Dia 8 de janeiro: “democracia inabalada”

“Democracia inabalada” foi a retificação feita no nome formal do congraçamento dos poderes institucionais – Judiciário, Congresso e Governo Federal – previsto para Brasília no próximo dia 8, em evento convocado pelos presidentes da República, do STF e do Congresso Nacional. Ele recorda o ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, que foi, na verdade, uma intentona golpista.

Um ano inteiro se passou desde então. Hoje, dia 5 de janeiro, os números na Folha de S. Paulo são que 30 pessoas foram condenadas, 150 esperam julgamento, e um único foi denunciado pelo financiamento do ataque. Um único mané que por óbvio não frequenta a Faria Lima.

Não é razoável limitar aquela operação a uma conspiração das autoridades brasilienses do governo do DF que certamente participaram. O fato notável é que nas altas esferas militares, empresariais, políticas, jurídicas e diplomáticas – sem elas o conjunto da operação não poderia ser feita , semanas a fio na porta dos quartéis, nessas esferas ninguém foi punido – um insulto à democracia!

O que denota que continua a tutela militar – esta sim inabalada! – sobre a República. A tutela que vem desde o golpe militar da “proclamação da República” sem povo, nem Constituinte Soberana, coisa que nunca houve neste pais, e por isso não há instituições verdadeiramente democráticas a comemorar.

Clamores

Hoje, agora, certas organizações populares clamam que o “O Brasil se une em defensa da democracia”. Será isso mesmo? Todavia cabe perguntar: que democracia? defesa contra qual ataque?

Nesta democracia, Dilma foi deposta sem crime. Os parlamentares autores desse atentado estão aí. Neste democracia, Lula, candidato à presidente, foi detido por mais de 500 dias, e os ministros togados que autorizaram – e os que desejaram – continuam bailando na ribalta.

A democracia deste Congresso, com Maia e Temer Lira e Bolsonaro – STF incluído – retirou direitos trabalhistas e ainda não devolveu. Depois, tirou direitos previdenciários e também ainda não devolveu.

Não estranha, então, que nessa democracia nenhum general da ativa tenha sido punido, e que todos eles continuem recebendo os seus salários indecentes, inclusive Braga Netto com “direitos políticos suspensos” por um tempo, tanto quanto o inominável, que continua recebendo o seu.

O tenente-coronel delator, Mauro Cid, ajudante-de-todas-as-ordens do ex-presidente, em prisão domiciliar, é objeto de uma vaquinha da turma da reserva.

O que houve foi que um oficial tomou uma “advertência”, e um outro foi “preso três dias”, nada mais, nem os seus nomes foram revelados “para não prejudicar a carreira”. Afinal, segundo o centro de comunicação social do Exército “não houve indícios de crime nos casos investigados pela sindicância, mas transgressões disciplinares”. É um escárnio!

Ninguém estranha que todos os convênios e contratos de compra militares em Israel, grande aliado do inominável, continuaram para não desprazer a altíssima oficialidade. Recentemente, o ministro de Relações Exteriores prometeu que serão suspensos “no momento”, mas o ministro da Defesa não se manifestou. A opinião pública aguarda.

Por fim, temos a GLO, Garantia de Lei e Ordem (art. 142), símbolo da tutela militar na Constituição de 1988. Lula não decretou GLO no dia 8 de janeiro, como queriam os golpistas, para não ficar refém dos generais, correto. Mas a GLO não foi revogada nem se tentou reformá-la, e ela foi acionada novamente a pretexto de combater o tráfico. É uma repetição que, como da outra vez no Rio, vai jogar na legitimidade da força bruta militar como polícia contra o “inimigo interno”, através desse instrumento discricionário que não existe em nenhuma democracia no mundo. Que garantia tem João ou Maria de que um outro governo não utilize a GLO de forma mais perversa? Ou que os militares se valham da superação do “mau momento” para voltarem a se arvorar abertamente em poder moderador da República? Nenhuma garantia.

Outro capítulo

Mas o problema da democracia não para aí.

“Eu não entendo, por que em defesa da democracia? Qual o ataque que está ocorrendo nesse sentido?

Agora, o que está sofrendo ataques são os direitos dos trabalhadores, política de juros, redução de investimento na saúde, educação.

O povo das comunidades quer saber disso.

Quando é que vão poder contar com um sistema de saúde que funcione, que não as faça esperar 3 anos por uma cirurgia?”.

Assim reagiu uma professora, militante do Diálogo e Ação Petista, em São Paulo. Ela está errada, ou sob pressão do bolsonarismo? Todo o contrário, ela tem razão. A continuar numa toada de não entregar promessas de campanha e postergar as reformas populares estruturais, aí é que a extrema-direita encontrará espaço.

A questão social é um outro capitulo, certo, mas da mesma novela. Afinal, para os trabalhadores e o povo a democracia vale pelo conteúdo, as suas reivindicações sociais e as aspirações nacionais.

Riscos

A professora questiona de que ataques à democracia se está falando hoje, em 2024. Ao que se sabe, a oposição deve lançar um manifesto, que9m te viu quem te vê, ameaça… levar os valentões ao ridículo.

Luís Roberto Barroso, por sua vez, o atual presidente do STF, diz assim descuidadamente, que “no lamentável episódio de 8 de Janeiro, o golpismo foi possivelmente sepultado”. “Possivelmente”, que leveza! Mas quem acredita nisso?

Riscos? Sim, há riscos no horizonte enquanto houver a tutela militar.

Nós não titubearíamos em defender novamente o governo Lula se fosse ameaçado, como durante a campanha eleitoral e no dia 8 em que foi atacado. O faríamos com o povo e suas organizações na rua, em primeiro lugar. E, se necessário, o faríamos junto com os mesmos poltrões do STF que deixaram o inominável concorrer, quando já deveria ser inelegível, ou os condestáveis da Câmara e do Senado que engavetaram dezenas de pedidos de impeachment, oportunistas que deixaram rolar pra ver no que ia dar a eleição, ou porque tinham rabo-preso ou porque tem mais medo do povo do que dos golpistas sabidos. Como eram os comandantes das três armas que tiraram notas públicas, defenderam os acampamentos fascistas nos quartéis de norte a sul por semanas etc. Sem uma renca de generais e gordos financiadores isso não ocorreria assim.

Certo, mas como diz a professora, o que hoje está sob ataque são direitos e reformas populares ameaçadas – para simplificar – pelo calabouço fiscal, carregado com a reforma tributária pedida pelos empresários, escoltados pelas tropas de Lira na Câmara dos Deputados.

Cadeia para os golpistas!

Há um ano e alguns dias, desde a posse de Lula em Brasília, ecoou para o país o grito “Sem Anistia”. Sejamos claros, as condenações e prisões são do âmbito da Justiça. Mas as exonerações e passagem para a reserva são do âmbito do presidente da República, que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas (tanto que exonerou o primeiro abusado comandante do Exército que nomeou). O Congresso Nacional, por sua vez, dispõe de uma artilharia legal e institucional, se quisesse, para ajudar a pegar os grandes criminosos do dia 8.

Se não houve anistia, um ano depois é necessário perguntar por que, então, ninguém foi punido? A questão é, portanto, menos uma “anistia” formal, é sobretudo uma questão de pôr a fila de golpistas de alto coturno na cadeia.Quando algum dos atuais poderes institucionais vai punir de verdade os peixes gordos? Ou serão necessárias novas instituições, limpas da incapacidade e da podridão atual?

De nossa parte, como a maioria do povo, esperamos a palavra de Lula, presidente da República.

Markus Sokol

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