Desde o início deste mês de março a situação, que já era gravíssima, deteriorou-se ainda mais no Haiti.
Em 4 de março as gangues de bandidos que controlam 90% da capital de Porto Príncipe atacaram penitenciárias, soltando cerca de 4 mil presos, e ocuparam o aeroporto para impedir o desembarque do primeiro-ministro Ariel Henry, que voltava de uma viagem ao Quênia, país africano, onde fora negociar o envio de forças policiais ao país, bancado pelos EUA.
O Haiti está imerso em onda de violência e banditismo desde pelo menos o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021. À época Ariel Henry assumiu o comando do país sem ter sido eleito por ninguém, apenas graças ao apoio que recebeu dos EUA para convocar eleições, coisa que não fez desde então.
Segundo informações recebidas do Haiti por meio de sindicalistas como Dominique Saint-Eloi, coordenador da Central Nacional de Operários do Haiti (CNOHA), e de dirigentes de movimentos populares, como o Moleghaf, que ajuda a organizar comitês de vigilância nos bairros populares contra o banditismo, as diferentes gangues atendem a interesses de empresários e políticos locais, gente de dentro e de fora do governo.
Logo é preciso prudência diante de declarações de líderes de gangues, como Guy Philippe e Jimmy Cherizier, que hoje exigem a saída de Ariel Henry com ameaças de guerra civil e se apresentam como candidatos ao poder.
Por uma solução haitiana, sem intervenção externa
No fechamento desta edição, Ariel Henry ainda estava em Porto Rico, onde foi obrigado a pousar depois que o governo da República Dominicana, que compartilha a mesma ilha com o Haiti, suspendeu todos os voos para Porto Príncipe e fechou a fronteira terrestre.
Os EUA continuam defendendo uma missão internacional de apoio às forças de segurança do país, que se encontram desmanteladas e fogem das gangues, pois são mal equipadas e não recebem pagamento regular. Assim, não tem quem faça valer o “estado de emergência” decretado até abril pelo ministro da Economia Patrick Boisvert. A ONU e ONGs falam em crises humanitária e sanitária atingindo os mais de 11 milhões de haitianos. Apenas em 2023 foram mais de 2 mil mortos pela ação das gangues.
Ariel Henry ainda resiste a renunciar ao seu posto, mas, de fato, ele já não controla mais nada no Haiti. O governo dos EUA está buscando outro parceiro, seja nas gangues, que são abastecidas de armas via Miami, graças a, no mínimo, as “vistas grossas” de autoridades estadunidenses, quer seja devido à minúscula e corrupta elite local.
O governo Biden, que já gasta bilhões com a guerra na Ucrânia e com o genocídio de Israel em Gaza, não quer assumir uma intervenção militar direta no Haiti e a empurra para países como o Quênia, Bahamas, Jamaica e Antígua, mas até agora sem sucesso. O cenário é de incerteza.
O Brasil também tem responsabilidade diante do Haiti e da sua atual situação de caos e convulsão social. Afinal foi o seu governo, durante os mandatos de Lula e Dilma, que assumiu a liderança das tropas da ONU (Minustah) que ocuparam o país por 13 anos (2004 a 2017), deixando um rastro de atropelos ao povo e destruição do Estado haitiano.
Ainda hoje o embaixador do Brasil faz parte do “Core Group”, grupo de “conselheiros” do governo haitiano, que inclui os EUA, Canadá, Alemanha, França, Espanha, além da União Europeia, ONU e OEA, o qual bancou Ariel Henry nesses últimos anos, atendendo às ordens de Washington.
O governo Lula deveria atuar a favor de uma solução haitiana para a crise, sem qualquer intervenção militar externa, que garanta eleições livres e democráticas num curto prazo no país irmão. E é nesse sentido que a solidariedade com o povo haitiano deve se desenvolver também no Brasil e demais países da América Latina. Defender o Haiti é defender a nós mesmos.
Julio Turra
Caos e convulsão social aumentam no Haiti
O produto direto da política dos EUA para o país