França: “Uma maré humana para defender a fábrica da Renault”

Durante meses, o governo proibiu, sob pena de multa ou mesmo de prisão (em caso de reincidência), qualquer reunião pública de mais de dez pessoas (1). Mas, no sábado 30 de maio, o país inteiro viu, em Maubeuge, milhares de manifestantes, funcionários da Renault, trabalhadores de empresas terceirizadas, suas famílias e a população, desafiando o estado de emergência.

“Uma maré humana para defender a fábrica MCA”, era a manchete de La Voix du Nord (A Voz do Nord) apoiada na foto. Eram 8.000 pessoas para exigir a manutenção de todos os empregos na fábrica do grupo Renault, e recusar a transferência da linha de produção do veículo elétrico utilitário Kangoo. Corte que se insere no quadro da supressão de 4.600 empregos na França e 15 mil na Europa.

“Estamos aqui para salvar a fábrica e mais de 12 mil empregos em torno dela”, diz um manifestante.

De um lado, os milhares de trabalhadores da Renault; do outro, uma administração que, cinicamente, tenta usar a pandemia para avançar no plano elaborado muito antes, com seu principal acionista, o Estado (que detém 15% do capital), e declara pela voz do ministro Bruno Le Maire, em 27 de maio, que “queremos dar à Renault a oportunidade de adaptar sua capacidade de produção”. Com um bônus, um cheque de 5 bilhões de euros, na forma de um empréstimo garantido pelo Estado – mais de um milhão de euros por emprego suprimido!

RAIVA, REVOLTA
Raiva e revolta se propagam. A partir de segunda-feira, 25 de maio, nas Fundições da Bretanha, subsidiária do grupo Renault, em Morbihan, os trabalhadores com seus sindicatos entraram em greve e ocuparam a entrada da fábrica, após ser anunciado o plano de fechá-la na imprensa.

Em 2 de junho, seus companheiros em Choisy-le-Roi (ni Val-de-Marne) decidiram pela greve com seu sindicato. A produção, prevê a administração da Renault, deve ser transferida para a planta de Flins (Yvelines), que deve ser reduzida (remoção das linhas de montagem)! “Estamos numa greve reconduzida a cada dia, nada entra ou sai do local. Está fora de questão que nossos funcionários viajem quatro horas por dia para ir trabalhar lá! E por que ? Para uma planta em Flins que será fechada em alguns anos?”, protestou um sindicalista no jornal Le Monde. Outro, entrevistado pela AFP em 2 de junho, espera que a greve seja o “prelúdio da ação maciça de todos os estabelecimentos” do grupo empresarial.
No mesmo dia, os sindicatos da fábrica de Maubeuge pedem uma “greve ilimitada”.

Nas cúpulas, há urgência para conter esse fogo que se espalha; tentam-se manobras, diversionismos. Sexta-feira, 29 de maio, o diretor das Fundições da Bretanha garantiu que a fábrica permanecerá no grupo Renault. Foi desmentido no dia seguinte pelo presidente do grupo, Jean-Dominique Senard, que declarou a O Parisiense: “Uma fábrica como a Dieppe, que produz sete carros por dia (a Alpine A110), nenhum gerente responsável pode deixar que continue. O mesmo vale para a fundição da Bretanha…”.

Então, quando o mesmo declara no domingo 31 de maio que “não tenho a priori intenção de fechar a fábrica de Maubeuge”, o prefeito de Maubeuge responde, com razão, que ele “não está de forma alguma” tranquilizado! Na sede de Maubeuge, acrescenta, “existem 2.100 empregos diretos, entre permanentes e temporários. Mais de mil terceirizados trabalham diretamente com a sede. E depois, é toda a economia local. Hoje, entre 10 e 15 mil pessoas serão afetadas pela queda de atividade na fábrica de Maubeuge. Seria um tsunami econômico com consequências sociais catastróficas. ”

EFEITOS DO ANÚNCIO
Em 2 de junho, em Bercy, o ministro Le Maire reuniu o presidente da Renault, os sindicatos e autoridades locais para discutir o futuro da fábrica de Maubeuge. Anunciou um acordo para “preservar empregos e a capacidade industrial em Maubeuge” e aproveitou a oportunidade para assinar o cheque de 5 bilhões para a Renault. Mas o próprio ex-ministro Xavier Bertrand, presidente da administração da região de Hauts de France, admite: “Agora devemos entrar em detalhes de como manteremos os empregos depois de 2023”.

Confissão. Não há dúvida de que as pressões aumentarão sobre os sindicatos para acompanhar um plano que já vimos, em muitos lugares, aonde leva…

Em frente à fábrica de Choisy, trabalhadores em greve dizem: “Nenhuma garantia foi dada para a manutenção a longo prazo da base de Maubeuge. Estes são os efeitos do anúncio, aos nossos olhos.  Não devemos desistir, vamos nos segurar até o fim”, disse à RTL um manifestante no meio da “maré humana” que desfilou em Maubeuge no sábado passado.

Yan Legoff, jornal Informações Operárias, 03 de Junho de 2020, Paris  

(1) Uma proibição renovada em 31 de maio pelo decreto 2020-663: “Qualquer reunião, encontro ou atividade na via pública ou em local aberto ao público, que reúna mais de dez pessoas simultaneamente, é proibida em todo o território da República. “

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