70 anos depois da revolução, aonde vai a China?

Em 1º de outubro de 1949, Mao Tsé-Tung proclamou a República Popular da China. Em meio às convulsões que marcaram o período posterior ao fim da 2ª Guerra Mundial (1945), a expropriação da burguesia e a realização da independência nacional pela revolução chinesa foi um acontecimento maior.

Inclusive pelo fato dessa revolução ter se dado em ruptura com a política da União Soviética (URSS) dirigida por Stálin à época, que havia pactuado com as potências vitoriosas a “divisão do mundo” nos acordos de pós-guerra. A vitória da revolução chinesa foi a conclusão de um longo processo que encontra suas raízes em 1927.

Antecedentes

A China, aos olhos das potências capitalistas, sempre foi um enorme mercado a ser explorado. No século 19, as “guerras do ópio” (1) abriram o país ao “livre comércio”, com concessões para a Inglaterra (incluindo a posse de Hong Kong, 1842), França e EUA. Também Rússia, Japão e Alemanha se somaram na pilhagem da China, que foi reduzida à condição de semicolônia com a conivência de seus imperadores.

Em 1911, a revolução nacionalista de Sun Yat-sen proclamou a república e iniciou a dominação do Kuomintang (partido nacionalista). Mas, Sun renuncia à presidência e o poder passa ao general Yuan Shikai em 1913, com apoio das potências estrangeiras. A 1ª Guerra mundial (1914-18) atingiu a China que entra num caos político.

Em 1924, Sun reorganizou o Kuomintang, entregando o seu exército a Chiang-Kai-Chek. O Partido Comunista Chinês (PCC), fundado em 1921 sob o impulso da Revolução Russa, forma então uma frente única com os nacionalistas, orientado pela Internacional Comunista (IC). Com a morte de Sun em 1925, Chiang passa a ser o chefe do Kuomintang e é aclamado dirigente honorário da IC por Stálin. Depois da rebelião de Xangai de 1927, dirigida pelos comunistas, que permitiu a entrada na cidade das tropas de Chiang, este ordenou o massacre de seus “aliados” do PCC.

Em 1º de agosto de 1927, tropas ligadas ao PCC rebelam-se, originando o Exército Vermelho que, com o apoio de camponeses, entra em guerra com o Kuomintang. Em 1931, o Japão ocupa a Manchúria e em 1937 declara guerra à China, o que provoca uma trégua entre nacionalistas e comunistas para enfrentar o agressor.

A tomada do poder pelo PCC
Com a rendição do Japão na 2ª Guerra Mundial, a guerra civil é retomada na China em 1946, com os EUA apoiando Chiang Kai-Chek contra os “vermelhos” e a URSS reconhecendo o governo do Kuomintang.

A estratégia de Mao era cercar as cidades a partir do campo. Em 1948 todo o norte da China era ocupado pelos comunistas, que entram em Pequim no início de 1949. No final do ano, Chiang foge para a ilha de Taiwan, onde proclama a China Nacionalista.

O regime que se instala sob a liderança de Mao e Chu Enlai nacionalizou os grandes meios de produção e estabeleceu o PCC como partido único, o qual vai ocupar todos os níveis do poder de Estado, sem jamais permitir à classe trabalhadora constituir as suas próprias instituições.

A União Soviética assinou em 1950 um tratado de amizade com a China, que participava da Guerra da Coréia (1950-53) contra os EUA. Ainda com apoio soviético, a China faz seu primeiro plano quinquenal (1953-58) com impulso à indústria e coletivização da agricultura (que vinha desde 1949). Mas, a morte de Stálin em 1953 e a política de seu sucessor, Krushev, de “coexistência pacífica” entre capitalismo e socialismo, levaram à ruptura sino-soviética de 1958 (2) que desaguou no paradoxo do “maoísmo” identificar-se com o stalinismo, cujo inspirador abandonara a revolução chinesa à própria sorte.

A “Era Mao” prolongou-se até 1976, com uma sucessão de grandes campanhas (“Cem Flores”, “Grande Salto para a Frente”, “Revolução Cultural”) que manipulavam multidões num ou noutro sentido, para preservar o poder de um setor da burocracia sobre outros, diante da permanente pressão imperialista sobre um país que havia expropriado o capital.
Entre 1965 e 1968, no momento da escalada dos EUA na Guerra do Vietnam, a China chegou a concentrar 320 mil soldados na fronteira em apoio logístico a Hanói. Em 1972, quando aviões dos EUA bombardeavam o Vietnam do Norte, Mao recebeu em Pequim o presidente Nixon, vindo de Moscou, iniciando a “abertura” da China ao ocidente.

A abertura ao mercado mundial
Após a morte de Mao (1976), houve uma luta interna no PCC pela sucessão, que acabou levando Deng Xiao-Ping, que caíra em desgraça durante a “Revolução Cultural” (1966-69), ao poder. Deng vai promover desde 1978 a política de abertura ao capitalismo. Seu governo normaliza as relações diplomáticas com os EUA e cria as Zonas Econômicas Especiais (ZEE) para atrair capital estrangeiro.

Em pouco tempo essas ZEE atraem grandes investimentos vindos de Hong Kong, Taiwan, Japão e EUA, explorando o baixo custo da mão de obra chinesa, disciplinada pelo regime de partido único e controle estatal dos sindicatos (o direito de greve é proibido em 1982). No período de 1981 a 2001, o PIB chinês cresceu à taxa média de 9,5% ao ano. Esse crescimento criou “milionários”, aumentou os privilégios da casta burocrática e a desigualdade social no país, tendo como efeito provocar novas lutas internas no PCC e resistência popular.

Em junho de 1989, uma grande mobilização de estudantes e trabalhadores por liberdades políticas ocupou a Praça da Paz Celestial (Tian An Men) em Pequim, atemorizando o governo. Ela foi massacrada pelo Exército, deixando 1.400 mortos. Nos últimos anos, já na gestão de XI Jin Ping (desde 2013), várias greves ocorreram em que os trabalhadores construíram formas embrionárias de sindicatos livres.

Hoje, passados 70 anos da vitória da revolução chinesa e 40 anos da “segunda revolução”, nas palavras de Deng Xiao-Ping, que estabeleceu um “socialismo de mercado”, a China é uma bomba de efeito retardado. Sua dependência em relação aos EUA para suas exportações, num mercado mundial recessivo, provoca uma queda nas taxas de crescimento, agravada pela “guerra comercial” desatada por Trump. A última palavra ainda será dada pela classe trabalhadora da segunda maior potência econômica do mundo.

Lauro Fagundes

Notas
1 – No século 19 os ingleses comerciavam o ópio, proibido na China desde 1729, como remédio e também droga que afetava a saúde. O governo chinês combatia o contrabando inglês, o que levou a represálias de Londres chamadas de “Guerras do Ópio” (1839-42 e 1856-60), que resultaram em tratados que deram concessões e privilégios a estrangeiros na China.

2 – O conflito “sino-soviético” repercutiu no surgimento de partidos “maoístas” (autointitulados marxista-leninistas) ou na divisão dos Partidos Comunistas entre uma linha pró-Moscou e outra pró-Pequim. O surgimento do PCdoB, separando-se do PCB (pró-Moscou) em 1961, foi a tradução brasileira desse fenômeno.

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