Palestina: 75º aniversário da “Nakba”

Bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, massacres de civis e assassinatos seletivos de militantes palestinos, manifestações massivas de parte da população judaica israelense contra uma reforma do sistema judiciário que põe em questão suas condições de existência… É num contexto, ao mesmo tempo recorrente de violência contra o povo palestino, e de uma fratura sem precedentes no seio da sociedade israelense, que estão ocorrendo as comemorações do nascimento do Estado de Israel, que corresponde à “Nakba” (catástrofe) para os palestinos. 

Faixa de Gaza novamente sob bombas israelenses
De 9 a 13 de maio de 2023, um novo dilúvio de fogo atingiu toda a Faixa de Gaza, com imagens já vistas em outras ocasiões. De acordo com o Centro Palestino de Direitos Humanos (PCHR) em Gaza, até 13 de maio de 2023, havia mais de 33 pessoas  mortas por bombas israelenses, incluindo 4 mulheres e 6 crianças, e 190 feridos, sendo 64 crianças e 38 mulheres. 

Casas e terras agrícolas destruídas, um hospital atingido, fábricas e bairros populares bombardeados. Essa é a precisão milimétrica dos ataques israelenses. Na origem desse novo massacre, a morte na prisão, após 87 dias de greve de fome, do militante palestino Khader Adnan, e a esperada retaliação da Jihad Islâmica, pretexto perfeito para o primeiro-ministro israelense Netanyahu criar uma cortina de fumaça para a profunda  crise política na sociedade israelense. 

Khader Adnan, já encarcerado dez vezes por Israel e duas vezes pela Autoridade Palestina, foi preso em 5 de fevereiro de 2023 por ser “suspeito de ser membro de uma organização terrorista” – uma acusação sistematicamente pronunciada para todos os palestinos presos – , o que ele sempre negou. 

Segundo um comunicado da associação israelense “Physicians for Human Rights” (Médicos pelos Direitos Humanos) um médico e sua família foram mortos no bombardeio,“Israel considera as baixas [desses] civis como ‘danos colaterais’, mas na realidade foi uma decisão premeditada, resultante de décadas de desumanização dos palestinos”. A Faixa de Gaza é composta por subúrbios residenciais, hospitais, escolas e os sonhos de sua juventude. Tratá-los como alvos militares, danos colaterais ou uma questão de propaganda é, na melhor das hipóteses, uma falência moral e, na pior, um mal profundo”.

Manifestações contínuas contra  política de Netahnyahu
No sábado, 13 de maio de 2023, dezenas de milhares de israelenses se manifestaram, como têm feito nas últimas 19 semanas, contra a reforma da justiça pretendida pelo governo de Netanyahu, mesmo após cancelamento das manifestações pelos organizadores “devido ao risco de disparos de foguetes da Faixa de Gaza”. O jornal Haaretz observa que, na cidade de Or Akiva, houve confrontos entre partidários do governo e manifestantes e que “um grupo menor de manifestantes que protestava contra os bombardeios israelenses em Gaza juntou-se à manifestação principal”.

É neste contexto que o Estado de Israel “celebra” o 75º aniversário de sua fundação, em 14 de maio de 1948, que para os palestinos de todo o mundo corresponde ao início da “Nakba” (catástrofe). A fundação do Estado israelense, após o plano de divisão votado pela ONU em dezembro de 1947, só foi possível com base na expulsão violenta de dois terços da população palestina na época.  Hoje, as aspirações democráticas de uma parte da população judaica israelense são cada vez mais confrontadas com a realidade colonial e o peso crescente dos colonos e de fundamentalistas religiosos na sociedade israelense.  

A “democracia israelense” é um artifício que, para funcionar, precisa da existência ou da ideia de uma estrutura estatal palestina autônoma e da afirmação de uma cidadania israelense para os palestinos do interior . Esse engano não se sustenta mais. A falta de separação geográfica entre palestinos e israelenses, reforçada pelo desmoronamento da Autoridade Palestina corrupta e domínio israelense sobre todo o território que se estende do Mediterrâneo ao Rio Jordão, tornou-se um fato inescapável. Com a aprovação da lei sobre o “Estado-nação do povo judeu” em 2018, o apartheid foi de fato institucionalizado.

A lógica colonial do sionismo é que os judeus sejam privilegiados em todos os lugares, e os palestinos sejam considerados habitantes de segunda classe, ou até mesmo em liberdade condicional permanente. A ausência evidente de separação geográfica leva, portanto, ao estabelecimento de uma separação política, ou seja, o apartheid. É todo esse sistema que está rachando. O confronto entre os israelenses que defendem suas aspirações democráticas e a fração mais extremista, hoje no poder, não impedem o abalo de muitas certezas. 

Nas manifestações palestinas organizadas por ocasião da comemoração da Nakba, a fronteira interna artificial estabelecida em 1967 é amplamente contestada quando os jovens palestinos cantam: “Do Mediterrâneo ao rio Jordão, somos um e o mesmo povo”. Não pode haver democracia sem liberdade de locomoção, sem direitos iguais. 75 anos depois, essas questões se tornaram inevitáveis.

François Lazar

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