O início da temida fase de aceleração da Covid-19 nesse mês de maio, se dará de forma desigual no país, com colapsos e diferentes chances de sobreviver.
Centenas de pessoas já esperam na fila o tratamento e o leito em UTI. No final de abril, a taxa de ocupação dos leitos já passava de 90% (saturada) no Espírito Santo, Pará, Ceará, Amazonas, Pernambuco e Rio de Janeiro. A epidemia atingiu todos os grandes municípios e chega de forma mais acelerada aos municípios menores.
Evidências do colapso nos estados
O Ceará, semana passada, anunciou a abertura de 22 mil covas em cemitério público. No Amazonas, cenas chocantes de enterros coletivos e óbitos em casa por falta de atendimento. Em Pernambuco, 126 doentes graves aguardam os leitos. No Rio de Janeiro, em 30 de abril, mais de 1000 pessoas esperavam leitos, com 369 graves. Entidades médicas e o estado do Rio já preparam um “Protocolo” para definir critérios a quem será destinado os recursos, escolhendo quem vive e quem morre.
E enquanto pessoas morrem na fila de espera, existem setores e leitos vazios no sistema privado! Uma campanha, “Leito para Todos”, requisita que a fila para leito de UTI seja única, pois a população que usa exclusivamente o SUS tem acesso a 4 vezes menos leitos per capita disponíveis.
A diferença de recursos também é maior comparando estados, municípios (grandes e pequenos) e os bairros (ricos e os da periferia).
Estudo da Fiocruz analisando os leitos de UTI (não disponíveis na maioria dos municípios) demonstra que há uma concentração do recurso nas regiões Sul e Sudeste, com taxas entre 1 e 5 leitos de UTI por 10 mil habitantes, maior ainda na saúde privada (10 leitos de UTI por 10 mil habitantes). Regiões com população inferior a 20 mil habitantes não têm leitos de UTI. Nos contingentes populacionais de até 100 mil habitantes, pelo menos 50% também não possui leitos de UTI.
Levantamento da Rede Nossa São Paulo revela a falta de leitos de UTI na periferia. Apenas três distritos – Sé, Vila Mariana e Pinheiros – concentram 60% dos leitos de UTI da cidade. Outros sete distritos não possuem nenhum leito de UTI, mesmo com 20% da população da cidade (2,3 milhões de pessoas).
Aceleram-se as mortes
As mortes provocadas por Covid-19 têm dobrado num intervalo de cinco dias no Brasil, segundo Fiocruz. Nos Estados Unidos e no Equador, países com taxas altas de disseminação da epidemia, o intervalo é de seis dias. Na Espanha e na Itália é de oito dias.
E os óbitos não acontecerão da mesma forma em todas regiões, cidades e bairros. No Pará e Amazonas, dobram a cada seis dias, Rio de Janeiro, a cada sete, e em São Paulo, a cada oito dias.
Os dados das mortes na capital paulista refletem a disparidade da disponibilidade de recursos e atenção à saúde: embora a pandemia tenha se iniciado nos bairros ricos, na terceira semana de abril houve um aumento de 45% nas mortes ocorridas nos 20 distritos mais pobres do município. Já nos 20 distritos mais ricos, o aumento foi de 36%. A média na cidade foi de 38%.
O governo diz: “E Daí?”
Ex-ministro da Saúde no governo Dilma, Arthur Chioro alertou que a crise epidemiológica brasileira está se agravando por conta da irresponsabilidade de Bolsonaro. O ex-ministro condenou também o governo por não promover testes amplos quando era possível, no início da pandemia, o que deixa o país sem dados precisos. “A subnotificação mascara a realidade: o número de contagiados é muito maior do que os dados oficiais, com a taxa de mortalidade atingindo 7%”, advertiu Chioro.
E Bolsonaro, atuando como vírus, em meio ao colapso de vários municípios e estados, promove aglomerações, fomentando mortes, sobre as quais debocha: “E daí? Sou Messias, mas não faço milagre”.
Juliana Salles, é médica infectologista, dirigente do sindicato dos médicos e da CUT – SP