Informe de um Círculo de Estudos Marxistas sobre a Palestina, realizado em Paris, 28 de outubro 2000.
A seção francesa da 4ª Internacional, Corrente Comunista Internacionalista do Partido dos Trabalhadores (1), organizou vários círculos de estudos marxistas dedicados à Palestina. O primeiro deles teve lugar em Paris, em 28 de outubro de 2000, com mais de 200 participantes. Houve uma grande discussão. Publicamos extratos dessa reunião.
Exposição do camarada Pierre Lambert
O problema é tão amplo que não posso abarcá-lo totalmente em um informe. Abordarei aqui certo número de pontos relacionados com a situação atual.
Esta situação nos coloca uma questão central, a qual devemos responder: a revolução está na ordem do dia? Objetivamente, o passo mais importante realizado no último período, no mundo inteiro, foi a irrupção de um milhão de trabalhadores palestinos de Israel que, justamente por pertencerem às camadas mais baixas do proletariado, praticamente não se mobilizavam. Estes trabalhadores se levantaram como proletariado, como palestinos, como operários, proletários. É um acontecimento muito importante.
Esta reunião é de um círculo de estudos marxistas. Através do método marxista, analisarei estes acontecimentos, a irrupção das massas na Palestina histórica e em geral nos países do Próximo e Médio Oriente e mais além. Para nós, é a maneira mais realista de abordar essa questão, como todas as outras.
Nossa posição, a posição da IV Internacional, de sua seção francesa é realista? Essa é uma questão que todos têm o direito de colocar. De fato, os objetivos da emancipação revolucionária nos quais estão inscritos o combate das massas palestinas contra a divisão da Palestina, não foram alcançados como tampouco os objetivos da crise revolucionária aberta ao final da Segunda Guerra Mundial.
Não é legítimo que perguntemos, junto com o proletariado mundial, com os explorados e oprimidos, aos que têm levantado tantos obstáculos à marcha da revolução mundial: para onde estão conduzindo a humanidade com vosso “realismo”?
Os fatos estão aí: ano após ano a Palestina se afunda na via da barbárie, o mundo se afunda na via da barbárie. Aí está seu “realismo”. Suas soluções supostamente realistas conduzem a barbárie. Certamente, e eu repito, a questão da palestina é uma questão muito difícil. A situação se complicou enormemente desde 1947, ano em que se constituiu o Estado de Israel, decidido por Stálin e Truman. E não se trata de passar por cima, em nossa análise, do significado do holocausto, da exterminação de 6 milhões de judeus nos campos nazistas.
O sionismo contra a solução da questão judia
Esta questão também está relacionada com a luta de classes. Só darei um exemplo: ao final da guerra, Himmler, dignitário nazista, antes da derrota das tropas alemãs sob os golpes do proletariado soviético que defendia as conquistas de Outubro, tentou negociar com o governo dos Estados Unidos, convencido de que este lhe forneceria 50 mil caminhões para evacuar as tropas alemãs. Propôs, em troca, não tocar nos 600 mil judeus da Hungria.
Pois, camaradas, foi um judeu, secretário de Estado de Roosevelt, Morgenthau, que recusou. Os interesses do capitalismo, os interesses do capital são mais fortes que qualquer outra determinação.
A imprensa, o rádio falsificam os fatos. Aparentemente, os problemas são marcados pela emoção imediata. Certo, existe a emoção, a indignação. Mas, esta emoção, esta indignação, não a sentimos frente àquele garoto de 12 anos que foi assassinado junto com seu pai?
A propósito, quero relatar um fato. Eu fui dirigente de um sindicato e me recordo que em 1973, durante a guerra do Kippur, na organização a qual pertencia, um companheiro – de grande qualidade, cujo pai morreu nos campos de concentração nazistas – quis apresentar uma resolução de condenação aos palestinos e a favor da guerra do Kippur. Todos os argumentos políticos não foram suficientes. Então, eu usei um argumento que, aparentemente, não era político. Eu disse a ele: “a barriga inchada pela fome de um menino judeu do gueto de Varsóvia, não é mais nem menos importante que a barriga inchada pela fome de um menino de Gaza”.
Não é uma resposta sentimental, ainda que tenha como base as emoções.
Alguém pode pensar que eu inventei alguns desses fatos e que os tenha lido em algum lugar. Assim, ao preparar esse informe, li uma nota de Rosa Luxemburgo que, sendo judia, declarava: “me sinto tão envolvida ao sofrimento judeu, quanto ao sofrimento dos povos coloniais submetidos a uma espantosa exploração capitalista das plantações, com o trabalho forçado”. Aqui há uma lição: o pensamento se desenvolve e ao desdobrar-se em ação, recupera-se o que está armazenado na memória.
Começarei, pois, por estabelecer o problema da questão judia. Verão que, na minha exposição, tomarei muito cuidado em falar dos judeus e, em seguida, falarei dos israelenses. O problema dos judeus, historicamente – não é minha intenção entrar em detalhes, levaria muito tempo – é um problema pendente há vários séculos na Europa, que guarda relação com o desenvolvimento do comércio, logo com as forças produtivas, com o capitalismo.
A partir daí, inicio uma reflexão que procura determinar a maneira de colocar a questão judia e muitos outros problemas. A primeira idéia é de Spinoza, filósofo de origem judia, que escreveu:
“O ódio das nações é muito propício para assegurar a conservação dos judeus; é o que demonstra a experiência”.
O problema é que as estruturas do feudalismo se haviam convertido em obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas. Spinoza, conclui:
“Os judeus alemães desejam a emancipação; eles têm razão”.
Anotemos esta frase.
A discussão segue no século XIX. Marx escreve “A questão judia”, onde polemiza com um democrata da época chamado Bauer. Em “A questão judia”, Marx coloca assim o problema:
“A que emancipação aspiram os judeus?A emancipação política. A questão da relação entre religião e estado é a contradição entre optar pelo religioso ou pela emancipação política, ou seja, a emancipação de todas as formas de dominação teocráticas e contrárias à democracia.”
Vamos reter esta frase. Hoje, o estado hebreu reivindica seu caráter de estado teocrático.
Marx segue:
“Emancipar-se da religião é uma condição que se coloca tanto para os judeus, que querem a emancipação política, como para o estado que também deve ser emancipado.”
E precisa:
“Não é suficiente perguntar quem deve ser emancipado. Deve-se fazer mais uma coisa, deve-se perguntar de qual emancipação se trata. Qual condição decorre da natureza da emancipação reclamada”.
Em outras palavras, a emancipação tem um conteúdo, porém, qual?
Marx cita Bauer que declara que o erro dos adversários da emancipação judia, é supor que o estado cristão é o único estado verdadeiro, não o submetendo a uma crítica idêntica ao que fazem ao judaísmo. Para Marx, Bauer comete o erro de submeter à crítica unicamente o estado cristão e não o estado enquanto tal. E também de “não analisar a relação entre a emancipação política e a emancipação humana”.
A emancipação política é a emancipação das correntes do sistema feudal ou semifeudal; a emancipação humana é a emancipação da humanidade da exploração do sistema capitalista. Aí está a definição dada pelo jovem Marx em 1842 das relações existentes entre a democracia política e a democracia operária. A emancipação política é a democracia política. A emancipação humana é a democracia dos conselhos. Certo, é necessário e indispensável lutar pelos direitos democráticos, que se inscrevem no combate para libertar a humanidade das correntes da exploração e da opressão.
Mas, em 1842, Marx ainda não havia alcançado a plenitude de seu método. Contudo, segue sobre a emancipação política:
“O ponto de vista da emancipação política, autoriza a exigir que os judeus abandonem o judaísmo, ou a exigir que o homem em geral abandone a religião?”
Aí está o problema. E, ao contrário, quando o estado hebreu, estado teocrático, quer impor o que chama de “comunidade”, isto é contrário às necessidades da luta pela emancipação política dos judeus e podemos acrescentar, dos cristãos, mulçumanos, das pessoas religiosas em geral.
A emancipação do estado em relação ao judaísmo, do cristianismo, das religiões em geral, é o conteúdo da democracia.
“Em formas particulares e segundo o modo particular de sua natureza, o Estado como tal se emancipa da religião ao emancipar-se da religião estatal, isto quer dizer que, como estado, não professa religião alguma, porque é estado.”
Esse é o conteúdo da democracia política. Porém,
“Emancipar-se politicamente não significa emancipar-se de maneira perfeita e sem contradições, porque a emancipação política não é o modo perfeito da emancipação humana.”
A perspectiva da luta pela revolução proletária se inscreve no combate pela emancipação política, para supera-la. Do ponto de vista da democracia, da emancipação política que desemboca na constituição das nações, a religião é um assunto privado. Desse ponto de vista, o estado teocrático é a reação em toda linha. Estes dados permitem, a meu ver, compreender o método do marxismo, explicando os acontecimentos que se desenvolvem há mais de um século e meio, desde que isso foi escrito.
A partir daí podemos estabelecer as relações existentes entre o sionismo e a democracia. Com a Revolução Francesa, o problema da emancipação política dos judeus se colocou. Em 13 de dezembro de 1789 se desenvolveu uma discussão na Assembleia Nacional Constituinte. Um constituinte declarou na tribuna:
“Há que se negar tudo aos judeus como nação, há que lhes conceder tudo como indivíduos.”
É claro, nítido, preciso. Os judeus não eram e nem haviam sido nunca uma nação.
Na mesma seção da Assembleia Constituinte, o abade Maury, porta-voz da reação, declara:
“A palavra judeu não designa uma seita, é uma nação que tem leis que sempre existiram e continuarão existindo.”
Assim, para ele, os judeus constituíam uma nação (ainda que a formulação da época não coincida exatamente com a formulação atual). O abade Maury, reacionário que se agarrava à monarquia semifeudal, se opunha a que se tirasse do caminho os obstáculos para a constituição da nação.
O grande movimento de emancipação da “Iluminação” colocou esses problemas. Marx continuou as análises no terreno fundamental da emancipação dos judeus, ou seja, dos problemas concretos durante o século XIX, em relação ao desenvolvimento da democracia política, nos marcos do capitalismo ascendente, do despertar das nações.
Ao final do século XIX assistimos a transformação do capitalismo ascendente em imperialismo. E o imperialismo, que não é outra coisa senão a reação em toda linha, fase superior do capitalismo, capitalismo em putrefação, começa a impedir a conquista da democracia política. Ao longo de todo o século XX, se oporá à constituição das nações, até converte-se, com a mundialização, no centro da destruição das nações.
A propriedade privada dos meios de produção, que era um fator de cultura e civilização, ergue-se, agora, contra a cultura e a civilização, contra a humanidade. Não é casual que seja exatamente no final do século XX que se constitui o sionismo, fixando-se o objetivo de constituir um estado para os judeus na terra dos “antepassados”, um estado na Palestina como solução do problema judeu. Foi Herzl – e verão o reacionário que era – quem constituiu ao final de 1900 o sionismo com o objetivo de construir um estado judeu. Segundo Herzl, para construir esse estado não existe outra política, nem outra orientação que negociar com as potências ocidentais. Escreve:
“Temos que obter nossa soberania, que só podem garantir as potências européias. Para a Europa, somos um muro contra a Ásia, um posto avançado da civilização contra a barbárie.”
Todos os problemas estão postos: o estado hebreu é definido pelo sionismo como “o posto avançado” da reação imperialista. O combate pela emancipação política erigia a solução para a questão judia no “posto avançado” da democracia política. O sionismo, o estado hebreu, se levanta como obstáculo à constituição da nação palestina, que se converteu na causa da emancipação humana.
O estado hebreu, instrumento do imperialismo
Abordar a questão do estado hebreu (logo lhes direi porque não falo sequer em estado de Israel e sim em estado hebreu) me leva a colocar o seguinte: em Israel, ensinam as jovens gerações a falar hebreu. Porém, o hebreu era uma língua morta, como o latim ou o grego antigo. A língua dos judeus europeus era o ídiche¹. Para Herlz, o fundador do sionismo, “o ídiche é um jargão decadente”.
Antes da guerra, conheci o “Bund” em minha cidade natal. O “Bund” era o Partido Socialista judeu – um partido operário reformista –, sobre o qual muito se teria o que dizer. Bundistas e sionistas se enfrentavam, às vezes brutalmente. Até 1933, a emigração judia na Palestina era insignificante e continuou assim até 1939. O sionismo não conseguiu impulsionar a emigração, a não ser com relação ao extermínio de judeus pelos nazistas.
Abordar a questão do estado hebreu do ponto de vista político em relação à situação precisa e concreta, nos conduz a colocar a seguinte questão: não é necessário se livrar do estado hebreu, que oprime e explora selvagemente os palestinos nos territórios ocupados e mesmo em Israel, onde vivem um milhão de trabalhadores – a maioria operários agrícolas e de construção –, aos quais o estado teocrático hebreu nega a igualdade, em todos os âmbitos, com os trabalhadores israelitas? Se quisermos realmente abrir uma solução progressista para a questão judia, não é necessário inscrever esta questão no combate pela constituição da nação palestina?
A questão decisiva, no combate pela emancipação humana, que integra a luta pela libertação do povo palestino, é a libertação contra a exploração, da libertação comum dos trabalhadores judeus e palestinos da exploração, em primeiro lugar daqueles milhões de trabalhadores palestinos.
Muito bem, uma nova questão se coloca: todos os judeus pertencem ao bando de Barak? No jornal francês “Le Monde”, um professor de Lyon escreveu um artigo intitulado: “Um estado, um só estado?”. Isso indica que os problemas são complexos. A manifestação de 4 mil pessoas em Haifa contra a guerra é qualquer coisa de positivo. Mas essa manifestação carrega ao mesmo tempo todas as contradições.
Existe um partido sionista de esquerda, “A Paz Agora”, que explica que é necessário entrar no governo de Barak. Porém, existem os trabalhadores palestinos superexplorados em Israel, além dos 120 mil trabalhadores palestinos que, a cada dia, transitam do território de Gaza para os territórios ocupados, que são os párias entre os párias.
A Assemblea Constituinte é uma solução?
Gostaria de abordar o problema da Assembléia Constituinte. Repito que não é um problema fácil. Nós, os marxistas, não abordamos os acontecimentos, os problemas colocados pela humanidade de maneira formal – ainda que incluamos todas as questões dentro de uma política para ajudar a emancipação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores –, mas de um ponto de vista político. Nós abordamos todas as questões a serem resolvidas para livrar a humanidade do lamaçal imperialista, portanto, em última análise, sob o ângulo da economia, ou seja, do desenvolvimento das forças produtivas e da luta de classes.
Trotskistas, assumimos o Programa de Transição, o método da transição. Sob esse ângulo, a palavra de ordem da Assembleia Constituinte não é uma determinação puramente constitucional.
Esta palavra de ordem é uma das condições de autodefesa do povo palestino que, para conquistar sua emancipação política, exige a constituição de uma Palestina livre, liquidando os direitos particulares e os privilégios da componente hebraica. A palavra de ordem de Assembleia Constituinte, que estabelece direitos iguais para as ambas as componentes, deixa aberta a solução democrática mais positiva, a saber, a constituição de um estado palestino, de uma República palestina laica em todo o território da Palestina.
Qual é a solução?
A composição desta República não pode ser definida a partir de critérios formais; tem que ser o resultado da luta de classes. Na luta de classes existem princípios, existem orientações que se inscrevem em torno dos acontecimentos. É preciso admitir que o curso dos acontecimentos, demonstra que a exigência de uma República Palestina unitária e laica em todo o território da Palestina, está estreitamente ligada a soluções revolucionárias contra o estado opressor, o estado hebreu. Desde 1947, no momento em que Stálin e Truman exigiam da ONU a divisão como solução, a 4ª Internacional declarava:
“A posição da 4ªInternacional face ao problema palestino é claro e nítido, como antes.Ela será a vanguarda da luta contra a divisão, por uma Palestina unida e independente, na qual as massas determinam soberanamente sua sorte através da eleição de uma Assembleia Constituinte. Contra os efendis1 e os agentes imperialistas, contra as manobras da burguesia egípcia e síria, que se esforçam para explodir a luta emancipadora das massas em uma luta contra os judeus, lançaremos apelos para a revolução agrária, para a luta anticapitalista e anti-imperialista, ferramentas essenciais da revolução árabe. Porém, só poderemos conduzir esta luta com chances de sucesso, à condição de tomarmos uma posição firme, sem equívocos, contra a divisão do país e contra o estabelecimento do Estado judeu.
Mais do que nunca, por sua vez, é necessário chamar os proletários estadunidenses, ingleses, canadenses, australianos, os proletários de todos os países, a lutar pela abertura das portas de seus países, sem discriminação alguma, aos refugiados, às pessoas deslocadas, a todos os judeus que querem emigrar. Somente na condição de levar essa luta, efetivamente e com êxito, poder-se-á explicar aos judeus as razões para que não caiam na armadilha palestina.A terrível experiência que espera as massas judias no “estado miniatura”, criará, por sua vez, as condições para uma ruptura de camadas mais amplas com o sionismo criminoso. Se esta ruptura não ocorrer, o “estado judeu” se afundará em sangue.”
Não era fácil escrever isso em 1947/48.
É evidente, hoje, que a política do estado hebreu é uma política de destruição dos palestinos. A constituição de dois estados (que nunca serão dois estados), conduz o estado hebreu a instalar cercas de arame em torno de todas as colônias israelitas. É só olharmos para o mapa desse “país”: para ir de um ponto a outro nos supostos territórios “liberados”, será necessário passar pelos postos de controle da polícia israelita.
A situação na Palestina não exige outra coisa senão a Assembleia Constituinte com as duas componentes? Essa questão não está resolvida.
Ao final do século XIX e princípios do século XX, houve a guerra dos “Boers” na África do Sul. Na época, a II Internacional, que não era ainda o que é hoje, adotou a posição a favor dos “Boers”, os emigrantes holandeses contra o colonialismo britânico. Os acontecimentos, o atraso da revolução, as traições da II Internacional, as traições do stalinismo fizeram com que essa minoria branca se constituísse dentro da Azânia em instrumento da reação imperialista. Já em 1939, Leon Trotsky abria a perspectiva da República negra, uma República negra em que a minoria branca deveria abandonar sua situação de minoria racista.
Mais próximo de nós, na Argélia, os milhões de “pieds-noirs” não eram exploradores. Em Oran, havia milhares de revolucionários espanhóis que haviam lutado contra Franco. Ele foram conduzidos pela política dos governantes da época, a integrar-se no atoleiro da OAS. Todo o trágico futuro da Argélia se inscreve nessa situação. Porém, para a independência política da Argélia havia outra solução senão a Argélia para os argelinos?
Devemos lançar a palavra de ordem de uma República palestina árabe em todo território da Palestina? Confesso que estou refletindo sobre isso. Sim, existem os operários árabes explorados, os operários israelenses explorados. Porém eles não estão na mesma situação. Em função da necessidade da luta de classes, nós somos obrigados a distinguir.
Como partidários da frente única anti-imperialista, somos pela vitória do povo palestino árabe. Seja qual for sua direção. Partimos deste princípio.
A respeito da direção da OLP, vou apresentar alguns elementos para reflexão, que não são anedotas, mas que permitirão compreender a relação entre a luta pela constituição da nação palestina e a atual direção da OLP.
Em 1970, houve o que se chamou “soviete de Irbid”. Naquele momento, a resistência palestina ocupava o território da Palestina histórica, que abarcava também a Jordânia (a Jordânia foi constituída como um enclave para permitir a constituição do Estado de Israel). Os palestinos pegaram em armas. O rei Husseim da Jordânia, que sempre compactuava com os dirigentes do Estado hebreu, tentou esmaga-los, mas os palestinos se armaram e ocuparam toda a Jordânia. De imediato, a questão dos dois estados não foi colocada. Habash, que era o líder FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina), disse em uma entrevista antes do massacre:
“Para nós, isso não é um problema. Podemos tomar o poder quando quisermos.”
Habash foi para a China. Então se passou qualquer coisa de sensacional em Irbid: as massas palestinas criaram um soviete, eleito e com mandato revogável. Isso era intolerável para o imperialismo e para a burocracia stalinista: a política de Arafat se comparou a de Stalin em relação a revolução chinesa de 1927.
Em 1982, o Líbano estava totalmente controlado pelos palestinos. O general Sharon, de triste reputação, lança contra os palestinos as tropas israelenses munidas de sofisticado armamento americano. A ordem deve reinar no Próximo e Meio Oriente, a ordem dos senhores feudais, da burguesia árabe.
Sabemos que a questão nacional não pode encontrar solução positiva que não seja a revolução proletária, realizando as tarefas democráticas. Os fatos e os acontecimentos demonstram a validade dos princípios da revolução permanente. O combate da juventude palestina abriu o caminho da luta para milhões de operários palestinos explorados em Israel. Párias entre os párias, eles se lançaram no combate pela emancipação nacional, como parte integrante da luta pela libertação de todos os povos contra o imperialismo; o imperialismo responsável pelo extermínio de 6 milhões de judeus; o imperialismo que ergueu o obstáculo do estado hebreu opressor.
E assim chego a minha conclusão: a revolução está na ordem do dia? É certo que as derrotas e fracassos pesam. O ceticismo se alimenta da traição dos aparelhos e da atuação de seus aliados da extrema esquerda, que erguem o obstáculo do reconhecimento dos estados sob a égide da ONU.
Tudo isto pesa. Porém os operários palestinos que constroem sua independência de classe, estão levantando a bandeira da democracia, com a qual combatem os jovens da Intifada. Todo o mundo assinala que hoje Arafat está perdendo em parte o controle das massas, enquanto os operários palestinos levantam a questão da construção de sindicatos operários independentes.
A resposta à questão: a revolução está na ordem do dia, é a resposta do dilema que está colocado para toda a humanidade: socialismo ou barbárie.
O imperialismo americano, que domina o mundo, está confrontado principalmente à revolução palestina. Clinton, na discussão sobre o orçamento militar, propôs instalar um “escudo anti-mísseis” ao redor dos Estados Unidos, proposta supostamente justificada pela ameaças que representava a Coréia do Norte. Isso, no mesmo momento em que Clinton restabelece as relações com a nomenclatura ex-stalinista que governa esse país…Eles não sabem distinguir a verdade da mentira. A verdade é que o “escudo anti-mísseis”, na realidade, é para lançar mísseis. A OTAN não tem organizado, na Sérvia diretamente e em outras partes indiretamente, a destruição sistemática de fábricas? Isso é o imperialismo.
É evidente que hoje a economia está sufocada pelo mercado mundial. A nova economia da especulação se alimenta da destruição das forças produtivas. Se examinarmos os investimentos nas Bolsas, veremos que os investimentos produtivos diminuem sem parar. As bases da civilização industrial, que são as bases da civilização humana, estão no caminho da desagregação. Isso é o imperialismo na era da putrefação do sistema da propriedade privada dos meios de produção.
Porém há uma contradição fundamental que a “nova economia” não pode resolver. A destruição da força de trabalho que põe em funcionamento as forças produtivas, é mais lenta que a destruição das bases da civilização industrial. Para alimentar a especulação destrutiva, faz falta, em qualquer caso, a força de trabalho. Aí reside as possibilidades abertas ao proletariado, através de seu próprio movimento, com suas organizações independentes.
Estas possibilidades são a base da construção da IV Internacional sob a linha do Acordo Internacional dos Trabalhadores. Avançar calmamente mediante a organização, sempre com a organização. Os acontecimentos são o que são, mas o proletariado pode vencer. Entre o socialismo ou barbárie, nós lutamos pelo socialismo, contra a barbárie, lutamos pela revolução proletária.
Uma apaixonante discussão se desenvolveu, levantando uma série de questões que resultaram em duas respostas, cujo extratos publicamos a seguir.
África do Sul e Israel: um paralelo
Daniel Gluckstein
O levante da juventude da Palestina colocou na ordem do dia a constituição da nação. É uma questão complexa na história a maneira como se constitui uma nação. Em todas as circunstâncias, através dos séculos, as nações chegam ao estágio de nação desembaraçando-se dos grilhões que impediam sua constituição. Sempre, em todas as circunstâncias, as nações são constituídas contra quem oprime sua constituição.
O que está na ordem do dia na Palestina é a constituição da nação palestina. É suficiente olhar no mapa – vemos um embaralhamento de acampamentos militares fortificados, onde setores da população civil se misturam com bantustões e autênticos campos de retenção da população palestina – para compreender que a questão da nação nesta parte do mundo não pode ser resolvida, nunca se resolverá mediante a constituição de uma pretensa nação judia ou israelense separada de uma pretensa nação árabe ou nação palestina, oprimida e bloqueada hoje pelo sionismo, e também pelos estados árabes reacionários da Jordânia e de outros, ou seja, pelos instrumentos do imperialismo americano, que impedem que a nação palestina se constitua como nação.
A partir do momento em que o levante da juventude e do povo palestino colocou na ordem do dia a constituição da nação palestina, uma questão se colocou que está em discussão aqui: qual nação palestina, com quais contornos, qual o lugar de tal componente e, em particular, como já foi lembrado, qual o lugar dos judeus nessa nação?
Creio que antes de responder a esta pergunta, temos que nos referir a outros casos históricos, porque a pior coisa, em política, para os marxistas, é ver a realidade como queremos que ela seja e não como ela é. A pior coisa seria tentar colar a realidade a esquemas pre-estabelecidos, sem compreender a maneira como a história vira do avesso os esquemas ou os reescreve.
Tomemos como exemplo o precedente da África do Sul. O camarada Lambert falou sobre isso e é uma situação que eu conheço melhor que o Oriente Médio e, por isso, queria dizer algumas palavras sobre o modo como as coisas estão se constituindo. Na África do Sul, a minoria branca tem origem em imigrantes, vítimas da opressão no velho continente europeu. A imensa maioria dos que se constituíram na minoria branca na África do Sul, foram expulsos da Europa por serem vítimas da intolerância religiosa, porque eram huguenotes2 ou judeus, ou de outras origens. Em seguida, no final do século XIX, foram objeto da repressão selvagem do imperialismo britânico. Entretanto, é forçoso constatar que na África do Sul, no início do século XX, a classe operária branca existia enquanto aristocracia operária, negando ao povo negro da África do Sul todo o direito a constituir-se em classe operária e em nação. É uma situação de fato. O resultado significativo dessa situação, é que um dos elementos fundamentais da luta do povo negro da África do Sul por sua emancipação, passa pela constituição de sindicatos separados. Do ponto de vista teórico, poderia se dizer, e não é falso, que só há uma classe operária na África do Sul, que dos operários brancos é extraída a mais-valia, do mesmo modo que dos operários negros.
Formalmente, isso não é falso, mas a realidade não corresponde aos fatos. Porque, de fato, os operários brancos gozavam de tal situação privilegiada que impedia que tomassem em conta as aspirações e reivindicações dos operários negros. E a única maneira da classe operária negra da África do Sul se constituir enquanto classe, foi construindo seus próprios sindicatos. Eu encontrei uma vez uma jovem militante mestiça da África do Sul. Ela disse que seu pai, um velho militante comunista da África do Sul, era o único filiado branco no sindicato de mineiros negros na região, o único entre 100 mil sindicalizados. Ele preferiu se sindicalizar no sindicato dos mineiros negros, porque politicamente era solidário à classe operária negra. Mas era apenas um caso, talvez ainda tivesse alguns poucos assim.
A constituição da classe operária branca em aristocracia privilegiada – que corresponde a minoria de colonos –, conduziu, efetivamente, que a luta pela emancipação do povo da África do Sul colocasse na ordem do dia, necessariamente, a palavra de ordem da República Negra. Esta palavra de ordem, no entanto, não significa necessariamente que nessa República Negra não exista lugar para a minoria branca; significa que a constituição da nação da Azânia só pode existir à condição de romper com a opressão da qual é vítima, opressão essa, da maioria negra da África do Sul pela minoria branca, que, de maneira intermediária, expressa a opressão do próprio imperialismo. É nesse sentido que a palavra de ordem de República Negra na África do Sul, que Trotsky assinalou nos anos 30, encontrou sua expressão na constituição de sindicatos operários negros nos anos 60/70, e é uma palavra de ordem que continua atual ainda hoje nesse país.
A África do Sul é um país formalmente independente, a cor da pele de seus dirigentes é negra, porém seus interesses políticos continuam sendo os brancos. Atualmente, os trabalhadores do gueto de Soweto costumam dizer que o que mudou com o fim do apartheid, é que agora existe uma República branca com dirigentes negros. É uma República branca: ainda que os ministros sejam negros, a imensa maioria da população continua sem terra, sem os direitos mais elementares. É uma República que continua branca, porque as multinacionais americanas, holandesas, britânicas e os capitalistas sul-africanos continuam saqueando o país. É uma República branca porque a minoria de brancos foge das grandes cidades como Johannesburgo, abandonada em um estado de deterioração inimaginável – com os maiores índices de criminalidade do mundo –, para se refugiar em espécies de “cidades-bunkers” a algumas dezenas de quilômetros, onde nenhum negro pode entrar e onde seus interesses gigantescos são defendidos por exércitos privados. Segue sendo uma República branca.
Mais do nunca a palavra de ordem na África do Sul é a da República Negra, ou seja, a maioria negra tem o direito democrático de controlar as riquezas, o país da África do Sul e governa-lo. Que forma tomará a Constituição desta República Negra? Que lugar ocupará nessa República negra a minoria e a classe operária branca? A história é que determinará.
Evidentemente, a comparação com a Palestina é relativa: as condições históricas não são as mesmas. Até o momento falamos das condições da divisão em 1947, quando o sionismo e o imperialismo utilizaram, conjuntamente, o drama dos milhões de judeus mortos durante a II Guerra Mundial. Utilizaram e instrumentalizaram, por assim dizer, para conseguir impor essa dominação e essa divisão imperialista no Oriente Médio. É nesse aspecto que torna-se relativamente possível a comparação com a África do Sul, e também relativamente diferente.
Então, a questão colocada hoje é simples: não haverá nação palestina senão no marco da Palestina laica e democrática, em todo o território histórico da Palestina. Como disse Pierre Lambert, todas as demais soluções já foram tentadas: a solução que consiste em dizer que os palestinos não têm nenhum direito; a solução que consiste em dizer que os palestinos têm direito a bantustões separados; a solução que consiste em dizer a 100 km², a 200 km²… Todas essas soluções foram experimentadas, e todas desembocaram em sucessivas matanças e na decomposição geral da situação.
É evidente que para nós, para a 4ª Internacional não pode haver solução fora da Palestina laica e democrática em todo o território da Palestina.
Continua atual ou não a palavra de ordem Palestina laica e democrática em todo o território da Palestina, constituída através de uma Constituinte palestina englobando, com igualdade de direitos, todas as componentes (judeus, árabes e outros) da sociedade? Compartilho da interrogação colocada pelo camarada Lambert.
Evidentemente, seria mais satisfatório intelectualmente dizer que pode passar por aí, que as coisas podem acontecer de maneira harmoniosa, melhor que convulsiva. Existe um desenvolvimento histórico e, de fato, pode-se chegar a uma situação em que a sociedade israelense, a componente judia da região, coloque-se numa relação a tal ponto comum com estado opressor, com a plataforma imperialista que é o estado hebreu, que seja difícil constituir uma nação palestina em que todas as suas componentes possam participar em igualdade de condições.
A questão não é saber se desejamos ou não tal desenvolvimento, mas olhar a realidade dos fatos, nos dando ao direito de colocar a questão: não chegamos a essa situação? Em todo caso, existe um questão muito prática, que podemos responder. Existe uma grande central sindical que se chama Histadruth. Existe, hoje, a menor chance da central sindical Histadruth defender os direitos dos trabalhadores palestinos, que são considerados em Israel sub-cidadãos? Certamente que não.
Em todo caso, uma questão está colocada: a palavra de ordem de sindicatos independentes para os operários palestinos que vivem em Israel. Tem toda a atualidade a palavra de ordem de separação da Histadruth, já que ela não pode ser a representação do conjunto dos trabalhadores em Israel, visto que representa somente a camada que tem interesses privilegiados e particulares.
Existe um outro caminho para constituir a Palestina laica e democrática? O debate está aberto e e´um debate que não se pode evitar no estágio atual das coisas. Pierre Lambert disse que isso acontece dado o atraso da revolução. Não estava determinado de antemão que os acontecimentos na África do Sul tomariam o curso que estão tomando. Porém, hoje, as coisas não podem acontecer de outro modo, tal como na ex-Rodésia, no Zimbábue, onde o único meio que tem os camponeses para recuperar suas terras, é expulsando os grandes latifundiários brancos que lá estão desde a época colonial.
Ocorrerá o mesmo no Oriente Médio? Não se sabe, porém não podemos descartar essa pergunta, já que depende do seu desenvolvimento, dos atrasos da história e da revolução.
Com os oprimidos
Pierre Lambert
De 1948 a 1966, Israel confiou a gestão das relações com a minoria árabe a um governo militar que perdurou até 1985. Depois, foi um assessor para as questões árabes, adjunto do Primeiro-Ministro, que administrou a sorte de milhões de trabalhadores árabes israelenses. Se nos colocamos no ponto de vista dos explorados e dos oprimidos, isto não explica porquê o Estado hebreu lança tanques, caminhões, helicópteros, lança-chamas contra a Intifada? Um camarada falou do problema dos jovens. Todas as grande revoluções sempre colocam a juventude na linha de frente. A juventude não precisa de nada para se engajar no combate pela libertação. Na Palestina, nos territórios ocupados, a juventude decidiu que não agüenta mais. Porque aos 12 anos ou aos 15 anos, sofrer todos os dias o desprezo provoca a resistência.
De que lado estamos? Nós estamos com os oprimidos, com essa juventude que demonstra um heroísmo sem comparação. Quero mencionar o que disse Victor Hugo do jovem Bara na Revolução Francesa. Nenhum ser humano pode aceitar a impunidade do que os oprimem. De que lado estamos? Do lado dos que querem destruir o ensino, aniquilar a cultura, que se baseia na instrução? Ou com esses jovens estudantes secundaristas que (três em cada quatro) se recusam a votar nos conselhos de vida das escolas que pretendem associar-se à destruição de seu próprio futuro? São jovens também e temos que ajuda-los.
Recordemos que em 1907, 1908, 1910 os bolcheviques eram umas poucas dezenas e abriram o caminho para a maior revolução da humanidade. É verdade que a URSS se degenerou. É verdade que a casta parasitária dos burocratas vendeu literalmente os povos soviéticos, que, hoje, sofrem os piores males da restauração capitalista. É verdade que a situação mundial continua sombria.
Os atrasos da revolução continuam a nos colocar a questão de que se há lugar ou não lugar para a revolução. A barbárie está à nossa porta. Está em Kosovo, na Sérvia, na Rússia, nos Bálcãs. Se estende para a África, por todos os continentes. Na própria Franca, onde os meios de comunicação, o “governo plural”, a direita e a esquerda saúdam o “crescimento crescente”, cinco milhões de homens e mulheres vivem abaixo do nível de pobreza. Isso não é o auge da barbárie?
Censuram os revolucionários por não serem “realistas”. Essa censura não é feita apenas por pessoas de má fé, quando nos caluniam.
Também existem pessoas, militantes de boa fé, que consideram que os objetivos da 4ª Internacional não são “realistas”. Coloquemo-nos a questão: Aonde está nos levando o “realismo” de todos que se submetem ao imperialismo? Para onde foi levado o povo palestino?
A grande dificuldade, hoje, na Palestina, a grande dificuldade da Intifada, é que não existe o partido. Apesar disso, o combate demonstra que existem forças que procuram uma via. Ao mesmo tempo, em outro plano, na França, a rejeição massiva que se traduz pela abstenção nas eleições – em 60%, em 70%, e também em 80% –, que se traduz nas greves, demonstra que existe reflexão e busca.
Existem esses militantes, correntes, trabalhadores e jovens de todos os países, de todos os continentes, que se voltam para a 4ª Internacional e suas seções, para trabalhar juntos na construção de partidos operários independentes no marco do Acordo Internacional dos Trabalhadores.
Aos que organizam a destruição das bases da civilização, nós respondemos com os fatos: para onde nos conduz o vosso realismo?
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Para completar o que o camarada Gluskstein disse sobre a África, citarei uma passagem de Trotsky a esse respeito:
“Uma colônia escrava, na medida em que a revolução vitoriosa mudará radicalmente as relações, não somente entre as classes, mas também entre as raças, assegurará aos negros um lugar no Estado que corresponde ao seu número. A revolução social na África do Sul terá também um caráter nacional.”
Não é, em outras condições, o problema que se coloca na Palestina?
Não é fácil, no momento onde se destrói, onde todas as partes tentam destruir a independência das organizações. No entanto, existe outra coisa a fazer? A República da Azânia será antes de tudo uma República Negra. Isso não exclui, evidentemente, uma completa igualdade de direitos para os brancos. Porém, uma relação fraterna entre as raças depende sobretudo do comportamento dos brancos para integrar-se à maioria esmagadora da população libertada da dependência servil, na constituição de um estado que respeite a igualdade de direitos, a igualdade no direito.
Na Palestina, uma Assembléia Constituinte, com os componentes judeus e árabes, exige a constituição de uma República palestina laica. Não uma República israelense. E isso nos leva a colocar o problema central para a emancipação, o problema da destruição do estado hebreu, do estado opressor, como na África do Sul.
Eu vou fazer-lhes uma confidência. Acontece que eu sou de origem judia. Mas eu sou marxista antes de tudo. Eu sei o que significava dizer, ser judeu, de 1939 a 1945, significava os campos de concentração. Mas os trotskistas que combateram naquela época, jamais dirão que o povo alemão era culpado. Eu jamais aceitei a “responsabilidade coletiva” do povo alemão.
Na África do Sul, na Palestina, é absolutamente necessário reconhecer, e sem reservas os primeiros passos na direção da emancipação, na direção da “emancipação humana”, o direito incondicional dos negros à sua independência, na Palestina o direito incondicional dos palestinos árabes a ter sua nação, a nação palestina. É preciso romper a relação de escravidão.
Um só estado em toda a Palestina
Por tanto, é preciso combater para que os trabalhadores hebreus se coloquem do lado da Intifada. Tenho lido uma série de declarações da esquerda de Israel, da “A Paz Agora”, da esquerda francesa, da extrema-esquerda etc. Todos estão com a ONU, instrumento do imperialismo mundial, estão porque existem dois estados. Todos incluindo a LCR, Lutte Ouvrière, todo mundo… Pois bem, nós estamos por um só estado em todos os territórios históricos da Palestina, por uma República Palestina livre, laica e democrática, que garanta igualdade de direitos a todos os cidadãos.
É bem verdade que não estamos na situação que existia há vinte ou 30 anos. A situação não é a mesma. O grau de opressão, de servilismo do estado hebreu em respeito ao imperialismo, se desenvolveu de maneira incomensurável. Somos obrigados a partir desses fatos. O pior dos crimes, pelo menos para os revolucionários, na África do Sul, seria fazer a menor concessão aos privilégios e aos preconceitos dos brancos. Do mesmo modo em Israel. Houve uma manifestação de 4 mil pessoas em Tel Aviv, onde, apesar de tudo, havia uma boa maioria de árabes, com judeus.
Trotsky dizia que na África do Sul o partido revolucionário teria que colocar a todo operário branco a alternativa: ou sustentar o imperialismo, ou lutar com os operários e camponeses negros contra o imperialismo e seus agentes no seio da classe operária.
Na Palestina a questão é: ou com os trabalhadores palestinos árabes ou com o imperialismo.
Terminarei com uma citação de Trotsky que, em 1934, escreveu sobre a Palestina:
“Os fatos cotidianos demonstram que o sionismo é incapaz de resolver a questão judia. Os conflitos entre judeus e árabes na Palestina toma um caráter cada vez mais trágico e cada vez mais ameaçador.
Eu não creio em absoluto que a questão judia possa se resolver nos marcos do capitalismo em putrefação, e sob o controle do imperialismo britânico. Trabalhar pelo socialismo internacional, é também trabalhar pela solução da questão judia.”
Nota:
(1) Hoje a Corrente Comunista Internacionalista faz parte do Partido Operário Independente (POI) francês.
Texto publicado em “A Verdade” – nº 27
Revista Teórica da 4ª Internacional Abril/Maio de 2001.