Florestan Fernandes: 100 anos

Transcorre neste dia 22 de julho de 2020 o centenário de Florestan Fernandes.

Autor de uma das obras mais importantes de interpretação da história e da sociedade brasileira, Florestan foi antes de tudo um intelectual combatente. Engajamento que, no começo dos anos de 1980, culminou com sua adesão ao PT, onde participou da vida partidária, integrou-se na discussão política e nas polêmicas da época e escreveu contribuições aos encontros e congressos partidários, como o seu texto O “PT em Movimento”, redigido como tese ao I Congresso do partido, em 1991, depois editado em livro.

No curso da disputa em torno da orientação do PT, Florestan manteve uma relação de colaboração em vários momentos com a Corrente O Trabalho. Nossa corrente apoiou sua eleição para deputado federal em 1986, tendo a companheira Misa Boito integrado a coordenação de sua campanha. No momento em que a burocracia stalinista dava o passo decisivo rumo à restauração capitalista na URSS, Markus Sokol escreveu o livro “Revolução e Contrarrevolução no País de Outubro”, em que denunciava o caráter reacionário da Perestroika e da Glasnost. No espírito da livre discussão entre militantes socialistas, Florestan escreveu um generoso prefácio, valorizando o debate proporcionado pelo livro, mesmo tendo posição distinta daquela exposta pelo autor.

Influenciado, não apenas pela obra de Marx e Engels, mas, como o grosso da sociologia brasileira dos anos 1940 e 1950, por Durkheim, Weber e pela antropologia clássica, Florestan intuiu a contradição fundamental do desenvolvimento brasileiro, o embaralhamento na história nacional de diferentes etapas históricas, produto da contradição entre a lenta constituição da burguesia no país e o atingimento, em nível global, da etapa superior do capitalismo, a fase imperialista. O enigma deste, nas palavras de Trotsky, “desenvolvimento desigual e combinado” percorrerá toda a obra de Florestan, especialmente a sequência de ensaios escritos ao longo de décadas e que foram enfeixados, em 1975, com o título de A Revolução Burguesa no Brasil, um estudo essencial mesmo que nem sempre possamos ter acordo com as conclusões a que chegou.

É o próprio Florestan que atribui a permanência deste tema em sua obra à sua militância juvenil no Partido Socialista Revolucionário (PSR), então a Seção Brasileira da IV Internacional, dirigido por Hermínio Sachetta entre o fim dos anos de 1930 e o começo da década de 1950. Em 1991, Florestan recordou esse período, em depoimento a Teoria & Debate: “comecei a frequentar as redações de O Estado de S. Paulo, e principalmente da Folha da Manhã, onde conheci o Hermínio Sacchetta, que era líder do movimento trotskista, ligado à IV Internacional. Assim, em 43 me tornei militante do Partido Socialista Revolucionário na célula a que pertenciam o Sacchetta, Rocha Barros, Plínio Gomes de Mello, Vítor de Azevedo e José Stacchini…os comunistas levavam as pessoas para reuniões, festas, conferências, mas havia um elemento autoritário que eu repelia. Com a filiação ao PSR, a seção brasileira da IV Internacional, minha militância se tornou sistemática. Nessa época, fiz a tradução da Crítica da Economia Política, de Marx… (no PSR). Eu me mantive até o início dos anos 50”.

Diante das distintas influências de sua formação, Florestan tomou partido do marxismo: “fora da sociologia marxista prevalece o intento de explicar a revolução burguesa somente pelo passado (especialmente pela vitória sobre uma aristocracia decadente e reacionária, variavelmente anticapitalista), ignorando-se ou esquecendo-se a outra face da moeda, com frequência mais decisiva: a imposição da dominação burguesa à classe operária”, escreveu ele.

Retomando a militância partidária no PT, Florestan foi eleito deputado federal em 1986, tendo sido membro da bancada do partido no Congresso Nacional Constituinte (1987-88), sendo reeleito em 1990, se dedicando sobretudo à educação pública e ao apoio aos movimentos sociais, especialmente o MST.

Florestan morreu em 10 de agosto de 1995, em decorrência de falha humana durante uma diálise a que se submetera.

Rendemos nossa homenagem ao intelectual e ao militante!

Eudes Baima

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