o qual ainda não conseguiu relançar a sua reforma em França), ele está na realidade a dirigir-se aos trabalhadores do seu próprio país.

Mesmo se a dívida pública da Holanda é menor (em percentagem) que a da França, da Itália ou da Espanha, a dívida privada tem sofrido uma subida exponencial, o que significa que a maioria dos trabalhadores está monstruosamente endividada, sobretudo por causa da habitação. Segundo os números oficiais, a dívida dos lares holandeses atinge 103% do PIB. Além disso, o Sistema de aposentação está à beira do colapso, porque os principais pilares da reforma já aplicada são os Fundos de investimento privados, os quais têm visto as suas taxas de rentabilidade afundar-se. É por esta mesma razão que o Governo holandês não desejava uma dívida mutualizada na Europa, cujos juros seriam muito baixos e, portanto, muito pouco rentáveis para o Sistema financeiro holandês.

Como resultado – e de acordo com o grupo dos cinco governos – o chamado plano de relançamento implica condições drásticas para a concessão das ajudas, nomeadamente uma reforma do Sistema de aposentação ou a manutenção e aprofundamento das reformas do Código do Trabalho, entre outras.

Este plano de relançamento é, por todas estas razões, um passo qualitativo na via do desmoronamento da União Europeia e de uma guerra impiedosa entre os interesses contraditórios dos diversos governos e dos setores econômico-financeiros.

Um plano que eles tentarão implementar contra as conquistas e as condições de existência dos trabalhadores e dos povos da Europa.

Mas as mobilizações em França, na Alemanha, em Itália, em Espanha e na Grécia – mesmo que de maneira limitada – indicam que os trabalhadores vão procurar defender-se.

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Análise de Angel Tubau, publicada no semanário francês “Informations Ouvrières” – Informações operárias – nº 614, de 22 de Julho de 2020, do Partido Operário Independente de França.

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