Audiência em Minas debate a luta contra trabalho escravo

A terceirização é a porta de entrada para ampliação do trabalho análogo à escravidão, conclui discussão

Ocorreu no último dia 27 de abril, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a audiência pública convocada pelo presidente da Comissão de Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, o Deputado Estadual do PT, Betão. A audiência contou ainda com a presença das deputadas petistas Andreia de Jesus, Beatriz Cerqueira, Leninha e do deputado Leleco. 

Foram mais de cinco horas de discussão com aproximadamente 80 companheiras e companheiros, representando 25 entidades sindicais e do movimento social, que foram unânimes em destacar que a terceirização é a porta de entrada para o trabalho análogo à escravidão.

Betão abriu os trabalhos registrando que o Brasil enfrenta um problema grave e que Minas Gerais se destacou como o estado com o maior número de trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão. A informação foi corroborada pelo depoimento da desembargadora do TRT Paula Cantelli. “Entre 1995 a 2022, foram 60.251 trabalhadores em situação análoga à escravidão. No mesmo período, foram encontrados 8.723 pessoas resgatadas em Minas. E os números não param de crescer.” alertou Paula. É o que provam também os dados estaduais apresentados pela professora Lívia Miraglia, da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG. De acordo com a docente, entre 2017-2022, houve 335 atos de infração lavrados em Minas Gerais e, destes, 174 constataram a existência de trabalho escravo. 

O setor que mais teve atos de infração foi a agricultura com 80 casos, dos quais 51 na produção cafeeira. A carvoaria ficou em segundo lugar com 58 ocorrências. 

Só nesse período, o número de trabalhadores resgatados nesses atos chega a 3046 pessoas, sendo que a grande maioria, 1515, são de pardos e negros e 1236 não tem informações nos atos de infração.

Trabalhador do campo é o mais atingido
Os dados sobre a produção cafeeira revelam a precariedade deste tipo de trabalho rural no país. Trabalhadores acabam se sujeitando a condições degradantes porque não tem acesso a empregos dignos ou à terra e aqueles que tem terra, muitas vezes, não tem acesso a financiamento para plantar. Isso leva ao que se chama de “migração” para a produção de café, quando, principalmente jovens, migram de suas cidades ou povoados para as fazendas para fazer a colheita do produto.

Essa situação foi ilustrada pelo depoimento da senhora Neli Aparecida, de Chapada Norte, no Vale do Jequitinhonha. Mãe de duas filhas resgatadas na colheita de café, Neli explicou que “suas filhas estão vivendo a mesma coisa que ela viveu durante 18 anos na colheita”. Segundo ela, “os jovens terminam o (ensino) fundamental e a única porta de saída para eles é migrar para colher o café, e são colocados nessa situação precária”.

A situação foi corroborada por outro depoimento, da senhora Ivete Cardoso, da cidade de Berilo, também no Jequitinhonha. Ivete explicou que começou a migrar desde “os 9 anos com os meus pais e sempre ficamos em barracos sem nada”. Ela concluiu com um pedido: “peço que os governos gerem emprego para que minha filha, que está terminando o 3° ano do ensino médio, não precise migrar”.

Para Eder de Oliveira, coordenador geral da FETRAF-MG, “essa situação é muito forte para quem é da roça. Ou passou por isso ou conhece alguém que passou”. De acordo com o dirigente sindical, o aumento do trabalho escravo em Minas e no Brasil tem como causa a aprovação da Reforma Trabalhista pelo golpista Temer. “Hoje, as rescisões não precisam ser feitas mais nos sindicatos e os acordos podem ser feitos de maneira individual, ou seja, se não acabar com a Reforma Trabalhista não iremos acabar com o trabalho escravo”. Além disso, ele completa, “tem que ter financiamento para o pequeno produtor, que, hoje, trabalha no seu pequeno pedaço de terra por um pequeno tempo e depois vai para colheita de grandes produtores”

Essa posição foi comungada pelo companheiro Jorge Ferreira coordenador da ADERE – Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais – ao afirmar que “precisa ter terra, mas tem que ter financiamento para que os trabalhadores rurais possam se manter na terra”.

Punição não está à altura e falta fiscalização
Outro ponto levantado pelo companheiro Jorge Ferreira no debate foi a necessidade de punir os responsáveis pelo trabalho degradante  “Ninguém prende quem escraviza, parece que nossa justiça é de classe e só prende pobre negro, estamos cansados de fazer denúncias e não vermos os responsáveis presos”, ele relata. 

Ferreira ainda defendeu a necessidade de punição das empresas que financiam. “O trabalho escravo tem nome e endereço em Minas Gerais, está no café. E esse café vai parar na Nestlé, na Starbucks, na McDonalds, no Café Pilão. É esse povo que lucra com o café com trabalho escravo”. 

Para isso, é preciso discutir os valores das indenizações estabelecidas pela justiça. De acordo com informações apresentadas na audiência, as multas ficam em torno de 5 mil reais. Na prática, acaba sendo um estímulo ao trabalho escravo.

Nessa perspectiva, a juíza do TRT do Rio Grande do Sul e da “Associação Latinamericana de Juízes do Trabalho” defendeu que é preciso realmente discutir os valores dos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) feitos com o Ministério Público. Para exemplificar, a juíza questionou o TAC assinado com a Salton, Aurora e Garibaldi neste ano, após denúncia de impacto nacional: “o Ministério Público do Trabalho fez um TAC com as empresas de vinho que garantiu pouco mais de 9 mil reais de indenização individual e outra de 5 milhões em caráter coletivo que ficou para o MPT” e emendou para questionar essa situação. 

Além das “punições brandas” quando ocorrem, há o problema mais grave, o da falta de pessoal para fiscalização. Ivone Balmecker, dirigente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, explicou que “em 2023, há apenas 1959 auditores fiscais na ativa e as aposentadorias ultrapassam 130 por ano. Desde 2013, não há concurso público. Há hoje 1685 cargos vagos, ou seja, 40% das vagas não estão preenchidas. E não há dúvidas de quanto menos auditores, mais trabalho escravo”. 

Concurso público, revogação das reformas e fim da terceirização
Para Betão, a audiência demonstrou que a terceirização e a precarização do trabalho aumentada com a Reforma Trabalhista imposta com o golpe de 2016 abriu as portas para o aumento do trabalho escravo no Brasil. “É preciso organizar um movimento que exija a revogação dessa contrarreforma para garantirmos direitos aos trabalhadores e trabalhadoras. Como encaminhamento a audiência aprovou inúmeros requerimentos, com destaque para o que pede ao governo federal a contratação imediata de fiscais do trabalho para aumentar o combate ao trabalho escravo e o trabalho degradante e a proposta de organizar uma visita técnica nas cidades com maior índice de resgate de trabalho escravo no estado de Minas Gerais.

Juanito Vieira


Punição pela chacina de Unaí!

Na abertura do evento, o Deputado Betão apresentou moção de apoio ao Sinait (Sindicato de Auditores Fiscais do Trabalho) na cobrança de punição aos assassinos dos 3 fiscais do trabalho, Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares, Nelson José da Silva e do motorista Aílton Pereira de Oliveira ocorrida a 19 anos na cidade de Unaí e propôs um minuto de silêncio em homenagem às vítimas. A execução foi ordenada por fazendeiros que queriam impedir a fiscalização contra o trabalho escravo. 

Ao aprovar a moção, Betão lembrou que de acordo com o Ministério Público Federal, a morosidade da ação já levou a gastos de R$29 milhões ao Estado, enquanto os criminosos seguem impunes.

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