UE e Reino Unido: acordo em meio à crise

Muito se escreveu sobre o acordo de livre comércio entre Reino Unido e União Europeia (UE), anunciado em 24 de dezembro, com o objetivo de “organizar” o Brexit (saída dos britânicos da UE), um acordo comercial entre potências capitalistas. Michel Barnier, negociador do Brexit, declarou que era um “acordo perde-perde”. De que falava?

O Reino Unido nunca foi membro de pleno direito da UE. Não participou da criação do que veio a ser a união, preferindo os acordos de livre comércio bilaterais. Só se inscreveu no Mercado Comum a partir de 1973. Nunca ingressou na zona do euro prevista pelo Tratado de Maastricht.

A classe dominante britânica poderia, portanto, ficar satisfeita com essa adesão mínima. Em 2016, por questões de política interna, o então primeiro-ministro britânico David
Cameron realizou um referendo, com a intenção de isolar sua minoria eurocética, defensora de que o capitalismo britânico tem mais a ganhar fora da UE.

O resultado é conhecido: as massas populares, principalmente inglesas, por seu voto de classe, reforçaram paradoxalmente a corrente dos eurocéticos da classe dominante. Contra
as expectativas, a retirada da UE foi aprovada por uma maioria de 52%!

A vida política no Reino Unido é, por conseguinte, determinada pela votação de 2016: derrota dos conservadores nas eleições europeias de maio de 2019; renúncia de Theresa
May e eleição de Boris Johnson à frente do partido, tornando-se primeiro-ministro; queda do Partido Trabalhista nas eleições de dezembro de 2019, quando, embora defendesse um programa geral favorável aos trabalhadores, colocou-se contra o movimento de fundo da classe trabalhadora que queria romper com a UE. O Partido Conservador, que se declarou inequivocamente a favor da retirada da UE, obteve vitória esmagadora.

O acordo de 24 de dezembro abrange o comércio de mercadorias, sem direitos aduaneiros ou cotas, exceto na pesca. Neste caso, os países europeus terão de reduzir as suas capturas nas águas territoriais britânicas em 25% até 2026. As formalidades de declaração aduaneira foram restabelecidas. O mercado de serviços, incluindo os financeiros, não foi abordado e provavelmente será objeto de negociações futuras.

Não se pode esquecer o essencial: um país decidiu, por voto democrático, deixar a UE, contribuindo para a desintegração de uma união que vive crise após crise. Esse é o “crime” imperdoável dos britânicos. E é o significado do “perde-perde”.

Eleição de Biden
Até há poucas semanas, a UE estava à beira da desintegração, não apenas por causa do impasse em relação ao acordo com o Reino Unido, mas também em virtude do bloqueio de um pacote de estímulo de 750 bilhões de euros, devido ao veto de Hungria e Polônia. De repente, tudo se encaixou.

Há, claro, razões internas para os compromissos fechados de última hora. Mas isso não é o principal. A mudança ocorreu depois da eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos.

Durante quatro anos, Trump tem colocado em questão as instituições internacionais (ONU, Otan etc.), pesando em particular no sentido da desarticulação da UE. Biden veio mudar o jogo, porque representa a fração do capital estadunidense favorável à manutenção dessas instituições. Daí a retirada do veto da Polônia e o acordo sobre o Brexit.

No entanto, as relações EUA-UE seguem marcadas por feroz guerra comercial. Em 30 de dezembro, veio a público que Washington decidiu impor tarifas alfandegárias adicionais a produtos europeus. O capital continua a ser o capital.

Correspondente

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