Chile, 26 de março: marcha histórica

Uma ampla unidade para recuperar a previdência pública e solidária

26 de março de 2017 fica marcado na história da luta dos trabalhadores chilenos como a maior manifestação de rua em defesa de suas reivindicações.

Organizada pela Coordenação Nacional dos Trabalhadores (CNT), composta por sindicatos, confederações, entidades estudantis e coordenações locais e regionais, que integram movimentos populares, a campanha “NO+AFP” (Não mais AFP), se enraíza profundamente na maioria oprimida do pais.

AFP é a sigla das Administradoras de Fundos de Pensão, criadas na ditadura de Pinochet, com a privatização da Previdência.

Depois de 36 anos da privatização, da queda da ditadura militar, e sucessivos governos do Partido Socialista chileno, como o atual governo de Michelle Bachelet (numa aliança que vai da Democracia Cristã ao Partido Comunista, a Nova Maioria), a AFP segue especulando com os recursos da aposentadoria.

Hoje, a esmagadora maioria dos trabalhadores chilenos se aposenta com uma pensão no valor médio do equivalente a R$700,00 (56% do valor do salário mínimo do Chile, que equivale a R$1200,00).

Enquanto isso, especulando com os recursos da aposentadoria, a AFP movimenta cerca de 70% do valor do PIB (Produto Interno Bruto) chileno.

“Como hay agua y aire, hay plata para corruptos y non para jubilar” (como há água e ar, há dinheiro para corruptos e não para se aposentar), era uma das palavras de ordem gritadas na marcha.

“Chi, chi, chi, le, le, le, NO+AFP! ”

A partir das 10 horas da manhã, na Praça Itália, grande praça da capital, Santiago, chegavam as delegações. Faixas de sindicatos, de confederações, de bairros, de movimentos populares, da juventude, cartazes improvisados em papelão, iam colorindo a concentração.

Levantando reivindicações específicas, como a faixa da delegação dos trabalhadores da empresa espanhola Metrogás, em greve há uma semana por aumento salarial, todas as faixas e cartazes repetiam em uníssono, “NO+AFP”.

Famílias inteiras, chegavam de metrô, com pais e avós empurrando carrinhos de bebês, filhos e netos.

As 11 horas a marcha começou, e a Alameda, principal avenida de Santiago, de 3 quilômetros, foi tomada, em toda extensão e largura, pelos 750 mil manifestantes, aos quais se somavam cerca de um milhão e trezentos mil que saiam às ruas em diversas cidades, de norte a sul do pais.

O grito “Chi, chi, chi, le,le, le, NO+AFP” era cantado em toda extensão da Alameda.

“O maior embuste da nossa história”

Dois milhões de chilenos em todo o pais, o dobro da última marcha do ano passado, marcharam para recuperar a Previdência pública e solidária, como propõe a CNT, no projeto “Novo Sistema de Pensão para o Chile”.

Na apresentação do projeto, Luís Me­sina, porta-voz da campanha explica: “As AFP criadas na ditadura e aperfeiçoadas nesses anos de ‘democracia’ são a expressão mais concreta da extrema desigualdade que sofremos; direitos tão vitais como a saúde e a aposentadoria foram expropriados por José Piñera em 1981 e, depois de 36 anos, nos levantamos para dizer NO+ AFP. Acabando com as AFP – o maior embuste da nossa história – atingimos a matriz econômica atual que provocou a mais alta concentração de riquezas em poucas mãos e lançou muitas gerações de chilenos na mais absoluta pobreza. ”

O projeto apresentado pela Coordenadora da campanha é, por certo, bombardeado pelos empresários, banqueiros e governo, que inclusive discutem aumentar a idade mínima da aposentadoria. Mas vai ganhando o apoio da esmagadora maioria do povo oprimido, como mostrou a marcha de 26 de março.

No discurso do ato que encerrou a atividade, Luís Mesina, disse que o governo é surdo ao clamor do povo, pois a presidente Bachelet até hoje não respondeu à demanda de uma delegação da campanha, que ela recebeu em agosto do ano passado.

“A Nova Maioria traiu o sonho do povo. Sob a consigna do direito à propriedade privada, mantém o sis­tema da Previdência da ditadura, que retirou direito dos trabalhadores”. Um sentimento que se via, em toda marcha, no profundo rechaço aos par­tidos tradicionais. Mesina concluiu o ato afirmando: “não vamos parar enquanto não acabar com a AFP”.

Presente na marcha e vendo a força desse movimento, foi inevitável sentir o alento que nos dá para a luta que levamos no Brasil contra o desmonte da Previdência pretendido pelo governo golpista.

Misa Boito


Campanha Internacional

Luís Mesina, Secretário geral da Confederação Bancária do Chile, e porta-voz do movimento NO+AFP, é um dos sindicalistas chilenos que assinam a convocação da Conferência Mundial Aberta (Argel, outubro de 2017). Ele se dirigiu à coordenação do Acordo Internacional dos Trabalhadores e do Povos (AcIT), reunida em Paris em 31 de março e 1º de abril (ver pg. 10), pedindo solidariedade à luta dos trabalhadores chilenos.

O AcIT respondeu:

“A Confederação explica, muito bem, ‘as AFP, companhias de administração dos fundos de pensão, foram instauradas no Chile pelo decreto-lei da ditadura Pinochet em 1981, e consiste em um sistema de poupança forçada, de capitalização individual, administrada por empresas privadas (a maioria estrangeiras)’.

Fiéis aos seus princípios, a coordenação do AcIT aceitou lançar uma grande campanha internacional pelo restabelecimento da Seguridade social no Chile, tomando a palavra de ordem da mobilização do povo chileno ‘Abaixo as AFP! ’

A coordenação do AcIT se coloca ao lado das justas reivindicações dos trabalhadores e do povo chileno.

Pela defesa das conquistas sociais dos trabalhadores!

Abaixo as AFP! ”


“Nem privada nem Estatal”

 

A campanha “NO+AFP” impôs sua pauta. Órgãos de imprensa não podem mais ignorá-la. Diante da força do movimento, Bachelet apresentou uma proposta de aumentar em 5%, em 10 anos, a cotização dos patrões. A ministra do Trabalho, Alejandra Krauss (Democracia Cristã), declarou que esse valor seria administrado pelo Estado, “nenhum um tostão mais para a AFP”. No que se chocou com o ministro da Fazenda, Rodrigo Valdés (Partido Pela Democracia). Formado nos EUA e ex-funcionário do FMI, Valdés defendeu que seja administrado pela AFP. No ato de 26 de março Mesina denunciou relações do ministro com os dois maiores fundos de pensão estadunidenses, Provida e Cuprum, chamou a queda do ministro e a todos os chilenos a se retirarem desses dois fundos.

A proposta do governo administrar parte do fundo de pensão é reflexo da força da campanha. Mas seus organizadores não abrem mão da defesa da Previdência pública e solidária, e exigem o fim da AFP. “Nem privada, nem estatal”, era a palavra de ordem das camisetas confeccionadas pela campanha.

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