205 estupros por dia: Brasil teve recorde de denúncias em 2022

O que esses números nos mostram?

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou 74.930 estupros em 2022, aumento de 8,2% em relação a 2021. É o maior número da série histórica, medida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública desde 2011.

O cenário desenhado pelo Anuário é estarrecedor, e isso considerando que os números correspondem somente a casos que foram notificados às autoridades policiais. Ou seja: representam apenas uma fração da violência sexual no país. 88,7% das vítimas são meninas e mulheres, e 56,8% são pretas e pardas.

O combate à violência sexual é uma questão complexa, que envolve uma série de fatores. Não há receita fácil e nem é só uma questão de punir cada vez mais. Mas o caminho passa necessariamente pela luta contra o machismo e a misoginia, por melhores serviços públicos com uma rede capaz de prevenir a violência ou agir rapidamente em apoio à vítima, incluindo serviços de saúde e assistência.

Afinal, o recorde de estupros e o crescimento de todos os registros de violência contra  a mulher (denúncias de assédio aumentaram 49,7%!) ocorrem justamente em 2022, ano em que houve o menor financiamento por parte do governo federa para as políticas de proteção às mulheres.

8 em cada 10 vítimas eram menores de idade; 7 a cada 10 estupros acontecem em casa
As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças com idade entre 0 e 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 33,2%, entre 10 e 13.
No caso específico dos vulneráveis (até 14 anos), 71,6% são vítimas de crime sexual em casa.

As responsáveis pela pesquisa avaliam que o crescimento em relação ao ano anterior (8,6% nesta faixa etária) tem a ver com o retorno às aulas presenciais após o período da pandemia. Isso porque, em larga medida, é na escola que boa parte dos abusos são identificados, ou pela mudança de comportamento da criança que é notado, ou porque a própria vítima procura professores e funcionários pedindo ajuda.

Por isso é importante que o Ministério da Saúde tenha anunciado, nesta quarta (26), o retorno da educação sexual nas escolas organizada através do programa Saúde nas Escolas, que entre outras coisas ajuda o aluno que seja vítima de abuso a elaborar e enunciar para seu professor ou para sua mãe aquilo que está acontecendo.

Subnotificação extrema: apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados à polícia.

A estimativa é de um estudo recente do Ipea. Além de mostrar que a realidade da violência sexual no Brasil é ainda mais dramática, a proporção baixíssima de denúncias é, em si, um problema a combater.

De novo, trata-se de questão hiper complexa para a qual não há saída fácil. A decisão por denunciar ou não passa pelo medo, pelo entendimento de que sofreu uma violência (a mulher sabe, por exemplo, que ser forçada a fazer sexo com o marido é estupro? Ela tem condições de compreender e assumir para si mesma que foi vítima de estupro?), o receio pelas consequências que podem vir dessa denúncia (o julgamento da sociedade ou a separação familiar quando o estuprador é seu pai, tio ou marido), a insegurança de que “não vai dar em nada”.

A decisão de denunciar é sempre um passo corajoso da menina ou mulher, mas cabe ao poder público garantir melhores condições urgentes. Entre elas, estão mecanismos que já se sabem necessários para melhorar o combate à violência sexual, como as delegacias de mulher (DEAMs) funcionando 24 horas por dia, 7 dias por semana. Afinal, muitas meninas e mulheres são revitimizadas pelas forças policiais, especialmente nas delegacias comuns, que não são preparadas, e isso é um dos motivos pelo qual muitas deixam de denunciar. Além disso, poder fazer a denúncia logo após o estupro, por exemplo numa sexta a noite, garante melhores condições de comprovar o crime e diminui as possibilidades de desistência da mulher em denunciar – e 53% dos estupros ocorre à noite ou na madrugada (entre 18h e 5h59).

Nesse sentido, o governo Lula sancionou lei determinando o funcionamento das DEAMs 24h por dia. No entanto, a lei está longe de virar realidade. Saiba mais.

Um a cada 10 estupros foi cometido em vias públicas
Toda mulher já sentiu medo ao andar numa rua escura sozinha. Os casos de estupro nessa situação são minoria, apesar do imaginário social de que esse é o cenário de maior insegurança. Mas num universo assustador, mesmo a menor parcela representa um grande montante: foram mais de 7 mil casos denunciados.
Por isso, medidas para prevenir esse tipo de violência também são essenciais, como ações de zeladoria (campina de matagais, iluminação pública) e melhorias no transporte coletivo.

Feminicídios e agressões
Os índices de feminicídio, segundo o Anuário, cresceram 61,%, chegando a 1437 assassinatos. As tentativas de feminicídio cresceram 16,9%. Todos os indicadores de violência doméstica aumentaram, como as agressões.

Tudo isso reforça a urgência de investimentos para garantir o funcionamento das DEAMs de forma ininterrupta, das medidas protetivas, de programas como a Casa Abrigo, Casa da Mulher Brasileira, etc.

Priscilla Chandretti

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