Armadilhas das Reformas Tributária e Fiscal

Propostas não partem do interesse do povo trabalhador

Ao final deste primeiro semestre de governo, o ministro Haddad e os articuladores do Executivo no Congresso comemoraram duas “vitórias”: as aprovações, na Câmara, do Novo Arcabouço Fiscal (PLP-93) e da Reforma Tributária (PEC-45). Ambos projetos, contudo, representam pautas políticas do grande capital, dos especuladores financeiros e da mídia, e não do povo trabalhador, que sairá mais prejudicado do que favorecido com o grosso das medidas definidas nos respectivos textos aprovados – a despeito do entusiasmo de Haddad e de outros dirigentes petistas.

Como sabiam de antemão que o programa em defesa dos trabalhadores teria poucas chances de ser aprovado neste Congresso, optou-se por aderir ao programa oposto, ainda que tentando reduzir parcialmente seus danos. E assim comemorar a vitória, que de fato, é a dos inimigos. 

O engajamento cerrado e militante, muito mais do que um mero voto circunstancial, do PT e de partidos de esquerda em ambos os projetos (já em fase final de tramitação) são politicamente uma armadilha à classe trabalhadora brasileira e à própria sustentabilidade do governo Lula que ela fez eleger.

Por um lado, o Arcabouço travará o crescimento dos gastos sociais a uma taxa anual (no máximo) sete vezes menor do que a ocorrida nos dois primeiros governos Lula (2003-10). Portanto, mesmo que uma Reforma Tributária eleve e melhore a arrecadação de impostos, ela pouco poderá ser utilizada para retomar, expandir e incrementar os programas sociais e de desenvolvimento nacional. Estes seguirão diminuindo como proporção do PIB – como tem ocorrido desde o Teto de Temer (EC-95) (a PEC da morte) – ainda que um pouco mais suavemente.

Por outro lado, no seu conjunto, a PEC da “Reforma Tributária” nada tem de progressiva. De autoria do deputado Baleia Rossi (MDB) do Centrão, a PEC é firmemente apoiada pelas grandes entidades patronais brasileiras (da Febraban à Fiesp, CNI, multinacionais e ruralistas). Ao simplificar a tributação indireta, ela cria mecanismos que garantem manter – ao menos no médio prazo – sua carga no atual 50% do total da arrecadação. Ela não toca, portanto, na elevação dos impostos sobre renda e patrimônio, e muito menos sobre sua progressividade. Embora tenha-se incluído alguns poucos itens de progressividade (ao lado de outros regressivos), suas redações são vagas e tem suas definições prorrogadas a uma suposta “segunda etapa”.  

Melhor seria se o governo e as bancadas de esquerda apresentassem os projetos levantados durante a campanha Lula que permitissem mobilizar as ruas e explicar ao povo: “Nossos projetos são para elevar os impostos aos ricos, reduzir aos pobres (progressividade) e incluir o povo no orçamento (derrubando travas a gastos sociais)”. 

Mesmo que não os aprovando, explicaríamos: “Fomos derrotados pela maioria golpista e bilionária”. Aos olhos do povo, não é nenhuma vergonha perder votações neste Congresso reacionário.

Mas dizer a verdade é essencial para permitir retomar o diálogo com os trabalhadores e preparar as mobilizações que serão necessárias para barrar inevitáveis novas tentativas de golpe pela direita – tanto a bolsonarista quanto a “civilizada”. Capitular e aceitar a pauta da direita, como tem ocorrido, não diminuirá tal fúria golpista, nem tampouco melhorará a “governabilidade” de Lula. Apenas levará a frustrações e confusões em sua base social. A experiência de 2015, quando Dilma aceitou a imposição dos golpistas do Plano Levy, prova isso.

Alberto Handfas


9 pontos para uma reforma tributária que interessa aos trabalhadores e à nação

1 Elevação da defasada faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para os prometidos R$ 5.000,00

2 Elevação da taxação do teto do IRPF dos atuais 27,5% para todos que recebem mais de R$ 4,7 mil – trabalhadores ou magnatas – para níveis superiores escalonadas até 40%, por exemplo (em 1964, antes do golpe, chegava a 65%)

3 Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), norma constitucional nunca regulamentada, sobre a riqueza de pessoas físicas que ultrapassem R$ 10 milhões

4 Recuperação da taxação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) para 43%, que FHC reduziu a 25%, na Lei 9.249 de 1995

5 Fim da isenção da “despesa financeira” para o cálculo do lucro tributável submetido ao IRPJ e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada pela mesma lei

6 Fim da dedução na distribuição de lucros aos acionistas das empresas na forma de “Juros sobre o Capital Próprio” (JCP), com a qual os bancos reduziram a taxação sobre o lucro a 14,3% (alíquotas somadas do IRPJ e CSLL seriam 34%)

7 Fim da isenção de Imposto de Renda sobre as Remessas de Lucros e Dividendos de multinacionais ao exterior (vem daquela mesma lei, que deu numa renúncia tributária acumulada de RS$ 500 bilhões)

8 Fim da isenção, criada por FHC, do Imposto de Renda sobre os Lucros e Dividendos aos acionistas de empresas brasileiras ou estrangeiras, uma escandalosa renúncia fiscal sobre a renda dos 0,5% mais ricos

9 Elevação escalonada do ITR (Imposto Territorial Rural) diferenciando radicalmente o agronegócio da agricultura familiar, ITR cujo montante hoje é muito baixo (0,1% da arrecadação tributária federal)

Este é um poderoso programa democrático revolucionário com medidas que – face a previsível resistência deste Congresso – virão a ser, no todo ou em parte, inseridas na plataforma de uma Assembleia Constituinte Soberana.

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