Chile entre dois poderes

Em 4 de julho instalou-se a Convenção Constitucional, nome dado ao processo constituinte aberto pela revolta, o “estallido” de 18 de outubro de 2019. Paralelamente ocorre o processo eleitoral para presidente, senadores e deputados, previsto para novembro.

A disjuntiva é que a Convenção é parte do poder constituinte que o povo, em sua maioria, exigiu nas mobilizações que colocaram em xeque o regime político e economico do país e cujo objetivo é uma nova Constituição. Já o processo eleitoral responde ao poder constituído pela espúria Constituição de Pinochet, repudiada pela maioria do povo.

Esta é a contradição que está em jogo hoje. Os velhos que se recusam a morrer e que significou para o país 48 anos de profunda desigualdade social com um regime político que privilegiou os interesses das oligarquias, colocando o Chile com as maiores taxas de concentração de propriedade e riqueza, cujas consequências resultam num país como um dos mais desiguais na região e são a causa primeira do “estallido” de 2019.

O novo, o que está nascendo, é representado pelos delegados da Convenção que, em uma porcentagem relevante, são provenientes de organizações de base, ligadas aos movimentos sociais, povos originários, ambientalistas, etc. E que em uma porcentagem também importante surgem por fora dos partidos políticos tradicionais.

Uma característica do processo chileno aberto com a revolta de outubro, e que se inscreve em um cenário similar ao que ocorre em muitos países, é que esta careceu de uma direção política tradicional. Os movimentos socias, com suas debilidades próprias, em um país onde jurídica e politicamente se tentou dizimá-los, se alçou às mãos dos milhares que espontânea e inorganicamente sairam às ruas para demandar justiça.

Esta força social incontrolável tem vantagens na luta contra as instituições do Estado, pois não tem mediações, nem intermediários, a luta é direta. Ao não estar os partidos políticos que por sua natureza sempre jogam o papel norteador e, ao mesmo tempo, conciliador das lutas sociais; na ausencia da Igreja Católica, instituição característica da mediação, a luta tornou-se muito mais genuína, mais intensa e, às vezes, mais radical. Porém, o que é uma fortaleza, ao mesmo tempo se converte em uma debilidade, pois carece de uma direção que ordene e hierarquize as legítimas demandas e que conduza para um objetivo preciso e concreto esta tremenda força social dos milhões de movilizados.

Manter alto as demandas fundamentais
A falta de direção é a grande debilidade que têm que superar as organizações sociais no novo cenário do Chile. Mais ainda se a disputa entre o poder constituído e o poder constituinte vai crescendo em conflitos, pois se expressam em seu seio diversos interesses de classes que representam os diferentes constituintes.

Ao mesmo tempo, se observamos que os problemas fundamentais que se expressam na sociedade correspondem aos conflitos históricos entre capital e trabalho, preocupa que no processo constituinte não haja representantes genuínos do mundo do trabalho. Pois, sendo absolutamente legítimas as demandas dos povos originários, do movimento feminista, do movimento ambientalista, a luta no capitalismo continua sendo a luta entre o capital e o trabalho.

O desafio do mundo do trabalho, sindicatos, sindicalistas, é manter alto as demandas fundamentais pelas quais os trabalhadores e trabalhadoras há anos lutam, para que este processo constituinte faça as mudanças necessárias para acabar com as profundas assimetrias que a classe trabalhadora enfrenta nestes 48 anos na luta por seus direitos e interesses.

Chile enfrenta uma grande disjuntiva: ou faz as mudanças necessárias que outorgam igualdade e justiça social às e aos trabalhadores, ou cede à pressão dos grande empresários, aparentando mudar alguma coisa, mas para que o principal siga absolutamente igual.

Luis Mesina, de Santiago

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