Resposta à Articulação de Esquerda

Recebi da editora de O Trabalho, Misa Boito, a carta abaixo de ontem, reagindo às referencias feitas à tese da AE no PED, num artigo meu da última edição do jornal de anteontem. A editora havia oferecido nossa tribuna para uma contestação da AE. Hoje, quando escrevo, a carta já circula pela mão de apoiadores da AE, mas vamos lá:


Olá companheira Misa Boito

Conforme sugerido por voce, solicitamos que seja publicado no site do jornal O Trabalho (e onde mais o texto de Luna tenha sido divulgado) a seguinte carta:
A página www.otrabalho.org.br divulgou um texto intitulado “PED: nove chapas nacionais em disputa”, de autoria de João Alfredo Luna.

O texto faz várias acusações contra a tendência petista Articulação de Esquerda. Gostaríamos que, mesmo que de maneira sumária, fosse registrado o contraponto a seguir:

1) Luna pergunta “aonde” está a “guerra” e o “fascismo”. Resposta: a guerra está descrita no início da tese. O fascismo está no bolsonarismo e assemelhados.

2) Luna diz que a tese da AE não avalia “o seu apoio (e do PT) à “aliança nacional com o PMDB”, e Temer vice, há 10 anos”. Resposta: criticamos a política de alianças dos antepassados da CNB desde 1993. Aproveitamos para pedir que o Luna nos recorde (com algum texto, alguma ata, algum vídeo, algum áudio) quando e onde e como foi que a AE apoiou a “aliança nacional com o PMDB e Temer vice”.

3) Luna diz que a AE “não fala dos governadores do PT”. Luna deve reler a tese “Em tempos de guerra, a esperança é vermelha” (https://pt.org.br/wp-content/uploads/2019/08/em-tempos-de-guerra-2ago2019.pdf), pois lá está dito o seguinte: ” Para agravar, há governadores eleitos pelo PT que afrontam publicamente as posições do Partido, sem que a atual direção os enquadre”.

4) Luna diz que “talvez para ofuscar a responsabilidade nos 13 anos de governos do PT, o apoio ao PED etc”, a AE “ficou sectária no debate chamando à “derrota o CNB”. Resposta: nossa principal “responsabilidade” nos “13 anos de governos do PT” foi defendê-los dos ataques da direita e, ao mesmo tempo, combater a política de conciliação de classes, especialmente a política econômica de Levy, Meirelles e Palloci. Quanto ao PED, a AE votou contra desde que ele foi proposto pelo então petista Cristovam Buarque.

5) Luna fala que não cobramos “o Fundo Exclusivo”. Resposta: apoiamos esta demanda desde o início, inclusive na CEN e no DN, quando foi reafirmada pelo companheiro Marcos Sokol.

6) Luna afirma que recusamos a “frente única anti-imperialista, socialmente mais ampla”. Resposta: eis aí um ótimo debate, pois como se viu no caso de Alcântara, as vezes o “socialmente mais amplo” discurso anti-imperialista pode andar de braços dados com a capitulação.

7) Luna afirma que “a tese da AE é campeã de retórica”. Pode ser, sempre pode ser. Mas pelo menos nossa retórica tem começo, meio e fim: atacamos as posições da CNB e defendemos derrotar a CNB.

Saudações petistas

Marcos Jakoby, em nome da chapa Em tempos de guerra, a esperança é vermelha


Para começar, nosso leitor aqui, deve saber que o artigo publicado no jornal OT é uma polêmica com as outras 8 teses, do ponto de vista de um apoiador da Chapa 210 Diálogo e Ação Petista, polêmica resumida e concentrada numa página tablóide. Não ficamos tristes por uma das teses reagir em 24hs, ao contrário, pois a polemica congressual é uma marca da democracia petista, limitada no PED, mas real.

Todavia, o leitor compreenderá que, nesta resposta, 12 hs depois de receber a carta, eu não poderia falar em nome da Chapa do DAP, vista a sua amplitude. Diferente do companheiro Jakoby que fala em nome de sua chapa, o que também qualifica o debate.
Pela ordem com que Jakoby apresenta:

1) Sim, a AE é o campeão de retórica no PED. Se “Vivemos tempos de guerra. Guerra de ricos contra pobres. Guerra de empresários contra trabalhadores”, como diz a 1ª frase do texto, perdão, quando foi que não vivemos esse “tempo”? Houve paz aí, quando? Não acredito que pense que foi nos governos Lula-Dilma ou FHC, para falar só das ultimas décadas. Já havia essa “guerra social” (Marx), pois a luta de classes é o traço definidor do capitalismo. Então, a retórica vazia não ajuda a entender o tempo presente. Mas pode criar excitação em certos meios sociais para propor, a cada julgamento no STF, “ocupar o Judiciário, bloquear as estradas”, como vi companheiros da AE propor. Afinal, guerra é guerra, não é? Só falta nosso exército, o que a retórica não criará.

O “bolsonarismo está no fascismo”? Sim e não. A polêmica tem um ano. Bolsonaro é um aspirante a bonaparte, precisa ainda comer feijão pra chegar lá, e várias feijoadas para chegar ao fascismo (“o fascismo é bonapartismo do século 20”, Trótsky). Ele tem essa fome, é verdade. Mas confundir a vontade ou a fome com a realidade (“fascismo”), pela direita como pela esquerda, faz mal à saúde. O bonapartismo, autoritário e na aparência acima das classes, fala “em nome do povo”, mas no interesse da classe dominante, se choca com o parlamento e a justiça, ataca as organizações populares e as instituições, para colocar outras no lugar (bonapartistas). O fascismo destrói as organizações e suprime o parlamento. Não é onde estamos, é a ameaça que existe, quando Bolsonaro tira a extrema-direita das redes e põe uma turba na avenida Paulista, é um passo que dá naquela direção. Mas ainda pode ser derrotado. Sim, pode, mas não pela retórica.

A retórica aí facilita que alguns concluam do “fascismo” a frente antifascista… com o STF que não é fascista, com outros setores golpistas (os quais não são todos fascistas)… e, então, o “aliancismo” que saiu por uma porta, voltaria pela janela. Outros retóricos agem como se pintando o demônio mais feio do que ele é, emulariam as massas a se mobilizarem, numa espécie de foquismo ideológico, quando isso pode, ao contrário, criar um ambiente depressivo, como ocorreu em certos meios intelectuais no começo deste ano.

A questão é importante e antiga. A revolução alemã, nos anos 30, foi travada pelo stalinismo que ajudou, de fato, à vitória do nazismo (forma fascista alemã). Sua disposição, no plano analítico, tratava já por fascista, os sucessivos governos parlamentares (na crise da república de Weimar) que, na verdade, eram bonapartistas de direita. No plano tático, o stalinismo dividia a classe trabalhadora, então organizada na social-democracia e no PC, recusando a unidade que facilitou a ascensão do nazismo. Depois de cuja vitória eleitoral, o stalinismo saiu em busca de qualquer aliança antifascista, freando a luta de classes, o que terminou de enterrar a revolução.

2) Jakoby diz que a AE critica as alianças desde 93. Pode ser, outros também. Mas qual crítica e qual conclusão?

Os protocolos da “aliança nacional com o PMDB” (2008/09) e o Temer Vice (2010) tiveram poucos votos contra no Diretório Nacional, entre os quais os membros de OT. Menos ainda o Temer de Vice (OT). Todas as edições do jornal O Trabalho da época estão à disposição, reportando os fatos nunca desmentidos, e se as atas do DN forem publicadas, ou certos historiadores do período consultados, vão comprovar. Assim como podem testemunhar companheiras e companheiros do DN que ainda hoje defendem, legitimamente, aquela aliança. O que havia além de OT, era quem levantasse que “o núcleo da aliança deve ser de esquerda” ou “centro-esquerda”, fórmulas não-excludentes da “aliança com o PMDB Nacional”, para além de Sarney e Renan. O que levou a aceitar o Vice Temer (presidente do PMDB) em 2010, com a “esquerda” no núcleo, claro! Jakoby pode procurar nos jornais da AE da época, a prova do seu voto contra o PMDB, não vai achar.

3) Que a AE “fala dos governadores” do PT. Sim, basta consultar o link que apresenta: diz lá no final que “as direções atuais não funcionam coletivamente, há governadores do PT que afrontam posições do PT, e há tendências que atuam como partidos-dentro-do-partido”. Tudo é problema: direções, governadores e tendências (faltou parlamentares e prefeitos). Mas, pera aí, qual governador afrontou qual posição?

O DAP diz claramente que três governadores (Bahia, Ceará e Piauí) pediram voto à sua base aliada (os deputados do PT não votaram) na PEC 06 da reforma da Previdência, contra a orientação do DN.

Já a tese da AE, logo no 8º parágrafo, trata do 1º turno da Previdência criticando “as ilusões no ‘centro’, mostrando quem é esquerda e está ao lado do povo”. Não é um luxo esse balanço que ignora o papel dos governadores que contribuíram, assim, para a maior derrota que sofremos desde o impeachment?

Não é um luxo. É um balanço estrábico que não quer ver o gravíssimo papel destes 3 governadores que não ficaram ao lado do povo nesta questão-chave, conciliaram, confundiram o povo e desmoralizaram a militância. Podia ser diferente. Podiam fazer como o prefeito Kiko (CNB, por acaso), de Franco da Rocha, cinturão operário de São Paulo, que no dia da greve geral contra a PEC 06 decretou ponto facultativo. Isso, sim, é PT!

4) Que a responsabilidade da AE “nos 13 anos de governos do PT, foi defender o PT dos ataques da direita” (Jakoby)? Pode ser. Mas não em tempo e hora do ataque principal da direita.

A AE, igual que a esmagadora maioria do DN, comprou gato por lebre desde o mensalão, quando expulsaram Delúbio Soares, tesoureiro responsabilizado por “mal-feitos”. E isso continuou depois quando atingiu Zé Dirceu, e no começo da Lava-Jato etc. e tal. À época, tivemos a oportunidade de polemizar na nossa imprensa com o então dirigente da AE na Executiva Nacional, Valter Pomar, sobre a imperiosa tarefa de defender os dirigentes do PT e o governo, nesta questão, central da história dos 13 anos de governo do PT. Desculpa Jakoby, nós tínhamos razão, vocês estavam errados nisso.

E sim, estávamos juntos contra a política de Palocci, de Meirelles e de Levy. Estivemos entre os articuladores do manifesto dos 400 sindicalistas da CUT ao Congresso do PT (Salvador), contra a política econômica de Levy. Mas, no nosso caso, “ao mesmo tempo” em que defendíamos o PT e seus dirigentes.

Sobre o PED, se a AE votou contra, esqueceu rapidinho. Porque, se não erramos, esteve entre os três (com Soriano e Silvinho, o Secretário de Organização) que redigiram o modelito do princípio das “eleições diretas no PT” proposto por Zé Dirceu, na verdade. Mas não eram obrigados, a não ser por um tipo de “conciliação” interna. O modelito foi depois submetido ao DN, contra os votos de OT. Sim, é verdade que, bem mais recentemente, a AE passou a criticar o PED como outros também, queremos crer, como produto de experiência sincera. Mas não venham nos dizer que sempre foram contra.

5) A AE apoiou o Fundo Exclusivo desde o início deste PED, isso é verdade, na CEN e DN. Não os diminuímos reconhecendo que outras chapas também apoiaram, bem menos que os dirigentes do CNB, infelizmente, por isso não houve Fundo de novo este ano (aliás, só chegamos perto de um, na gestão do companheiro Vaccari). Mas se o Sokol não “reafirma” (na verdade, cobra) o tal Fundo, não haveria a discussão, pois ninguém lembra da exigência democrática dos Estatutos de que as chapas do PED sejam financiadas por um Fundo Eleitoral Exclusivo (como no fundo que propusemos na reforma política institucional), e não financiadas pelos parlamentares ou “otras cositas más”.

O ângulo da AE e outras chapas no tema financeiro como vimos nos debates, é atacar o controle pelo CNB da Tesouraria, pedindo sua democratização (somos a favor). Mas por que ficar no ataque a CNB e não começar agora, democratizando o financiamento das chapas?

6) Contra a frente única antiimperialista, Jakoby reafirma a linha estreita da AE de “unidade da classe trabalhadora assalariada e classe trabalhadora de pequenos proprietários”. Sem explicar nada, sua carta joga que “como se viu no caso de Alcântara, às vezes o ‘socialmente mais amplo’ discurso anti-imperialista pode andar de braços dados com a capitulação”. Do que ele está falando? Mistério.

Se fala da capitulação da bancada do PCdoB na recente votação do acordo com os EUA, contra o voto do PT, pode afastar seus fantasmas, Jakoby não temos parentesco com o oportunismo cinqüentenário do PCdoB stalinista. Achei que você sabia. Esclareço que não propomos “discurso anti-imperialista”, mas frente única anti-imperialista, uma mobilização de massas por questões concretas. No caso de Alcântara, seria a unidade contra uma cessão aos EUA que desmonta a soberania na questão espacial (não só), cuja defesa interessa a trabalhadores, mas também acadêmicos e cientistas, pequenos empresários e mais além. Sem termos nós a ilusão de vir a governar contra o imperialismo com a “burguesia nacional”, como o companheiro deve saber.

7) Por fim, parece que concordamos com Jakoby na sua conclusão: “nossa retórica tem começo, meio e fim: atacamos as posições da CNB e defendemos derrotar a CNB”. É uma escolha de como fazê-lo. Ela se perde na retórica e deságua numa confusão, porque não se guia pelo interesse da luta da nossa classe – com as divergências que comporta – contra a classe dos grandes proprietários, senão que se guia por uma obsessão. Por que desperdiçar talento e energia, mesmo partindo de pressupostos marxistas formais, nessa obsessão? Ela leva à obscuridade (arrisca a cegueira). É tudo para “derrotar a CNB”, termina derrotado ele mesmo.

07/09/19, J.A.L.

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