Leon Trotsky •
A amplitude do retrocesso que o movimento operário foi obrigado a dar pode ser medida não só pelas condições das organizações de massa, como também pelos agrupamentos ideológicos e pela busca teórica empreendida por numerosas grupos. Em Paris publica-se um jornal, “Que Faire?”, que não sei por que motivos se considera marxista, embora, na realidade, se mantenha dentro dos limites empíricos dos intelectuais burgueses de esquerda e daqueles operários isolados que assimilaram todos os seus vícios.
Como todos os grupos carentes de bases científicas, sem programa e sem nenhuma tradição, este pequeno jornal procurou proteger-se sob as saias do POUM (1N) que parecia abrir o caminho mais curto às massas e à vitória. O resultado desta ligação com a Revolução espanhola foi que o jornal não avançou, mas pelo contrário, retrocedeu. À primeira vista, este resultado parece completamente inesperado, mas, na realidade, faz parte da natureza das coisas. As contradições entre a pequena burguesia, o conservadorismo e as necessidades da revolução proletária desenvolveram-se ao extremo. É totalmente natural que os defensores e intérpretes da política do POUM se vejam forçados a retroceder, tanto no campo político como no teórico.
O jornal “Que Faire?”, em si e por si, carece de importância, mas oferece um interesse sintomático e por isso consideramos proveitoso deter-nos em suas apreciações sobre as causas do colapso da Revolução espanhola, visto que elas revelam graficamente os traços fundamentais que prevalecem agora no flanco do pseudomarxismo.
“Que Faire?”
Começamos por uma citação textual de uma crítica ao folheto “Espanha Traída“, do camarada Casanova (2N). Diz “Que Faire?”: Por que a Revolução espanhola foi esmagada? Porque, replica Casanova, o Partido Comunista “praticou uma política falsa que, desgraçadamente, foi seguida também pelas massas revolucionárias”. Mas por que, com todos os diabos, as massas revolucionárias abandonaram seus antigos dirigentes e seguiram o Partido Comunista? “Porque não existia um autêntico partido revolucionário.” Obsequia-nos, então, com uma tautologia pura. Uma falsa política de massas e um Partido imaturo expressam determinadas condições de forças sociais (imaturidade da classe trabalhadora, falta de independência do campesinato), que devem ser explicadas como expressão dos fatos apresentados pelo próprio Casanova ou então passam a ser explicadas como produto das ações de alguns indivíduos ou grupo de indivíduos “malvados”, ações que não correspondem aos esforços dos elementos “sinceros”, os únicos capazes de salvar a revolução. Depois de andar às cegas pelo primeiro caminho, marxista, Casanova segue pelo segundo, introduzindo-nos no domínio da demonologia. O criminoso responsável pelas derrotas é o Diabo-Chefe, Stálin, apoiado pelos anarquistas e todos os demais diabos menores; desgraçadamente o deus dos revolucionários não enviou à Espanha “um Lenine ou um Trotski, como o fez na Rússia em 1917″.
Em seguida vem a conclusão: “isto é o que acontece por tentar a todo o custo encaixar forçadamente os fatos dentro de uma ortodoxia ossificada”.
Esta altivez teórica chega a ser solene, se se considera o quão difícil é incluir em tão poucas linhas um número tão grande de banalidades, vulgaridades e erros típicos do filisteu conservador.
O autor da citação acima evita dar uma explicação da derrota da Revolução espanhola; só dá explicações profundas como: “certas condições das forças sociais”. A evasiva de toda a explicação não é acidental. Estes críticos do bolchevismo são todos uns covardes teóricos pela simples razão de que não têm nada sólido sob os pés. Para não revelar sua própria decadência, escondem os fatos e divagam em torno das opiniões dos demais. Limitam-se a meias palavras e a pensamentos incompletos, como se não tivessem tempo para mostrar a sua sabedoria. Na realidade, carecem por completo dela. Sua altivez está revestida de charlatanismo intelectual.
Analisemos uma a uma as meias palavras e os pensamentos incompletos do nosso autor. Segundo ele, uma falsa política de massas só pode ser explicada como “manifestação de certas condições de forças sociais” que são a imaturidade da classe operária e a falta de independência do campesinato. Aquele que procura tautologias não poderia encontrar uma mais completa. Uma falsa política para com as massas é explicada pela “imaturidade” das massas. Mas o que é imaturidade das massas?
Evidentemente sua predisposição a uma falsa política. Em que consiste uma falsa política e quem foram seus iniciadores – as massas ou os dirigentes? – nosso autor não explicou. Descarrega a responsabilidade sobre as massas, mediante uma tautologia. Esta clássica fraude de todos os traidores, desertores e seus agentes provoca indignação, particularmente em se tratando do proletariado espanhol.
Sofismas de Traidores
Em julho de 1936 – para não nos referirmos a um período anterior – os operários espanhóis repeliram o assalto dos oficiais que haviam preparado sua conspiração sob a proteção da Frente Popular. As massas improvisaram milícias armadas e criaram comitês operários, os baluartes de sua futura ditadura. As organizações dirigentes do proletariado, por outro lado, ajudaram a burguesia a destruir esses comitês, a reprimir os assaltos dos operários contra a propriedade privada e a subordinar as milícias operárias ao comando da burguesia, além da participação do POUM no governo que assumira a responsabilidade por este trabalho de contra-revolução.
Que significa neste caso “imaturidade” do proletariado? Evidentemente apenas isto: que as massas, apesar de terem escolhido uma linha correta, não puderam romper a coligação de “socialistas”, stalinistas, anarquista e do POUM com a burguesia. Esta amostra sofista tomou como ponto de partida o conceito de maturidade absoluta, isto é, uma condição perfeita das massas, onde elas não necessitam de uma direção correta e, mais que isso, são capazes de conquistar o poder contra sua própria direção. Não existe nem pode existir tal maturidade.
Mas por que – objetam nossos sábios – os operários que mostram um instinto revolucionário tão correto e qualidades de luta tão superiores se submetam a uma direção traidora?
Nossa resposta é esta: não houve nenhuma submissão. A linha de ação dos operários separou-se durante todo o tempo da linha da direção, em determinado ângulo. Nos momentos mais críticos, esse ângulo tornou-se 180º. A direção, então, ajudou, direta ou indiretamente, a submeter os operários pela força armada.
Em maio de 1937, os operários da Catalunha levantaram-se não só sem nenhuma direção, mas também contra ela. Os dirigentes anarquistas – patéticos e desprezíveis burgueses, com um disfarce revolucionário barato – repetiram mil vezes em sua imprensa que, se a CNT (3N) tivesse desejado tomar o poder em maio e estabelecer sua ditadura, teria conseguido isto sem nenhuma dificuldade. Desta vez os dirigentes anarquistas dizem a pura verdade. Na realidade, a direção do POUM marchava rebocada pela CNT, embora cobrindo sua política com um fraseologia distinta. Graças a isso, e só a isso, é que a burguesia conseguiu esmagar, em maio, o levante do “imaturo” proletariado espanhol. É preciso não compreender absolutamente nada das relações entre a classe e o Partido, entre as massas e a direção, para repetir vaziamente que as massas espanholas se limitaram a seguir seus dirigentes. A única coisa que se pode dizer é que as massas, que procuravam em todos os momentos encontrar um bom caminho, viram que era superior às suas forças estruturar, no próprio fragor da batalha, uma nova direção que correspondesse às exigências da revolução. Temos diante de nós um processo profundamente dinâmico em que as diferentes etapas da revolução se sucedem rapidamente, em que a direção ou alguns de seus setores desertam rapidamente para o campo do inimigo de classe. E nossos sábios se emprenham em uma discussão puramente estática: por que a classe operária em seu conjunto seguiu a má direção?
A Penetração Dialética
Existe um aforismo liberal-evolucionista: cada povo tem o governo que merece. A História, no entanto, demonstra que um mesmo povo pode ter, no transcurso de uma época relativamente curta, diferentes governos (Rússia, Itália, Alemanha, Espanha etc.) e, ainda mais, que a ordem destes governos não segue absolutamente na mesma direção do estadismo à liberdade, como imaginavam os liberal-evolucionistas. O segredo está em que um povo é formado por classes hostis entre si e estas, por sua vez, por camadas diferentes e por vezes antagônicas, cada uma sob uma direção diferente. Além disso, cada povo sofre a influência de outros povos que também são formados por classes. Os governos exprimem a “maturidade” em desenvolvimento de um povo, mas são o produto da luta das diferentes classes e das diferentes camadas dentro de uma mesma classe e, por último, o produto da ação das forças externas (alianças, conflitos, guerras etc.). Deve-se acrescentar a isto quer um governo, uma vez tendo estabelecido, pode durar muito mais que as relações de força que o produziram. É precisamente desta contradição histórica que surgem as revoluções, os golpes de Estado, as contra-revoluções etc.
A mesma penetração dialética é necessária quando se trata da direção de uma classe. Imitando os liberais, nossos sábios aceitam tacitamente o axioma de que cada classe tem a direção que merece. Na realidade, a direção, de nenhum modo, é um simples “reflexo” de uma classe ou o produto de sua própria criação livre. Forja-se a direção no processo dos choques entre diferentes classes e das fricções entre as diferentes camadas dentro de determinada classe. Uma vez assumido seu papel, a direção invariavelmente se eleva acima de sua classe, com o que fica predisposta a sofrer pressões e influências de outras classes. O proletariado pode “tolerar” por longo tempo uma direção que tenha sofrido um processo de completa degeneração interna, contanto que ela não tenha tido a oportunidade de evidenciar essa degeneração diante dos grande acontecimentos. É necessário um grande abalo histórico para aparecer a aguda contradição entre a direção e a classe. Os abalos históricos mais poderosos são as guerras e as revoluções. Precisamente por este motivo é que, com freqüência, a classe operária é pega desprevenida pela guerra e pela revolução. Mas mesmo nos casos em que a velha direção tenha revelado sua corrupção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma nova direção, se não herdou do período anterior sólidos quadros revolucionários, capazes de aproveitar o colapso do velho Partido dirigente. A interpenetração marxista – quer dizer, dialética, e não escolástica – das relações entre uma classe e sua direção não deixa pedra sobre pedra da série de sofismas “vulgares” do nosso autor.
Como Amadureceram os Operários Russos
Casanova concebe a maturidade do proletariado como algo puramente estático. Mas durante uma revolução, a consciência de uma classe é o processo mais dinâmico que determina diretamente o curso da revolução. Era possível, em janeiro de 1917 ou mesmo em março, depois da derrota do tzarismo, responder se o proletariado russo teria “amadurecido” o suficiente para conquistar o poder em oito ou nove meses? A classe operária, nesse tempo, era sumamente heterogênea social e politicamente. Durante os anos de guerra tinha-se renovado em 30 a 40%, mediante o ingresso em suas fileiras de pequeno-burgueses provenientes do campesinato e freqüentemente reacionários, mulheres e jovens. Em março de 1917, o Partido bolchevique continuava sendo uma insignificante minoria da classe operária e. além disso, existiam desacordos dentro do próprio partido. A imensa maioria dos operários apoiava os mencheviques e os “socialistas revolucionários”, isto é, os social-patriotas conservadores. A situação ainda era mais desfavorável com respeito ao exército e ao campesinato, devendo acrescentar a isto o baixo nível geral a cultura no campo, a falta de experiência política entre as mais amplas camadas do proletariado, especialmente nas províncias, o que isolou os soldados e os camponeses.
Qual era o “ativo” do bolchevismo? Ao começar a revolução, somente Lenine mantinha uma concepção clara e profunda. Os quadros russos do Partido estavam dispersos e em um considerável grau de confusão, mas o Partido gozava de grande autoridade entre os operários de vanguarda. Lenine gozava de grande autoridade entre os quadros do Partido. A concepção política de Lenine correspondia ao desenvolvimento real da revolução e era forçada por cada novo acontecimento. Estes elementos do :”ativo” operam maravilhas em sua situação revolucionária, quando se torna aguda a luta de classes. O Partido alinhou sua política de acordo com a concepção de Lenine que estava em harmonia com o verdadeiro curso da revolução. Graças a ele, encontrou firme apoio de dezenas de milhares de operários de vanguarda. Baseando-se no desenvolvimento da revolução, o Partido foi capaz de, em poucos meses, convencer a maioria dos operários da justeza de suas propostas. Esta maioria, organizada em Sovietes, foi capaz, por sua vez, de atrair os soldados e os camponeses. Como este processo dinâmico pode ser encerrado e esgotado em uma fórmula sobre a maturidade ou imaturidade do proletariado? Um fator importantíssimo da maturidade do proletariado russo, em fevereiro e março de 1917, foi Lenine. E Lenine não caiu do céu. Personificava a tradição revolucionária da classe operária. Para que os postulados de Lenine pudessem abrir caminho para as massas era necessário que existissem quadros, ainda quer numericamente limitados, no princípio: era necessário que existisse confiança dos quadros em sua direção, uma confiança baseada na experiência passada. Excluir estes cálculo ou substituí-los por uma abstração, a “relação de forças” é simplesmente ignorar a revolução viva. Porque o desenvolvimento da revolução consiste precisamente nas mudanças rápidas e incessantes que sofrem as relações de forças sob o impacto das transformações na consciência do proletariado, na atração que as camadas avançadas exercem sobre as atrasadas, na crescente confiança da classe em sua própria força. A mola vital deste processo é o Partido, assim como a mola vital do Partido é sua direção. O papel e a responsabilidade da direção em uma época revolucionária são enormes.
Relatividade da Maturidade
A vitória de Outubro é um testemunho valioso da “maturidade” do proletariado. Mas esta maturidade é relativa. Poucos anos depois, esse mesmo proletariado permitiu que a revolução fosse estrangulada por uma burocracia surgida de suas próprias fileiras. A vitória, de nenhum modo, é o fruto maduro da “maturidade” do proletariado. A vitória é uma tarefa estratégica. É necessário aproveitar as condições favoráveis que uma crise revolucionária oferece para mobilizar as massas; tomando como ponto de partida o nível de sua “maturidade”, é necessário impulsioná-las para a frente, fazê-las compreender que o inimigo não é de maneira nenhuma onipotente, que ele está dilacerado por suas contradições e que, por trás de sua impotente fachada, reina o pânico. Se o Partido Bolchevique tivesse fracassado nesta tarefa, não se poderia nem falar no triunfo da revolução protelaria. Os sovietes teriam sido esmagados pela contra-revolução e os minúsculos sábios de todos os países teriam escrito artigos dizendo que só visionários sem fundamento poderiam sonhar com a ditadura do proletariado na Rússia, sendo a classe operária, como era, tão pequena numericamente e tão imatura.
O Papel Auxiliar dos Camponeses
Igualmente abstrata, pedante e falsa é a referência à “falta de independência” do campesinato. Quando e onde o nosso sábio viu, em uma sociedade capitalista, um campesinato com um programa revolucionário independente ou com capacidade para a iniciativa revolucionária independente? O campesinato pode ter um papel muito importante na revolução, mas só de caráter auxiliar.
Muitas vezes os camponeses espanhóis atuaram com audácia e lutaram valentemente. Mas para despertar toda a massa do campesinato, o proletariado teve de dar o exemplo através de um decidido levante contra a burguesia e inspirar nos camponeses confiança na possibilidade de uma vitória. Entretanto, a iniciativa do proletariado era paralisada a cada passo por suas próprias organizações.
A “imaturidade” do proletariado e a “falta de independência” do campesinato não são fatores decisivos, nem básicos, nos acontecimentos históricos. Por baixo da consciência das classes estão as próprias classes, sua força numérica e seu papel na vida econômica. Por baixo das classes está um sistema específico de produção que, por sua vez, é determinado pelo nível do desenvolvimento das forças produtivas. Por que não dizer, então, que a derrota do proletariado espanhol foi determinada pelo baixo nível da tecnologia?
O Papel da Personalidade
Nosso autor substitui o condicionamento dialético do processo histórico pelo determinismo mecânico. Daí suas digressões baratas sobre o papel dos indivíduos, bons e maus. A História é um processo de luta de classes. Mas as classes não nos deixam sentir o seu peso automática e simultaneamente. No processo da luta, as classes criam diferentes órgãos que exercem um papel importante e independente e estão sujeitos a deformações. Isto também a base para o papel das personalidades na História. Existem, naturalmente, importantes causas objetivas que criaram o governo autocrático de Hitler, mas só os estúpidos pedantes do “determinismo” podem negar hoje o enorme papel histórico de Hitler. A chegada de Lenine a Petrogrado, no dia 13 de abril de 1917, fez virar a tempo o Partido Bolchevique e o capacitou para levar a revolução à vitória. Nossos sábios poderiam dizer que, se Lenine tivesse morrido no estrangeiro em princípios de 1917, a Revolução de Outubro teria ocorrido da mesma maneira. Mas não é verdade.Lenine representava um dos elementos vivos do processo histórico. Personificava a experiência do setor mais ativo do proletariado. Seu oportuno aparecimento na arena da revolução foi necessário para mobilizar a vanguarda e dar oportunidade à classe operária e às massas camponesas. A direção política, nos momentos cruciais de viradas históricas, pode chegar a ser um fator decisivo, como o papel do comando supremo durante os momentos críticos de uma guerra. A História não é um processo automático. Se o fosse, então para que os programas, para que os dirigentes, para que os partidos, para que as lutas teóricas?
O Stalinismo na Espanha
“Mas por que, com todos os diabos – pergunta, com já vimos, o autor – as massas revolucionárias abandonaram seus antigos dirigentes e seguiram o Partido Comunista?”
A questão está falsamente colocada. Não é verdade que as massas revolucionárias tenham abandonado todos os seus antigos dirigentes. Os operários que já estavam vinculados anteriormente às suas organizações específicas seguiram ligadas a elas enquanto observavam e verificavam. Os operários, em geral, não rompem tão facilmente com o Partido que os desperta para uma vida consciente. Além disso, a existência de um acobertamento recíproco das direções na Frente Popular os adormecia: visto que todos estavam de acordo, tudo deveria dar certo. As novas e frescas massas voltavam-se naturalmente para o Comitern (4N), bem como para o Partido que havia realizado a única revolução proletária vitoriosa e do qual esperavam que fosse capaz de garantir armas para a Espanha. Além disso, o Comitern era o maior defensor da idéia da Frente Popular; isto inspirava confiança nas camadas operárias inexperientes. Dentro da Frente Popular, o Comitern era o maior defensor do caráter burguês da revolução; isto inspirava confiança na pequena burguesia e em parte da média. Eis por que as massas seguiram o Partido Comunista.
Nosso autor descreve a situação como se o proletariado estivesse diante de uma loja de calçados, escolhendo um par de sapatos. Mesmo esta simples operação, como se sabe, nem sempre é fácil. Com relação a uma nova direção, a escolha é muito mais limitada. Só gradualmente, tendo por base a própria experiência, mediante diversas etapas, amplas camadas das massas podem chegar a convencer-se de que a nova direção é mais sólida, de maior confiança, mais leal que a anterior. Sem dúvida que durante a revolução, isto é, quando os acontecimentos mudam rapidamente, um partido fraco pode tornar-se poderoso rapidamente, sempre que interprete corretamente o curso da revolução e conte com membros que não fiquem enjoados com frases nem aterrorizados com a repressão. Mas este partido tem de existir antes da revolução, já que o processo de seleção dos membros requer um tempo considerável do qual não se dispõe durante a revolução.
A Traição do POUM
O POUM achava-se à esquerda de todos os partidos da Espanha, pois incluía, indiscutivelmente, elementos proletários revolucionários sem fortes laços anteriores com o anarquismo. Mas foi precisamente este parido quem teve um papel fatal no desenvolvimento da Revolução espanhola. Não pôde chegar a converter-se em um partido de massas porque para isso era necessário destruir primeiro os velhos partidos, e isso só era possível mediante uma luta irreconciliável, mediante uma implacável denúncia de seu caráter burguês. Mesmo criticando os velhos partidos, oPOUM subordinou-se a eles em todas as questões fundamentais. Participou do bloco eleitoral “do povo”; fez parte do governo que dissolveu os comitês operários; entregou-se à luta pela reconstituição dessa coligação governamental; capitulou mais de uma vez diante da direção anarquista; seguiu com esta falsa política sindical; tomou uma atitude vacilante e anti-revolucionária no levante de maio de 1937. Do ponto de vista do determinismo em geral, pode-se ver logo que a política do POUM não foi acidental. Tudo tem sua causa. No entanto, a série de causas que engendraram o centrismo do POUM não são, de modo nenhum, simples reflexo das condições do proletariado espanhol ou catalão. Duas causalidades atuaram em oposição uma à outra e, em certos momentos, chegaram a ser conflitantes. Quando se toma a experiência internacional anterior, a influência de Moscou, a influência de uma série de derrotas etc., torna-se possível explicar política e psicologicamente por que o POUM se revelou como um Partido centrista. Mas isto não altera seu caráter centrista, nem altera o fato de que esses Partido atuou invariavelmente como um freio sobre a revolução. Quebra a cabeça a cada instante e pode causar o colapso da revolução. As massas catalãs foram muito mais revolucionárias que o POUM que, por sua vez, era mais revolucionário que sua direção. Nestas condições, descarregar a responsabilidade de uma falsa política sobre a “imaturidade” das massas é entregar-se ao charlatanismo puro ao qual recorrem, invariavelmente, os políticos fracassados.
Responsabilidade da Direção
A falsidade histórica consiste em descarregar a responsabilidade da derrota das massas espanholas sobre as próprias massas e não nos partidos que paralisaram ou ingenuamente esmagaram o movimento revolucionário das massas. Os representantes do POUM simplesmente negam a responsabilidade dos dirigentes para não assumir sua própria responsabilidade. Essas filosofia impotente que procura resignar-se diante das derrotas, como um elo necessário na cadeia da evolução cósmica, é completamente incapaz de reconhecer – e se nega a fazê-lo – que fatores concretos, tais como programas, partidos e personalidades, foram os organizadores da derrota. Esta filosofia do fatalismo e da depressão é diametralmente oposta ao marxismo como teoria da ação revolucionária.
A guerra civil é um processo em que as tarefas políticas se resolvem por meios militares. Suponhamos que o resultado desta guerra estivesse determinado pelas “condições das forças de classe” que servem de fundamento a todos os outros fatores políticos. Ora, assim como o cimento de um edifício não diminui a importância das paredes, janelas, portas e teto, também as “condições das forças de classe” não invalidam a importância do partidos, de sua estratégia, de sua direção. Diluindo o concreto no abstrato, nossos sábios, na realidade, detêm-se na metade do caminho. A solução mais profunda para o problema teria sido declarar que a derrota do proletariado espanhol se deveu ao inadequado desenvolvimento das forças produtivas. esta explicação é acessível a qualquer burro.
Ao reduzir a zero o significado do Partido e da direção, estes sábios negam, em geral, a possibilidade da vitória revolucionária. Porque não existe o menor motivo para esperar condições mais favoráveis; o capitalismo deixou de avançar; o proletariado não cresce numericamente, pelo contrário, é o exército dos desocupados que cresce, isto, em vez de aumentar, reduz a força do proletariado, atuando negativamente sobre sua consciência. Tampouco há motivos para crer que sob o regime capitalista o campesinato seja capaz de adquirir uma consciência revolucionária mais elevada. A conclusão que surge da análise de nosso autor é, pois, um completo pessimismo e afastamento das perspectivas revolucionárias. deve-se dizer, para lhes fazer justiça, que eles mesmos não entendem o que dizem.
De fato, as exigências que formulam a respeito da consciência das massas são completamente fantásticas. Os operários espanhóis, bem como os camponeses deram o máximo do que podiam dar como classe em uma situação revolucionária. Ao dizer classe, estamos pensando em milhões e dezenas de milhões.
“Que Faire?” representa simplesmente uma dessas escolas ou seitas que, assustadas pelo curso da luta de classes e pela investida da reação, publicam seus pequenos jornais e seus estudos teóricos em um canto à margem do desenvolvimento real do pensamento revolucionário, deixando de lado o movimento de massas.
A Repressão da Revolução Espanhola
O proletariado espanhol foi vítima de uma coligação composta por imperialistas, republicanos, socialistas, anarquistas, stalinistas e, mais à esquerda, pelo POUM. Todos eles paralisaram a revolução socialista que o proletariado espanhol havia começado realmente a levar a cabo; não é fácil pôr fim à revolução socialista. Ninguém propôs outros meios que não fossem a repressão impiedosa, o massacre da vanguarda, a execução dos chefes etc. O POUMcertamente não queria isto. Queria, por um lado, participar do governo republicano e entrar como uma oposição leal, amante da paz, no bloco geral dos partidos governantes e, por outro lado, estabelecer pacíficas relações de camaradagem, nos momentos em que se tratava de uma implacável guerra civil. Por isso mesmo é que o POUM se tornou vítima das contradições de sua própria política. A política mais consistente, no bloco dos partidos governantes, foi a seguida pelos stalinistas. Eles foram a vanguarda militante da contra-revolução burguesa-republicana.
Queriam eliminar a necessidade do fascismo, demonstrando à burguesia espanhola e do mundo que eles eram capazes, por si mesmos, de estrangular a revolução proletária sob a bandeira da “democracia”. Esta foi, em essência, sua política. Os fracassados da Frente Popular espanhol estão procurando agora descarregar a culpa sobre a GPU (5N).Acredito que nós não podemos ser acusados de brandura para com os crimes da GPU. Muito bem, vemos claramente e dizemos aos operários que a GPU atuou neste caso somente como o destacamento mais disposto a serviço da Frente Popular. Ali estava a força da GPU e nisso consistiu o papel histórico de Stálin. Só filisteus ignorantes podem deixar isto de lado, utilizando estúpidas brincadeiras sobre o Diabo-Chefe.
Estes cavalheiros nem sequer se preocuparam com o caráter social da revolução. Os lacaios de Moscou, em benefício da Inglaterra e da França, declararam burguesa a revolução espanhola. Sobre esta fraude erigiu-se a pérfida política da Frente Popular, política que teria sido completamente falsa mesmo que a Revolução espanhola tivesse sido realmente burguesa. Mas, desde o começo, a revolução evidenciou seu caráter proletário de maneira muito mais clara que a Revolução de 1917, na Rússia. Na direção do POUM existem cavalheiros que agora consideram que a política de Andrés Nin (6N) foi demasiado “esquerdista” e que o mais correto seria permanecer na esquerda da Frente Popular. A verdadeira desgraça foi que Nin, acobertado pela autoridade de Lenine e da Revolução de Outubro, não pôde ter uma noção da ruptura com a Frente Popular. Victor Serge (7N), que se apressa em comprometer-se com atitudes frívolas diante de questões sérias, disse que Nin não quis submeter-se às ordens de Oslo ou Coyacán.
Uma pessoa séria pode ser capaz realmente de reduzir a vis piadas o conteúdo de classe de uma revolução? Os sábios do “Que Faire?” não têm nenhuma resposta para esta pergunta nem a compreendem. Que significa o fato de o “imaturo” proletariado espanhol ter fundado seus próprios órgãos de poder, ter-se apoderado das fábricas e tratado de regular a produção, enquanto o POUM procurava, por todos os meios, evitar o rompimento com os burgueses anarquistas que, numa aliança com os burgueses republicanos e com os não menos burgueses socialistas e stalinistas, assaltaram e estrangularam a revolução proletária? Semelhantes “bagatelas” só interessam, evidentemente, aos representantes da “ortodoxia ossificada”. Em troca, os sábios do “Que Faire?” possuem um aparelho especial que mede a maturidade do proletariado e as relações de força, independentemente de todas as questões de estratégia revolucionária de classe.
Agosto de 1940
Notas:
(1N) POUM – Partido Operário de Unificação Marxista, surgido em Barcelona a partir da fusão, em setembro de 1935, de dois grupos operários intitulados Esquerda Comunista e Bloco Operário e Camponês. (retornar ao texto)
2(N) M. Casanova: Pseudônimo de Mieczyslaw Bortenstein. (retornar ao texto)
(3N) CNT: Confederación Nacional del Trabajo. (retornar ao texto)
(4N) Comitern – abreviação de Internacional Comunista ou III Internacional. Foi fundada em 1919 por Lenine e Trotsky. Este redigiu o manifesto da fundação. (retornar ao texto)
(5N) GPU – Godarstvennoe Politicheskow Upravlenie – Administração Política do Estado, a polícia política soviética. (retornar ao texto)
(6N) Nin, Andrés – ex-dirigente da CNT, esteve na URSS, e foi um dos principais dirigentes da Internacional Sindical Vermelha e do POUM. (retornar ao texto)
(7N) Serge, Victor (1890-1947) Anarquista, e depois bolchevique, nascido na França de pais russos. Foi preso durante a I Guerra Mundial, tendo sido deportado para a Rússia. Criticou a repressão aos socialistas e anarquistas opositores ao governo bolchevique durante a Guerra Civil, entretanto ao estourar a rebelião na base naval de Kronstadt, apoiou o governo bolchevique. Logo se uniu à Oposição de Esquerda, tendo sido o último de seus membros dentro da URSS a poder criticar publicamente a Stalin. Foi preso em 1933, tendo sido solto e exilado em 1936 em decorrência de uma campanha internacional a seu favor. No exílio, se incorporou à IV Internacional. Separando-se da mesma em 1937, por discordar da linha adotada pela mesma. (retornar ao texto)
Texto extraido do Arquivo Marxista na Internet (MIA) -Marxists.org/portugues