85 anos depois, Trotsky vive

Há menos de um ano, a Winston Churchill Societe republicou em seu sítio na internet um pequeno artigo em que o reacionário ex-primeiro-ministro inglês chama Trotsky de “o ogro da Europa”, diga-se de passagem, um epíteto antissemita. Churchill, a um só tempo expressa uma repulsa arrogante ao revolucionário bolchevique e um medo da influência de suas ideias no continente europeu e no mundo. Esta visão de Churchill se manifestava, não por acaso, no momento, o começo dos anos 1930, em que o Império Britânico fazia mesuras a Hitler e se preparava para assinar o Acordo de Pagamentos Anglo-Germânico (1934) e o acordo de 1938 que reconheceu aos nazistas o direito de anexar a região tchecoslovaca dos Sudetos.

Como lembra Everaldo Andrade, aqui mesmo no sítio de O Trabalho, “o ódio brutal do principal líder da burguesia inglesa ao líder bolchevique se direcionava na verdade contra a revolução russa, contra a classe operária que ousara assumir o poder, contra a revolução socialista mundial que assombrava os capitalistas”. 

Este mesmo medo da expressão organizada dos fatores que levaram à vitória da Revolução de Outubro reaparecesse entre as massas assombrava Stálin, Decidido a consolidar o poder usurpador da burocracia reacionária que se encastelou sobre as conquistas da Revolução, Stálin temia mais do que tudo o alastramento da revolução proletária que colocaria em risco, em primeiro lugar, o próprio poder absoluto da camarilha stalinista na URSS.

Assim, Stálin aplica uma política contrarrevolucionária no interior do partido soviético e da Internacional Comunista (3ª Internacional) que finalmente levaria à liquidação desta organização, dissolvida por decreto em 1943, como parte dos entendimentos de Stálin com os líderes do mundo capitalista, incluindo, aliás, Churchill. A liquidação de processos revolucionários com o auxílio da cúpula da 3ª Internacional começou ainda em 1927, na China, quando Stálin ordena o desarmamento dos comunistas chineses e os submete à disciplina do partido nacionalista burguês de Chiang Kai Cheque. O resultado foi o massacre da militância comunista, principalmente em Xangai.

Poucos anos depois, a linha que qualificava a socialdemocracia como “braço esquerdo do fascismo”, adotada pelo Partido Comunista Alemão, instigado pela Internacional Comunista, conduziu à derrota da classe operária e à subida de Hitler ao poder.

A ação do stalinismo prosseguiu desmontando revolução por revolução: na França, subordinando o movimento operário à Frente Popular com a burguesia, e principalmente na Espanha, quando a renitente defesa da propriedade privada a pretexto de defender a unidade republicana na guerra civil contra Franco, conduziu justamente ao desarmamento dos lutadores proletários e à vitória da reação em 1939.

Uma tal política não poderia ser aplicada pacificamente no interior do país em que se realizou a primeira revolução proletária vitoriosa da história. A casta burocrática stalinista produziu uma das maiores caças aos opositores políticos que se conhece na história: Trotsky foi seguidamente excluído do Comitê Central do Partido Comunista, expulso do partido, e degredado, de forma que, no ano de 1929, estava “no planeta sem passaporte”, visto que, sob pressão da URSS, nenhum país concedeu asilo a ele. Somente em 1937, o governo nacionalista de Cárdenas, no México, lhe concederá asilo político.

Ao mesmo tempo, não apenas a Oposição de Esquerda dirigida por Trotsky, mas toda e qualquer fração que questionasse o curso que tomava o partido e o Estado soviéticos foi liquidada por meio de um aparato repressivo sem precedentes. Os comunistas prisioneiros dos campos e mortos se contaram aos milhões. Em meados dos anos 1930, os processos de Moscou terminaram por varrer do mapa toda a geração da Revolução de Outubro de 1917, ao ponto de praticamente todo o Comitê Central daquela época ter sido destruído pela repressão stalinista.

Na segunda metade dos anos 1930, contudo, Trotsky seguia vivo e combatendo. Em 1938, somente lhe restara 1 neto. Suas filhas e filhos, além de seus camaradas estavam todos mortos pela repressão. Apesar disso, Trotsky dedicava o que seriam seus últimos dias à preservação do fio condutor da organização histórica da classe operária que se desenrolava desde a Liga dos Justos na década de 1840. A barbárie fascista, de um lado, e a contrarrevolução stalinista, de outro, ameaçavam romper este fio condutor. Assim Trotsky se dedicará integralmente à construção da 4ª Internacional que, em face da guerra que se anunciava, poderia ser a única garantia de prosseguimento do movimento socialista revolucionário nos anos que sucederiam à hecatombe que de fato colheria o mundo entre 1939 e 1945.

Trotsky dirá que, mais do que as revoluções que liderou, mais do que seu papel na guerra civil que sucedeu a 1917, mais do que o lugar que ocupou na edificação da República dos Sovietes, o trabalho de erguer a pequena organização da 4ª Internacional era o mais importante de sua vida militante.

Stálin também sabia disso. Por isso não poupou meios para fazer a longa mão do absolutismo burocrático chegar até Trotsky, mesmo no exílio mexicano.

Depois de diferentes tentativas, a mais importante sendo o atentado de maio de 1940 contra a casa do exilado na Cidade do México, comandado pelo pintor stalinista David Siqueiros, o esbirro de Stálin, Ramon Mercade, conseguiu se infiltrar na morada de Trotsky e golpeá-lo na cabeça com uma picareta em 20 de agosto de 1940. O velho dirigente ainda o enfrentou, impedindo sua fuga, aguentou várias horas, mas acabou não resistindo ao golpe.

Stálin e Churchill tinham razão. As ideias de Trotsky resistiram à sua existência física, grosso modo, confirmadas pela história, e seguem alimentando os militantes da 4ª Internacional que, 85 anos depois segue em pé e combatendo. Na luta incessante da 4ª Internacional, Trotsky vive!

Eudes Baima

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