Governo espanhol busca pacto para “salvar o país”. Isso é possível?

Dirigentes políticos debatem no Estado espanhol a necessidade de um pacto “para sair da crise”. No dia 4 de abril, o presidente do governo, Pedro Sánchez (PSOE), fez uma proposta formal. De maneira quase unânime, os meios de comunicação discutem a esse respeito.

Invocam os Pactos de Moncloa como modelo. Esses pactos foram assinados em 1977 entre a UCD (principal partido neofranquista na época), de Adolfo Suárez, o Partido Socialista (PSOE), de Felipe González, o Partido Comunista (PCE), de Santiago Carrillo, e outros partidos menores, que conseguiram o apoio dos secretários das centrais sindicais CCOO e – vencendo resistências – UGT.

Esses pactos políticos abriram o caminho à Constituição de 1978, que dá um marco institucional à monarquia. Ao aceitar a restauração da monarquia, os dirigentes da “oposição democrática” aceitavam, entre outras coisas, perda de 8% dos salários e demissões ilimitadas. Mas, acima de tudo, aceitavam preservar as instituições essenciais da ditadura: os policiais torturadores, o exército golpista, os juízes reacionários e machistas. Em troca de quê? De nada.

A monarquia estava obrigada a reconhecer as conquistas impostas por 40 anos de luta dos trabalhadores e da juventude: a liberdade de partidos, em particular os criados pelos trabalhadores, a liberdade sindical e o direito de greve, com limitações. E a classe operária não tinha por que aceitar as instituições monárquicas, incompatíveis com os direitos que vinha conquistando.

Um novo 1977?
Em certa medida, repetir tais pactos é uma ilusão. Muitos estão conscientes das diferenças e, por isso, falam em retomar o método (ou seja, o “consenso”), porque as condições não são as mesmas.

Qual é a principal diferença? Em 1977, no fim da ditadura, se colocava a necessidade da democracia, ou seja, da república. Hoje, a podridão da monarquia exigiria também uma limpeza radical de todas as instituições, para avançar rumo à república, não como uma forma puramente democrática, mas sim carregada de todo o seu conteúdo social.
Discute-se muito sobre pacto, mas pouco sobre o que se pactuaria. É evidente que um acordo com o PP (partido neofranquista – NdT) exigiria esquecer a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, da lei da mordaça (que está sendo aplicada a fundo com o confinamento), da Lomce (lei de contrarreforma da educação – NdT), ou seja, esquecer-se das reivindicações em nome de “salvar o país”. Não se discute reverter os cortes nem exigir a responsabilização dos culpados, ou seja, pretende-se anistiar os responsáveis pelo desastre atual, tal como em 1977 os torturadores foram anistiados.

Sua principal dificuldade: em 1977, saíamos de uma feroz ditadura; o prestígio e a influência dos sindicatos, dos partidos operários e nacionalistas eram enormes. Hoje, nada disso ocorre. Em poucas semanas, a aprovação do governo passou de dois terços a um terço da população, o que ocorreu com todos os demais partidos.

Isso é visível no sistema sanitário (centros de saúde, hospitais, novas estruturas de campanha) e também nos aplausos e gritos às oito da noite, nos panelaços. E, sobretudo, na luta que se desenvolve desde o primeiro dia nos transportes, nos Correios, nas grandes indústrias metalúrgicas. O ajuste de contas já começou, de uma forma que os meios de comunicação e os chefes políticos tratam de ignorar. É ainda limitada, porque a população não pode reunir-se nem se manifestar, mas os primeiros sinais não enganam. Exatamente por isso precisam de um pacto que, ao implicar as principais organizações, sufoque a expressão organizada desse repúdio.

Tudo dependerá da capacidade de o governo conter o movimento e impor, com o consenso da direita, as medidas antidemocráticas e antissociais que compõem o estado de emergência e os sucessivos decretos. E da capacidade de os trabalhadores romperem as amarras impostas pelos dirigentes que seguem o governo.

Angel Tubau

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