100 anos da Revolução Russa: os antecedentes – parte 1

A partir da edição nº 801 do jornal O Trabalho até a edição  do início de novembro de 2017, nosso jornal e esse site publicarão artigos sobre o desenvolvimento da Revolução Russa de 1917, seus ensinamentos e impactos sobre a situação mundial.

Abordaremos o tema sob o ângulo da atualidade da Revolução Russa pois, para nós, não se trata de “comemorar” algo do passado que, hoje, “estaria superado”, mas sim de ajudar os militantes do movimento dos trabalhadores e da juventude a combater de forma eficaz o capitalismo, na sua etapa imperialista, cuja sobrevivência ameaça a humanidade de catástrofes sem fim, senão de destruição.


O “ensaio geral” de 1905, a “Grande Guerra” iniciada em 1914 e a ação das massas

O Império Russo no cenário mundial

A célebre fórmula de Lenin, líder dos bolcheviques (1), de que “a cadeia imperialista se rompeu no elo mais frágil”, indica que é impossível compreender a revolução socialista na Rússia separada do desenvolvimento do capitalismo, entrado em sua fase imperialista, em escala europeia e mundial.

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Enquanto os soldados combatem no front em condições desiguais, suas famílias passam fome na Russia Czarista

Com efeito, a Rússia, no cenário das potências imperialistas que se engalfinharam na Primeira Guerra Mundial (1914-18), era o “elo mais frágil” por ser um país de desenvolvimento capitalista atrasado, de esmagadora maioria de população rural recém saída da servidão´(abolida em 1861) mas que, por fazer parte do circuito internacional de acumulação do capital, havia incorporado uma indústria concentrada em grandes unidades de produção, sob a proteção da burocracia imperial e, em larga parte, fruto de investimentos estrangeiros vindos da França, Alemanha, Bélgica.

Resulta desse desenvolvimento desigual e combinado da Rússia a natureza das classes que vão se enfrentar ao longo dos oito meses que separaram a eclosão da revolução em fevereiro e a tomada do poder pelos sovietes em outubro de 1917. Como explicou Leon Trotsky na sua “História da Revolução Russa”:

“A incapacidade política da burguesia foi determinada diretamente pelo caráter das suas relações com o proletariado e os camponeses. Ela não podia arrastar consigo os operários que se lhe opunham odiosamente na vida cotidiana, e que, cedo, aprenderam a dar um sentido mais geral às suas ambições. Por outro lado, a burguesia foi igualmente incapaz de arrastar a classe camponesa, porque foi apanhada nas malhas dos interesses comuns com os dos proprietários de terras, e que temia uma ameaça à propriedade, de qualquer maneira que fosse. Se a revolução russa tardou a desencadear, não foi somente uma questão de cronologia: a causa deve-se também à estrutura social da nação”.(2)

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O “domingo sangrento de 1905”

O “ensaio geral” de 1905

Em 1904, o Império Russo, em expansão para o Oriente, entra em guerra contra o Império japonês e sofre uma terrível derrota, a primeira de uma potência europeia diante de um país asiático. O esforço militar russo recai sobre o povo pobre, os operários e camponeses, que sofrem enormes padecimentos que fermentam uma explosão revolucionária.

Em 22 de janeiro de 1905 (9 de janeiro, no calendário russo da época) ocorre o “Domingo Sangrento”, uma marcha pacífica de 1,5 milhão de pessoas na capital imperial de São Petersburgo, para entregar uma petição ao Czar (imperador) Nicolau 2°, foi selvagemente reprimida com milhares de mortos. Foi o estopim para ocupações de terra e greves nas cidades que se prolongaram até novembro daquele ano.(3)

Como forma de coordenar as várias greves, surgirem os sovietes (conselhos operários) desde o início de 1905; são reprimidos e voltam a reaparecer na greve geral de outubro do mesmo ano. Trotsky, com 25 anos e voltando do exílio, preside o soviete de São Petersburgo. A expressão “ensaio geral” é de Lênin, e, de fato, como explica Trotsky:

“Os acontecimentos de 1905 foram o prólogo das duas revoluções de 1917 – a de fevereiro e a de outubro. O prólogo continha já todos os elementos do drama, que, porém, não estavam afinados. A guerra russo-japonesa fez tremer o czarismo. Utilizando o movimento de massas como contraste, a burguesia liberal alarmou a monarquia pela sua oposição. Os operários organizavam-se independentemente da burguesia, opondo-se mesmo a ela, quando nasceram os sovietes (ou conselhos) pela primeira vez. A classe camponesa insurgia-se sobre uma imensa extensão de território, pela conquista de terras. Da mesma forma que os operários agrícolas, os efetivos revolucionários no exército foram atraídos pelos sovietes, os quais, no momento onde o desenvolvimento revolucionário era mais forte, disputaram abertamente o poder à monarquia. Todavia, todas as forças revolucionárias se manifestaram pela primeira vez, elas não tinham experiência, faltava-lhes firmeza. Os liberais afastaram-se ostensivamente da revolução quando se tornou evidente que não bastava fazer tremer o trono, mas que era necessário o derrubar. A brutal ruptura da burguesia com o povo – tanto mais que a burguesia arrastava desde então consideráveis grupos de intelectuais democratas – facilitou à monarquia a sua obra de desagregação no exército, de escolha de contingentes fiéis e de repressão sangrenta contra os operários e camponeses. O czarismo, mesmo tendo algumas costelas quebradas, saía vivo, suficientemente vigoroso, das dificuldades de 1905”.(4)

Passados doze anos, em 23 de fevereiro de 1917 (8 de março no calendário atual), a Rússia novamente sofre os efeitos terríveis da guerra. Por ocasião da manifestação em São Petersburgo do “Dia internacional das mulheres”, as fábricas do bairro operário de Vyborg (5), contrariando a opinião de seus dirigentes políticos e sindicais (inclusive dos bolcheviques), entram em greve.

Com as trabalhadoras têxteis à cabeça, mães e esposas de soldados que estavam no front, as greves prosseguem até o dia 27 de fevereiro, quando o regime imperial da Rússia é derrubado pela ação das massas. É do que trataremos em próximas edições.

Julio Turra

Notas

1. Em 1898 fundou-se o Partido Social Democrata Operário Russo (POSDR), que no seu 2º congresso de 1903, dividiu-se em duas frações, bolcheviques (maioria) e mencheviques (minoria), em função da discussão sobre a organização do partido (ver o “Que fazer?”, de Lenin). Após a tomada do poder em outubro de 1917, os bolcheviques passaram a denominar-se Partido Comunista de toda a Rússia (bolcheviques) e, em 1922, Partido Comunista da União Soviética.

2. “As particularidades do desenvolvimento da Rússia”, Tomo 1 – A Revolução de Fevereiro, in “A História da Revolução Russa” de Leon Trotsky.

3. Sobre a Revolução de 1905 ver “Balanço e Perspectivas” de Leon Trotsky, publicado em 1906.

4. “As particularidades do desenvolvimento da Rússia”, Tomo 1 – A Revolução de Fevereiro, in “A História da Revolução Russa” de Leon Trotsky

5. Distrito industrial de São Petersburgo (depois Petrogrado), onde concentravam-se grandes fábricas metalúrgicas e têxteis nas quais os revolucionários desenvolviam seu trabalho de organização sindical e política, vindo a transformar-se num bastião dos bolcheviques em 1917.

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