Louisa Hanoune, secretária-geral do Partido dos Trabalhadores (PT) da Argélia, está presa desde 9 de maio. A nação argelina vive uma situação revolucionária, com manifestações maciças de trabalhadores e jovens, que o regime procura conter. O combate de longa data de Louisa e de seu partido em defesa da democracia, da soberania nacional e das reivindicações populares está por trás da repressão que sofre.
A dirigente do PT foi convocada no dia 9 como testemunha a uma audiência no tribunal militar de Bilda, no quadro de uma investigação que se seguiu à prisão de Saïd Bouteflika, irmão do ex-presidente da República e de outras duas pessoas.
Após várias horas de depoimento, foi encarcerada, sem que os motivos de sua prisão fossem notificados. Durante três dias, mantiveram-na incomunicável, sem poder receber seus advogados, sua família ou seus camaradas. No dia 12, o coletivo de advogados pôde enfim vê-la.
Um comunicado do PT de 12 de maio afirma: “O coletivo de advogados nos informou que Louisa Hanoune, 24 horas após sua prisão, apelou da decisão do juiz de instrução de mantê-la em detenção provisória. A apelação será examinada por ocasião da audiência programada para segunda-feira, 20 de maio. Os advogados nos informaram também que ela tinha um moral muito bom e mostrava grande serenidade. Informada das muitas tomadas de posição contra seu encarceramento, ela insistiu em saudar e agradecer os partidos políticos, as organizações sindicais, os responsáveis políticos e sindicais, as personalidades nacionais, os advogados, jornalistas, estudantes e todos os cidadãos que lhe manifestaram solidariedade e pediram sua libertação”.
Posteriormente, informou-se que há duas acusações contra Louisa: “conspiração com o objetivo de prejudicar a autoridade do comandante de uma formação militar” e “conspiração para mudar o regime”. “Conspiração”? Todas as semanas, de 17 a 20 milhões de argelinos se manifestam nas ruas para mudar o regime. Não há “conspiração”, mas um processo revolucionário. As acusações contra Louisa Hanoune são dirigidas a todo o povo argelino.
Vida de lutas
Louisa Hanoune nasceu em uma família pobre numa aldeia das montanhas da região de Jijel, em 1954, no início da luta de libertação nacional da Argélia. Foi a primeira filha de sua família a estudar. Fez estudos jurídicos e trabalhou como advogada no aeroporto de Annaba.
Para chegar a isso, teve de superar muitas dificuldades, como mulher que queria ingressar no ensino superior. Por isso juntou-se a uma organização de defesa dos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, passou a integrar a Organização Socialista dos Trabalhadores (OST), clandestina sob o regime repressivo do partido único vigente. Foi presa em 1983 e em 1988 por sua luta.
Em 1989-1990, o regime foi obrigado a aceitar o multipartidarismo. Louisa Hanoune, junto com os militantes da OST e outros, fundou, em 1990, o PT, do qual é a porta-voz. Em janeiro de 1991, Louisa estava em Barcelona, na fundação do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT). Atualmente, é uma das coordenadoras do AcIT.
Há anos, o PT desenvolve uma atividade em favor de uma Assembleia Constituinte, alimentando assim entre a população argelina a vontade de terminar com o regime e estabelecer a democracia.
Louisa e outros camaradas do PT foram eleitos deputados à Assembleia Popular Nacional (APN). Ela foi também candidata à eleição presidencial, a primeira mulher no mundo árabe. Com a explosão revolucionária na Argélia, Louisa, com os demais deputados do PT, renunciaram a seus mandatos na APN, da qual ela exige a dissolução, pois o que está na ordem do dia é o fim do regime e de todas as instituições, para o estabelecimento de uma verdadeira democracia.
Organizações Argelinas e em todo o mundo exigem sua libertação incondicional
Na sexta 10 de maio, faixas e cartazes exigindo “Liberdade para Louisa Hanoune” apareceram nas manifestações que ocorreram em várias cidades do país.
Reações na Argélia
Em 11 de maio constitui-se o Comitê nacional pela libertação de Louisa Hanoune, por iniciativa do PT, que nos primeiros três dias de campanha recolheu milhares de assinaturas de militantes políticos, sindicalistas, democratas, advogados e artistas que se associaram a essa batalha.
Com exceção da FLN (Frente de Libertação Nacional, partido do regime) e seus satélites, todas as formações políticas argelinas tomaram posição pela liberdade de Louisa.
O presidente do RCD (Reagrupamento pela Cultura e Democracia) declarou: “As características que aparecem cada vez mais são de controle militar e decisão política de exercer a justiça através de ordens”.
O presidente da associação RAI: “A decisão do tribunal militar é um ato de desconfiança que revela a vontade do poder real, encarnado pelo chefe do Estado maior, de passar pela força a sua agenda que consiste em manter o sistema com a realização das eleições de 4 de julho, apesar de sua rejeição pelo povo argelino”.
O presidente do Jil Jadid (“O dever de agir”): “A detenção da dirigente de um partido político coloca claramente a questão das liberdades e deixa a interrogação sobre as verdadeiras intenções do novo poder”.
A Frente das forças socialistas (FFS) “denuncia e condena energicamente a prisão da Louisa Hanoune. Nada pode justificar esse ato arbitrário e abusivo. A FFS condena esse novo ataque do poder real argelino que visa garantir sua agenda política eliminando toda voz discordante e tentando sufocar a revolução popular”.
O PST denunciou “uma campanha de expurgos e repressão” exprimindo sua solidariedade a Louisa. Nos canais de TV e em comentários na imprensa também ocorreram críticas à prisão da dirigente do PT.
O CNES (confederação sindical dos docentes universitários) exige “liberar Louisa Hanoune”. O Snapep, o Satef, sindicatos de professores, também. Muitos dirigentes de uniões locais da UGTA (central sindical oficial) também tomaram posição, bem como dirigentes de vários sindicatos autônomos.
Campanha Internacional se inicia
O Acordo Internacional dos Trabalhadores e Povos (AcIT), do qual Louisa Hanoune é co-coordenadora, lançou uma campanha internacional pela sua liberdade imediata.
No Brasil já em 10 de maio a CUT soltou nota denunciando a sua prisão. Também em 10 de maio, uma carta do Diálogo e Ação Petista (DAP) foi dirigida ao AcIT colocando o agrupamento à disposição da campanha. Em 13 de maio, uma nota da Executiva nacional do PT exige a libertação de Louisa. No mesmo sentido, o deputado federal Vicentinho (PT-SP) prepara no DF uma delegação à embaixada da Argélia e o deputado estadual Betão (PT-MG) divulgou nota exigindo a libertação da companheira.
Também já tomaram posição a assembleia dos docentes da Universidade Estadual do Ceará (Sinduece), a Condsef (confederação dos servidores federais) e o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo.
Em outros países da América Latina houve posicionamentos da Confederação Bancária do Chile, um chamado de dirigentes políticos e sindicais do México, da União Geral dos Trabalhadores de Guadalupe (UGTG), da Confederação sindical dos trabalhadores dos setores público e privado (CTSP) do Haiti e da Federação dos sindicatos das empresas hidrológicas da República Bolivariana da Venezuela.
Na Europa
Em Portugal, por iniciativa do Bloco de Esquerda, o parlamento adotou o seguinte voto: “A Assembleia da República reunida em sessão plenária, manifesta a sua grande preocupação e condena a detenção de Louisa Hanoune, exigindo a sua libertação imediata e incondicional.”
Na Alemanha, a organização de juventude do SPD (Jüsos), dezenas de militantes e dirigentes do SPD, a comissão operária do SPD (AFA), sindicalistas do GEW (ensino), NGG (alimentação) e do Ver.di (serviços públicos), divulgaram posição pela liberdade de Louisa. Na Bélgica circula um chamado assinado por sindicalistas da FGTB. No Reino Unido militantes sindicais também fizeram um chamado. Na Romênia adotaram posição a Federação sindical Hermès, o sindicato Solidariedade universitária e a Associação pela Emancipação dos Trabalhadores (AEM).
Na Espanha já tomaram posição a executiva das Comissões Operárias (CCOO), a executiva da UGT, o grupo parlamentar da Esquerda Republicana (ERC), o comitê de redação da Tribuna Socialista, a Associação Trabalho e Democracia, além da Juventude da UGT da Catalunha e vários sindicatos: UPTA-UGT d’Euskadi ; CCOO de John Deer Iberica ; dirigentes de federações da saúde CCOO da Andaluzia e a seção sindical UGT de Alava.
Na França já são milhares de dirigentes políticos e sindicais, dentre eles Jean Luc Melenchon (França Insubmissa), Philipe Martinez (sec. geral CGT) e Yves Veyrier (sec. geral CGT-FO), que até 14 de maio aderiram a um manifesto que exige a libertação imediata de Louisa Hanoune. Na Ásia e África
Da Palestina pronunciou-se Salah Salah, em nome do Fórum Nacional Palestino, da mesma forma que militantes políticos e sociais do Líbano e de Hyunsu Hwang, responsável internacional da KTU (federação do ensino) da Coréia do Sul.
No continente africano, do qual faz parte a Argélia, são numerosas as adesões à campanha vindas de organizações sindicais e políticas dos seguintes países: Camarões, Mali, Mauritânia, Niger, Senegal (de três centrais sindicais), Costa do Marfim, Guiné-Conacri, Ilha Maurício, Togo, Ruanda e África do Sul (Movimento da Consciência Negra e Partido Socialista da Azânia).
A campanha continua, adesões devem ser enviadas a:
eit.ilc@fr.oleane.com
c/c para: julioturra@cut.org.br
Regime em crise tenta se segurar
A situação na Argélia está num ponto de inflexão. De um lado, há um processo revolucionário que continua e se aprofunda pela derrubada do regime. De outro, esse regime em crise, que busca se segurar. O primeiro cenário para isso foi o de uma conferência nacional associando todos os partidos para um período de transição. Mas, diante da pressão popular contrária, o governo foi obrigado a anular essa conferência nacional.
Desde então, o presidente interino e o primeiro-ministro estão à margem e quem comanda a política do regime é o chefe do estado-maior, Gaïd Salah. A transição acabou por si mesma. Ele afirmou claramente que a única questão agora é a manutenção das eleições marcadas para 4 de julho. Editorial de El Deich (“O Exército”), o jornal oficial do estado-maior, afirmou que “aqueles que se opõem à eleição presidencial e ao quadro constitucional são cúmplices do complô”. Isso esclarece as razões para a prisão de Louisa Hanoune e as ameaças às liberdades na Argélia hoje.
Mas a dúvida sobre a capacidade do regime de organizar essas eleições está aumentando. Um site de notícias argelino diz: “Primeiro, o poder corre o risco de não encontrar candidatos para ‘sua’ eleição. Na primeira lista de 24 postulantes publicada no dia 18 de abril, não figurava nenhuma personalidade conhecida” (TSA, 13/5). A mesma fonte avalia: “Mas o obstáculo mais intransponível continua sendo a rejeição do pleito pela população, agarrada à reivindicação de uma verdadeira transição antes de ir às urnas. Sexta-feira passada, apesar do jejum e do calor, os argelinos ainda saíram em massa pela 12ª vez seguida para dizer não ao plano do poder, portanto à eleição de julho”.
Nesse contexto de revolta popular, as lutas sociais se multiplicam no país. Em Béjaïa, os fechamentos de estradas pela população são recorrentes. Em Chlef, os agentes de limpeza da comuna estão em greve por tempo indeterminado para denunciar o bloqueio da ajuda às obras sociais. Em Tiaret, centenas de habitantes da comuna de Sidi Bakhti se manifestaram para exigir a demissão do prefeito. São apenas alguns exemplos de uma cólera que vem de baixo e que conecta as reinvindicações democráticas, a saída do regime e as reivindicações sociais e econômicas.
SOBRE A ARGÉLIA
A Argélia, situada no norte da África é um país rico em petróleo, membro da OPEP. Tem uma população de 40 milhões de habitantes, com duas componentes, árabe e berbere. Foi uma colônia do imperialismo francês. Uma grande luta pela libertação nacional resultou na conquista da independência, em 1962, levando grande esperança aos argelinos de constituição de uma nação soberana e democrática. A Frente de Libertação Nacional (FLN), porém, tornou-se o partido único durante mais de duas décadas.
Em 2019, quando foi anunciado que o presidente Abdelaziz Bouteflika concorreria a um quinto mandato, desde 22 de fevereiro uma onda de manifestações espalhou-se e passou a incorporar várias reivindicações sociais, econômicas e pela soberania nacional. As marchas populares, que ocorrem todas as sextas-feiras, reúnem milhões de pessoas em todo o país.