Mask off Maersk: a mobilização contra o envio de armas para Israel

Mohammed Naboussi é um organizador, baseado no Texas (EUA), do Movimento da Juventude Palestina, que participou da Convenção Nacional do DSA (Socialistas Democráticos da América) como convidado. Ele está ativamente envolvido na campanha “Mask off Maersk” (desmascarar a Maesrk, uma das principais empresas de transportes marítimos).

Mohammed Naboussi: A campanha “Mask off Maersk” é uma campanha que lançamos em maio de 2024. A ideia era expor e desmascarar o papel desempenhado pela empresa Maersk no transporte de cargas militares que alimentam o genocídio em Gaza.

Ao longo de vários meses, realizamos pesquisas que mostraram que a Maersk, em menos de um ano e meio, transportou mais de 2 mil toneladas de equipamento militar, incluindo blindagem para tanques e veículos de transporte de tropas, motores, cartuchos e veículos táticos Oshkosh, os mesmos veículos vistos transportando palestinos sequestrados de Gaza, amontoados na parte traseira. Vemos tudo isso como armas que alimentam o genocídio, e a Maersk joga um papel fundamental por meio do seu contrato com o Departamento de Defesa dos EUA.

Nossas pesquisas também mostraram que a Maersk estava violando o embargo de armas imposto pelo governo espanhol. Publicamos nosso relatório no outono passado e ele foi divulgado pelo The Intercept, uma mídia importante nos EUA. Como resultado dessa cobertura, o governo espanhol proibiu a Maersk de atracar seus navios militares em seus portos.

Desde então, a campanha ganhou impulso: publicamos outros relatórios não apenas sobre o papel da Maersk, mas também sobre governos como o Canadá e o Reino Unido, que afirmam estar aplicando um embargo de armas, mas continuam a enviar equipamentos militares, seja para treinamento ou para a própria guerra, usados em Gaza.

A rota principal passa por um porto no sul dos Estados Unidos: o Porto de Houston. A maior parte do equipamento, independentemente de onde é fabricado, passa por Dallas-Fort Worth, no Texas, em seguida é transportada para Houston e carregada nos navios. Esses navios vão para o porto de Nova Jersey, próximo a Nova York, e depois cruzam o Atlântico.  Inicialmente, eles atracavam na Espanha, mas a Maersk agora é forçada a passar pelo Marrocos. Lá, o navio transatlântico descarrega sua carga, que é então transferida para navios menores que contornam o Mediterrâneo até o porto de Haifa, em Israel. Há também indicações de que alguns carregamentos passam pela Turquia, pelo Egito e, possivelmente, por outros portos do Mediterrâneo.

No Marrocos, um movimento popular surgiu em Tânger, no porto de Medport II, um porto arrendado pela Maersk. As autoridades marroquinas prenderam os manifestantes, que foram liberados posteriormente sob pressão popular. A Maersk, por sua vez, demitiu trabalhadores que se recusaram a manipular a carga militar. Esses trabalhadores se opõem à cumplicidade de seu porto com essa guerra. No outono passado, foram divulgadas imagens de câmeras de vigilância mostrando veículos táticos da Oshkosh passando pelo porto. Esses são os mesmos veículos que foram vistos transportando palestinos despidos em Gaza.

Há vários tipos de sindicatos. Alguns, em particular na Costa Oeste (em Oakland, na área da Baía de São Francisco), têm uma tradição de ativismo e oposição à guerra. Esses sindicatos são mais favoráveis à ideia de não participar do genocídio. Mas outros sindicatos nos Estados Unidos são mais nacionalistas em sua abordagem. Eles se concentram em demandas econômicas (“pão e manteiga”) e continuam a trabalhar para o exército mesmo quando estão em greve. Eles se descrevem como sindicatos pró-América. Não é que eles não apoiem os trabalhadores estadunidenses, mas sua visão do papel dos sindicatos no mundo é diferente. Por exemplo, os sindicatos de Houston e Nova Jersey são mais conservadores nesse aspecto.

Sim, é uma campanha mundial, com foco no papel da Maersk, mas que faz parte de um movimento mais amplo para impor um verdadeiro embargo sobre as armas. Publicamos relatórios no Canadá, no Reino Unido e até na Dinamarca, onde a sede da Maersk foi ocupada por centenas de militantes, entre os quais Greta Thunberg. Essa ocupação foi uma resposta direta à nossa campanha. Outras ações foram realizadas no Marrocos, na Dinamarca e por toda a Europa. Esperamos que a campanha continue a se espalhar em escala global.

Também publicamos um relatório mostrando que a Maersk estava transportando mercadorias de e para colônias israelenses ilegais na Cisjordânia. Em seguida, a Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese, também publicou um relatório denunciando a cumplicidade da Maersk não apenas na guerra em Gaza, mas na ocupação em geral. Depois disso, a Maersk anunciou que deixaria de transportar mercadorias destinadas ou provenientes das colônias ilegais.

Isso mostra que a Maersk é um alvo que pode ser pressionado. Eles afirmam respeitar os direitos humanos, mas suas ações contradizem esses compromissos. Eles afirmam que não transportam armas para zonas de conflito. Querem nos fazer acreditar que isso só se aplica a armas prontas para uso, com pólvora ou explosivos. Mas a guerra não é feita apenas com bombas. Ela é feita com peças de reposição, veículos, blindagens e motores. Não é apenas uma guerra, é um genocídio. E esse genocídio só é possível graças à logística, ao transporte e às cadeias de suprimentos. Israel não poderia continuar sem isso.

Sim, Israel tem uma indústria militar nacional. Mas ela não é suficiente. Seu objetivo é esvaziar Gaza de seus habitantes – uma limpeza étnica total. E para atingir esse objetivo, eles precisam prolongar essa guerra. Sua capacidade de prolongá-la depende da nossa capacidade de impor um embargo real, de parar de enviar armas e de desmascarar as belas palavras dos governos ocidentais. As declarações não salvam nenhuma vida em Gaza. O que salvará vidas é a interrupção total do fornecimento de bombas, balas, veículos táticos e tanques. São os povos, os trabalhadores, os sindicatos, as organizações populares que podem fazer isso. Não os governos com suas promessas vazias. E, vamos falar sério, para que serve um Estado palestino… se não houver mais palestinos para viver nele?

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