O presidente Lula, já dissemos neste jornal, tem adotado uma posição soberana na questão da guerra na Ucrânia que incomoda muita gente. Ao defender a paz e o cessar-fogo e se recusar a fornecer armas ao conflito ele toma distância da política externa dos EUA e expressa um sentimento popular profundo de soberania nacional face à opressão mais que centenária do imperialismo estadunidense e europeu.
Lula tem dito “não à guerra” desde a campanha eleitoral e já declarou que não aceita vender armas a nenhum dos lados pois isso seria “entrar na guerra” e ele quer “parar a guerra”.
Entre os maiores incomodados com essa política, estão, sem dúvidas, as forças armadas que receberam em 27 de abril uma nova solicitação da Ucrânia para a venda de 450 unidades do blindado Guarani, produzidos em parceria com a multinacional Iveco, em Minas Gerais. Ávidos por turbinar a indústria de armas no país e ganhar dinheiro, ignorando a linha política da diplomacia brasileira, os militares pressionam abertamente pela aceitação da proposta. Dessa vez, explicam, os blindados seriam usados pela Ucrânia como ambulâncias. O governo, corretamente, até agora, resiste a esse disparate.
A contradição das forças armadas com a política independente de defesa da paz pelo governo não para aí. O Exército brasileiro resolveu organizar o “1° seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre”, que acontecerá a partir de 30 de maio e para o qual foram convidados representantes dos EUA, da Alemanha, Reino Unido e outros países da OTAN para discutir, nas palavras do general bolsonarista Theophilo Gaspar de Oliveira, “conceitos e linhas de esforços para a superação das ameaças que vêm se apresentando no âmbito operacional, tanto dentro quanto fora do campo de batalha”. Reagindo a este alinhamento evidente aos fornecedores de armas de Zelensky, Lula determinou o convite à China para o tal seminário.
Mas o que este episódio escancara, pela enésima vez, é a arrogância dos militares para contrariar a soberania das urnas que elegeu um governo que recebeu um mandato popular. No fundo, como diz a convocatória ao Encontro Nacional do Diálogo e Ação Petista, a “a questão não resolvida da tutela militar continua assombrando a República”.
Essa, no entanto, está longe de ser a única contradição entre as instituições de Estado e a soberania popular.
Como vimos nessa semana, sob pressão do “mercado” e do Congresso ultrarreacionário, o governo Lula aprovou um arcabouço fiscal, piorado pelo relator, que pode ameaçar o atendimento das demandas populares, inclusive várias promessas de campanha. A essas “concessões”, no entanto, a maioria reacionário do Congresso não responde com uma trégua, como poderiam esperar algumas pessoas. Ao contrário, o apetite destes senhores para questionar o mandato popular conferido pelas urnas em 30 de outubro passado é insaciável. Impedem o governo de organizar os próprios ministérios, ameaçam o MST com CPI, tentam aprovar o Marco Temporal e se não forem parados, seguirão adiante (ou, na verdade, seguirão retrocedendo).
Como resistir a essa situação para garantir que a Soberania Popular seja alcançada, começando por exigir respeito ao mandato que saiu das urnas, não é tarefa fácil, mas está entre as principais questões que serão objeto de discussão no referido Encontro Nacional do Diálogo e Ação Petista, nos dias 29 e 30 de julho em São Paulo, em cuja preparação nos engajamos desde já.