A presidente eleita divulgou uma “mensagem ao povo brasileiro“, defendendo-se do “impeachment sem crime de responsabilidade, um golpe de estado”. Na solenidade, cercou-se de petistas. Os ex-ministros Ricardo Berzoini, Jaques Wagner e Aloísio Mercadante (do CNB), Rosseto (da DS) e Menecucci.
Somos incondicionais na defesa do mandato do 2º turno de 2014, que está sendo guilhotinado pelo golpe judiciário e parlamentar, articulado pela classe dominante e apoiado pela mídia.
Mas não somos, por isso, com toda a consideração, obrigados a concordar com tudo o que diz a presidente, antes e agora nesta carta.
Há três meses, a Executiva do PT lhe pediu uma carta de compromissos com o povo (voltar para fazer o que?), e havia motivos: era uma necessidade para a CUT, MST, CMP e outras organizações mobilizarem o povo contra o golpe.
Mas o que só saiu agora, a uma semana da votação final, se dirige aos senadores pedindo o voto e não ao povo, a quem não convoca. Com o conteúdo desta carta, nem poderia!
Dilma propõe um “Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social (que) permitirá a pacificação do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento das paixões”. Ela exorta “as forças produtivas, empresários e trabalhadores, participar de forma ativa na construção de propostas para a retomada do crescimento e para a elevação da competitividade de nossa economia”. Oferecendo um único “compromisso”: “darei meu apoio irrestrito à convocação de um Plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral”.
Pacto competitividade e plebiscito
Dilma perdeu a oportunidade do balanço da insistência governamental (e de parte do sindicalismo) na colaboração de classes – “empresários e trabalhadores”, em nome da “competitividade” – fator que levou a situação social atual: centenas de bilhões em isenções e subsídios aos patrões que, quando quiseram, desempregaram 12 milhões, enquanto o Estado acumulou um gigantesco déficit fiscal!
Que diferença deste, com aquele outro “pacto” que, apesar de contradições, Dilma ofereceu em junho de 2013: ali, apontou a um Plebiscito para uma Constituinte Exclusiva para a reforma política, e sinalizou algumas reivindicações concretas, como o programa “Mais Médicos”.
Aqui, em agosto de 2016, a reforma política foi castrada: ela cita apenas a “fragmentação partidária” (cláusula de barreira), a fidelidade partidária e a “moralização” (?) do financiamento eleitoral, o que parece um acordo com a reforma de partidos golpistas.
E não há reivindicação popular concreta. Escrever que “o lema persistirá sendo ‘nenhum direito a menos'” merece contestação, o povo não merece ser enganado de novo: “o lema persistirá”… desde quando, desde 2015, com as Medidas Provisórias 664 e 665 de redução de direitos sociais? Ou desde 2016, com a lei anti-terror reduzindo direitos democráticos?
Pior é falar de “pacificação do país” quando estão vendendo o pré-sal, ou de “desarmar os espíritos” e “arrefecer as paixões” com a “reforma da previdência” pela frente.
Desorientação?
O tom ultra-conciliador da carta de Dilma, a esta altura, revelaria desorientação.
Todos sabem que não será correspondido pelos nossos adversários.
Todos sabem que não há sequer um setor importante da classe dominante e dos políticos profissionais, hoje, disposto ao acordo em torno de um plebiscito de antecipação das eleições presidenciais.
Tinha razão o presidente do PT, Rui Falcão, ao dizer que Dilma defender o plebiscito “será um golpe contra ela e contra os 54 milhões de eleitores que votaram nela’”, e um “artifício para tentar enganar quem não vai ser enganado” (4/8/16).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), antes cantado pelo PCdoB, Requião e outros, como um mediador no impeachment, descartou de pronto o plebiscito.
Para os interesses do povo trabalhador, não há esse hipótese de “acordo” nem outra alternativa: a luta continua contra o golpe e o golpismo. A presidente Dilma refletirá sobre o efeito da carta, que certamente não ajudará a mobilização popular, e escolherá seu lugar.
Para o PT, que tem lideranças concernidas nas escolhas feitas, é um ponto importante da discussão em curso de balanço dos 13 anos, marcados por uma conciliação, ao final, impossível. O PT precisa ser reconstruído.
Markus Sokol