A chegada de Biden à presidência dos Estados Unidos

Mais de oitenta milhões de americanos votaram em Biden. Entre eles, muitos sindicalistas, ativistas negros, jovens, usaram esta cédula de votação para pôr um fim à presidência de Trump e a tudo o que ele representa de racismo e reação. Eles querem ter um sistema de saúde de verdade, ter serviços de terapia intensiva, com leitos suficientes para acomodar os pacientes da Covid, os quais não precisariam apresentar cartão de seguro privado para ter uma cobertura.

Eles querem que o governo tome medidas de proteção para combater a epidemia e reabrir escolas e empresas. Querem que os trabalhadores demitidos a pretexto desta crise encontrem empregos reais e, enquanto isso, beneficiem-se do seguro-desemprego. Eles querem que inquilinos e proprietários atolados em empréstimos hipotecários não sejam despejados de suas casas porque não podem pagar suas mensalidades.

E, ao mesmo tempo, sabem que o programa de Biden não atende a essas expectativas. Biden declarou-se contra um sistema público de proteção social. Ele defende uma reforma marginal do sistema de subsídio de seguro privado, que é o Obamacare. O pacote de estímulo que ele propõe, no valor de 1,9 trilhão de dólares, visa, antes de tudo, apoiar as empresas.

Mas, o equilíbrio é precário entre os partidários de Trump que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro, por um lado (o exército destacou vinte e cinco mil guardas nacionais em Washington para evitar qualquer transbordamento durante a investidura de Biden; guardas nacionais também foram implantados em muitos estados para proteger seu capitólio, sedes de suas assembléias, das manifestações armadas que haviam sido anunciadas) e, por outro lado, as expectativas dos eleitores de Biden.

E este último já teve que fazer algumas concessões: o plano de estímulo prevê a prorrogação, pelo período de epidemia, do seguro-desemprego para milhões de trabalhadores demitidos, bem como a prorrogação da moratória sobre os despejos locatícios até setembro próximo. Da mesma forma, ele foi levado a anunciar o aumento do salário mínimo federal para 15 dólares por hora, contra os atuais 7,25 (muitos setores de serviços, no entanto, escapam desse salário mínimo). O salário mínimo de 15 dólares era uma reivindicação sindical. Esta é uma expressão da vontade de Biden de associar a direção nacional da AFL-CIO ao seu plano de recuperação.

Na verdade, se Biden anuncia uma série de medidas sociais, é porque, como todos os líderes nos Estados Unidos, ele está em pânico com a fratura que lacera o país e que a qualquer momento pode levar a uma explosão. O alerta foi a mobilização após a morte de George Floyd, reunindo negros, jovens brancos, latinos e uma ampla camada de sindicalistas. O impulsor dessas manifestações foi, claro, o combate ao racismo sistêmico, mas também à precariedade, ao desemprego, pelo direito à proteção social etc.

Esse pânico se expressa também em relação às instituições estadunidenses, em grande crise, e ao bipartidarismo, forma clássica de dominação da burguesia dos EUA, colocada em questão pela crise que se atravessa os dois partidos, e em particular o Partido Republicano. Este precisa ser salvo para preservar-se o bipartidarismo. É por isso que Biden estende a mão aos senadores republicanos para tentar associá-los ao plano de recuperação.

Mas, uma parte da “esquerda” do Partido Democrata, militantes da organização dos Socialistas Democratas da América (DSA), que lideraram a campanha de Sanders, bem como os manifestantes Black Lives Matter, não veem dessa forma.

As manifestações Black Lives Matter neste verão demonstraram a vontade de resistência de grande parte da população. Biden tem se expressado repetidamente contra a reivindicação central desses protestos por uma reforma radical da polícia, defendendo medidas que penalizem os comportamentos abertamente racistas. Se as manifestações se cristalizaram na questão da violência policial, que afeta principalmente os negros, as questões subjacentes são muito mais profundas. Assim, a demanda por indenizações para os negros ressurgiu: ao terminar a escravatura, o governo federal prometeu a eles que cada um receberia uma mula e quarenta acres de terra como reparação pelos anos de escravidão, para que pudessem recomeçar como homens livres. Eles nunca os receberam. E os negros estadunidenses de hoje herdaram a situação de seus antepassados: mais pobres que o resto da população, mais sujeitos às doenças que a pobreza causa (a começar pela Covid); eles são geralmente confinados em bairros privados de serviços públicos. Se a brutalidade policial de que são objeto é uma manifestação particularmente chocante e espetacular disso, o racismo sistêmico de que são vítimas vai muito além: é isso que está contido na reivindicação de reparações.

Devan Sohier
Publicado no jornal francês Informations Ouvrières
Tradução Adaias Muniz

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