Há mais de vinte anos eu clamei em alto e bom som pelo trágico fim do sionismo. Já naquela época, a democracia em Israel agonizava nas colinas dos territórios ocupados e a alma do país já estava infectada por uma doença fatal. Escrevi:
“Depois de deixarmos de nos preocupar com as crianças palestinas, não devemos nos surpreender quando elas retornarem, cheias de ódio, para se explodirem em nossos centros urbanos escapistas. Elas entregam suas vidas a Deus no meio de nossas áreas de lazer, porque suas vidas são cheias de sofrimento. Eles derramam seu sangue em nossos restaurantes para estragar nosso apetite, porque têm filhos e pais famintos e humilhados em casa.”
A realidade em Gaza é insuportável: crianças mortas, famílias famintas, bairros inteiros varridos do mapa. Lugares sagrados reduzidos a escombros, comunidades antigas dizimadas. E, mais uma vez, multidões de refugiados, muitos pela segunda ou terceira vez, encontram-se desabrigados na Faixa de Gaza sitiada. Desta vez, não há um opressor externo para culpar.
Nós somos os carrascos de Gaza. Consciente e propositalmente. E como se isso não bastasse, nossos crimes são agravados por uma indiferença assustadora. A maioria dos israelenses continua insensível e indiferente. A destruição de Gaza é uma condenação irrefutável da falência moral de Israel. E precisamos encarar a verdade: sem fundamento ético, Israel não tem razão de existir.
A resposta inicial de Israel ao 7 de outubro foi rápida e feroz. Foi o resultado de uma histeria coletiva que se espalhou por todos, desde o primeiro-ministro até o último cidadão. Mas a histeria rapidamente deu lugar a algo mais sombrio: uma campanha fria e calculada de vingança impulsionada por uma sede de sangue implacável.
E agora entramos em uma terceira fase. O governo israelense, com uma frieza arrepiante, está implementando um plano que há muito tempo vem fermentando na consciência nacional: apagar a existência dos palestinos de todas as áreas sob controle de Israel.
Perguntar se o projeto israelense fracassou é uma tentativa sincera de colocar palavras no abismo que separa a visão da realidade. Uma voz interior me diz: um Estado que nega sistematicamente os direitos de milhões de pessoas, que justifica massacres como uma estratégia de segurança e que eleva a supremacia judaica e a desigualdade ao nível de ideologia, esse Estado não pode mais reivindicar legitimidade moral. Provavelmente Israel, que se afastou de seus valores fundamentais e hoje desafia as próprias normas internacionais que o criaram, tenha perdido o direito de existir.
Não há uma resposta fácil. Não busco a destruição. Rejeito o desespero. Mas meus olhos estão bem abertos. E sei que chegamos a um abismo do qual só há um caminho para sair: um contrato social diferente. Não um contrato baseado no nacionalismo tribal, mas na humanidade comum e na igualdade dos cidadãos. Uma aliança na qual judeus e árabes vivam juntos. Não como inimigos, não como dominantes e dominados, mas como colaboradores para além do trauma. Que jurem a si mesmos e uns aos outros: “Nunca mais isto”.
Juntos, devemos empreender um novo caminho, diferente de todas as tentativas anteriores. Pois se não pudermos redirecionar o curso da história, então devemos admitir que acabou. Realmente acabou. E talvez com toda a razão.
Publicado no jornal francês Informations ouvrières (Tradução Adais Munis)
*Parlamento israelense