O caráter podre das instituições brasileiras ficou ainda mais evidente desde o golpe. O Congresso Nacional que derrubou Dilma é dominado por bancadas reacionárias, cuja eleição é favorecida por um sistema antidemocrático de representação dos estados. O Judiciário, poder não eleito no qual vigoram supersalários e vantagens diversas, como o auxílio-moradia, é o instrumento utilizado pelo imperialismo para condenar Lula e tentar destruir o PT.
São instituições que, ultimamente, não se preocupam nem mesmo em disfarçar a suposta neutralidade com a qual o Estado burguês sempre procura mascarar a sua dominação de classe. Agem abertamente contra as liberdades democráticas e desrespeitam as próprias leis que criaram, cada vez que o movimento dos trabalhadores utiliza suas brechas para exigir democracia.
Não há saída, para o povo, com essas instituições. Daí vem a necessidade de que Lula, presidente, convoque a Constituinte para fazer todas as reformas necessárias: política, do Judiciário, da mídia, agrária etc. No movimento para derrotar o golpe e eleger Lula, é preciso avançar para que a vontade do povo seja respeitada, por meio de novas instituições, erguidas de acordo com o interesse popular, e não de banqueiros, empresários e especuladores vinculados ao grande capital.
Quadrilha no judiciário!
Os acontecimentos de 8 de julho deixaram a nu o quanto o Judiciário, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) estão empenhados em fazer qualquer coisa para impedir a liberdade de Lula. Eles mesmos o reconhecem, em entrevistas ou em notas publicadas na imprensa e não desmentidas.
Como se recorda, naquele domingo o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decidiu a favor do pedido de habeas corpus de Lula e determinou a sua libertação. Legalmente, nada havia de errado na deliberação. O que se seguiu foi o atropelo da lei. A PF recusou-se a cumprir a ordem, por interferências indevidas do juiz Sérgio Moro, da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do presidente do TRF-4, Thompson Flores.
Em entrevista ao “Estadão” (12/8), o diretor geral da PF, Rogério Galloro, relatou tranquilamente essas pressões: “Concluímos que iríamos cumprir a decisão do plantonista do TRF-4 [Favreto]. Falei para o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública): ‘Ministro, nós vamos soltar’. Em seguida, a (procuradora-geral da República) Raquel Dodge me ligou e disse que estava protocolando no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a soltura. ‘E agora?’ Depois foi o (presidente do TRF-4) Thompson (Flores) quem nos ligou. ‘Eu estou determinando, não soltem’. O telefonema dele veio antes de expirar uma hora. Valeu o telefonema”. Valeu o telefonema? Essa atitude, em outra situação, custaria o cargo do delegado, além de um processo.
Segundo nota da revista “Veja”, João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, “admitiu a amigos que ignorou a letra fria da lei ao dar decisão contrária à soltura de Lula, desconsiderando a competência do juiz de plantão. Gebran alegou que era a única saída para evitar um erro ainda mais danoso: libertar o petista”. E Moro admitiu que não tinha competência para opinar no caso, mas o fez para evitar uma “situação de risco”.
Raquel Dodge
O líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, foi certeiro, ao dizer que se formou “uma quadrilha que atuou para a lei não ser cumprida e Lula não ser libertado”.
No MPF, o elo dessa quadrilha, Raquel Dodge, poucas horas depois da inscrição de Lula como candidato, no dia 15, questionou sua candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O MPF assumiu, nos últimos anos, um papel central e ampliou o seu poder, ao trazer para si as atividades de investigação, que, constitucionalmente, são atribuições da polícia. Desde pelo menos 2013, quando a direita saiu às ruas na carona de grandes manifestações, o MPF se tornou um dos elementos decisivos da ofensiva antidemocrática em curso.
Bancada BBB dá o tom no Congresso
O atual Congresso Nacional é um dos mais reacionários, e nada indica que isso mudará, pois todas as deformações e vícios de eleições dominadas pelo poder econômico estão em vigor. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) avalia que neste ano o índice de renovação dos parlamentares deverá ser o menor desde 1990.
Dos atuais 513 deputados, 407 tentarão se reeleger (80%), e o Diap estima que 75% destes conseguirão, tomando como base o histórico das últimas eleições e as mudanças aprovadas na “reforma” política de 2017, que favoreceram ainda mais os candidatos à reeleição.
Há ainda a distorção da própria representação, herança da ditadura militar. Existe um número mínimo (8) e um máximo (70) de deputados em cada estado. Se a proporção fosse equivalente aos eleitores, São Paulo teria 112 deputados federais, e Roraima apenas 1. Na atual situação, há 42 deputados paulistas a menos e 7 roraimenses a mais.
Essa situação comprime o número de deputados de estados mais desenvolvidos, em que a capacidade de organização dos trabalhadores é maior, e favorece regiões mais atrasadas, nas quais o poder do coronelismo e das oligarquias é mais forte. Além do Senado, no qual todos os estados, independentemente de sua população, têm três senadores. O resultado é um Parlamento dominado por interesses que não representam o povo brasileiro.
Boi, bíblia e bala
Essa é a explicação para a existência da “bancada BBB” (boi, bíblia e bala), ou seja, os parlamentares que defendem o agronegócio, as cúpulas evangélicas e os interesses policiais e de armamentos.
Os ruralistas são os mais organizados do grupo. De acordo matéria do “Estadão” (29/7), a bancada dos que defendem os grandes proprietários de terras reúne 210 deputados e 26 senadores (quase 40% dos congressistas). O grupo é atuante e tem estrutura profissional. Entre seus objetivos, estão a aprovação da lei sobre agrotóxicos, da reforma da Previdência de Temer e o repasse da responsabilidade sobre o licenciamento ambiental da União para estados e municípios.
A bancada da bala, sustentada pela indústria de armas e por associações de atiradores civis, é menor, mas não menos atuante. Reportagem do “Estadão” (5/8) indica que 104 deputados apresentaram nos últimos três anos projetos “que tratam de mudanças na legislação sobre armas e munições ou de direitos e privilégios das carreiras policiais”.
A atual bancada evangélica tem 82 deputados e 2 senadores, mais do que o dobro do que elegera em 2006. Eles reúnem-se semanalmente, fazem cultos num plenário da Câmara e se articulam para as votações importantes. Querem impedir a discussão sobre o direito ao aborto, são contra o reconhecimento de uniões homoafetivas e defendem a “escola sem partido”. E estão vinculados às outras duas bancadas. Um de seus porta-vozes, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), afirmou: “A bancada ‘BBB’ – boi, bíblia e bala – funciona de verdade. A gente conversa, se protege” (“Estadão”, 12/8).
Cláudio Soares